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João Ricardo Costa Filho: Inferno Austral

13 set 2019, 23:22 - atualizado em 13 set 2019, 23:22
São Paulo Imóveis Brasil
(Imagem: Pixabay)

Por João Ricardo Costa Filho, Doutor em Economia pela Universidade do Porto, é professor da FGV/SP do Ibmec/SP – Siga no TwitterInstagram e Linkedin

Um processo de inflação crônica ganhando forma e se descolando da atividade econômica. A desorganização trazida pelo rápido aumento contínuo e generalizado de preços desestimula consumo e investimento. Não são apenas os gastos no curto prazo que diminuem, mas também as perspectivas de crescimento mais longevo, afinal, se falta renda para adquirir produtos básicos, imagine para dispêndios associados ao crescimento futuro.

Para combater esse fenômeno, um plano com sete tópicos: i) congelamento de preços, salários e tarifas de serviços públicos; ii) reforma monetária; iii) taxa de câmbio fixa; iv) compromisso oficial de não financiar o déficit público através da emissão de moeda; v) redução do déficit de caixa do setor público; vi) criação de uma escala de conversão entre a moeda antiga e a nova moeda; vii) redução nas taxas de juros.

Os pontos acima, bem como a descrição da visão “neo-estruturalista” do processo inflacionário da Argentina dos anos 1980, podem ser encontrados com mais detalhes no capítulo escrito por Guillermo Rozenwurcel, Inflação e estabilização na Argentina: o plano Austral, no livro organizado por Pérsio Arida (com o sugestivo título de Inflação Zero).

O plano é antigo, as escolhas que o compõem, nem tanto. De uma forma ou de outra, a deterioração da economia Argentina fez com que os gestores de política macroeconômica regatassem um ferramental que parecia ter sido reservado ao passado de tantos planos latino-americanos…fracassados.

Na versão do século 21, o câmbio flutua e, ao menos por ora, a moeda segue a mesma (desvalorizando-se rapidamente, é verdade). Do passado, mantêm-se a incapacidade de lidar com os déficits públicos e a predileção por algum tipo de controle de preços (já que a inflação possui um comportamento inercial e, portanto, sob a ótica dos defensores desse tipo de medida, ela estaria descolada da atividade econômica e seria não só impermeável a tentativas denominadas ortodoxas, como um choque heterodoxo se mostra o melhor remédio).

Após ter experimentado anos sem acessar o mercado financeiro internacional e reconquistado um voto de confiança, a notícia de que a dívida será renegociada (eufemismo interessante porque a palavra “calote” assusta) pode afastar novamente o capital externo, mesmo esse sendo tão abundante após tantos anos de incursões monetárias mundo afora.

As consequências podem ser catastróficas.

No capítulo anterior do mesmo livro (cuja autoria o organizador já citado divide com André Lara Resende), uma forma diferente de lidar com o processo inflacionário é apresentada.

(Imagem: Pixabay)

O chamado plano Larida, cuja atualização em 1994 que contou com reajustes mais rápidos do indexador que viria a ser conhecido como URV do que na ideia original, bem como um papel importante da âncora cambial e da contenção do ajuste fiscal via o Fundo Social de Emergência (dentre outros inúmeros pilares que não cabem neste espaço), e que culminou no bem-sucedido Plano Real, poderia ser uma inspiração alternativa ao controle de preços.

A opção pelo câmbio fixo não parece factível, seja porque eles já tentaram e deu errado (lembramos também que a chamada “caixa de conversão” não teve um fim muito agradável no começo deste século) ou porque as restrições da macroeconomia aberta parecem não facilitar (a Argentina precisa de capital externo e abrir mão da política monetária talvez seja muito difícil neste momento).

Mas isso não impede de arquitetarem estratégias que consolidem o que a experiência dos últimos 50 anos nos mostra sobre processos de inflação alta (e hiperinflação).

Uma equipe com a chancela do FMI poderia desenhar uma reforma monetária que atacasse o problema do reajuste desalinhado de preços e do alto nível da inflação junto à um ajuste fiscal crível (e de verdade) em formato semelhante ao que desenvolvemos no Brasil.

O Congresso teria que ser chamado a participar (o que talvez faça com que a empreitada tenha que ocorrer apenas no próximo mandato presidencial) e o foco tem que ser acabar com esse enorme mal que é a inflação alta (que é a porta para a hiperinflação, desse jeito).

No mês anterior ao sufrágio universal, a pressão da disputa no incumbente parece tornar turvos os impactos das escolhas que estão sendo feitas. Calote, restrição ao acesso a dólares, congelamento de preços e outras empreitadas dessa natureza, em planos cuidadosamente arquitetados, já deram errado. Agora, parece inclusive uma sequência de improvisos. Dessa vez será diferente?

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