João Piccioni: Sobre PowerPoint, cannabis e FAANGs
Por João Piccioni, da Empiricus Research
Logo nos primeiros anos de vida da Amazon, seu fundador, Jeff Bezos, implementou uma regra bastante controversa nas reuniões da empresa: a proibição do PowerPoint. Para ele, as apresentações que faziam uso da ferramenta eram superficiais e incapazes de recriar toda a linha de pensamento do emissor.
No lugar, Bezos instituiu o uso de textos narrativos. Eles deveriam ser elaborados pelo apresentador e poderiam conter no máximo seis páginas. Nos primeiros 15 minutos da reunião, os participantes se debruçariam sobre o documento e só então começariam a debater suas ideias.
Fiquei pensando justamente como seria uma narrativa com base na apresentação “Algumas facetas do investidor” que fiz no evento de aniversário de nove anos da Empiricus. Decidi então aproveitar o espaço concedido pelo Felipe para construir a explicação. Mas não se preocupe, isso não vai tomar mais do que cinco minutos do seu tempo. Vamos a ela!
As últimas semanas trouxeram muitos tormentos para dois dos mais comentados setores das Bolsas americanas em 2018. O setor da cannabis sofreu o seu baque mais forte desde a aquisição, por 4 bilhões de dólares, da Canopy Growth pela Constellation Brands, em agosto. A cotação do ETF MJ, que contém quase todas as ações do setor, caiu mais de 30 por cento desde suas máximas.
Outro segmento que sofreu foi das high techs, as ações das empresas de tecnologia, mais bem representadas pelas FAANGs (Facebook, Amazon, Apple, Netflix e Google). Os investidores descarregaram seus carrinhos de uma só vez no mercado e a desvalorização do grupo superou os 30 por cento das máximas atingidas no começo de outubro.
O susto inicial se propagou como rastilho de pólvora e criou um incêndio no mercado, em parte associado à questão da alavancagem dos investidores e, também, aos ajustes dos ETFs e dos algoritmos quantitativos, entremeados nas questões da guerra comercial entre a China e os EUA e na atuação mais hawkish do Fed (o banco central americano).
Essas medidas e reações poderiam até tirar o sono do investidor inteligente. Mas nunca o seu apetite. Esses setores (cannabis e tecnologia), quando avaliados, mostram que ainda possuem alguns atributos que podem trazer boas surpresas nos anos que virão. Vamos a eles.
Comecemos pelo setor de cannabis.
As notícias sobre a legalização da maconha no Canadá e, mais recentemente, em alguns Estados americanos deu novo ânimo aos investidores (ou especuladores). Na esteira da liberação, ações de diversas companhias ligadas à cannabis subiram com força e algumas transações no setor foram realizadas. Além da Constellation Brands, outras gigantes, como a Coca-Cola e a Altria (antiga Philip Morris) mostraram interesses nas operações já existentes.
A questão é que os valores de mercado das empresas do setor embutem uma boa dose de irracionalidade, principalmente quando confrontados com a realidade atual. Lógico que olhar para o presente e projetá-lo como futuro é impensável. De qualquer forma, mesmo as melhores estimativas, que preveem um mercado potencial nos EUA na casa dos 25 bilhões de dólares, geram dúvidas nos investidores mais audaciosos.
Neste momento, penso que o melhor a fazer é se ater à ideia do uso medicinal da cannabis e atentar para as companhias cujos fármacos estão muito perto de serem aprovados pelo órgão regulador americano. Esse, por exemplo, é o caso da Corbus Pharmaceuticals, presente na carteira da série MoneyRider.
Sobre as FAANGs, muito tem se falado que elas teriam chegado ao cume. Que os modelos de negócios estariam próximos à saturação e que a possibilidade de ganhos com as ações dessas companhias estaria limitada após um rali de mais uma década. Antes de partir para essa conclusão, é importante olharmos para trás e para o estágio em que estamos – o estado da arte da tecnologia.
Sem o advento do iPhone, em 2007, a produtividade global e o avanço das margens das empresas não teria sido possível. Sem a invenção da grande biblioteca de Alexandria que se tornou o Google ou do comércio eletrônico da Amazon, estaríamos fadados a uma condição ainda limítrofe do alcance de possibilidade do conhecimento. O mesmo vale para o Facebook e a Netflix – esta última elogiada pelo Prêmio Nobel Richard Thaler por sua capacidade de se reinventar ao longo do tempo.
Um investidor que tivesse montado uma carteira contendo essas cinco ações nos últimos cinco anos (de 2013 até novembro de 2018) teria obtido uma rentabilidade aproximada de 800 por cento. Os números das companhias em conjunto dão uma boa ideia da dimensão do sucesso: o lucro operacional está na casa dos 112 bilhões de dólares, enquanto o caixa líquido (caixa menos as dívidas) supera os 310 bilhões de dólares.
Hoje, o valor de mercado das cinco juntas é de 2,9 trilhões de dólares. Com o recente “sell-off”, tanto a Apple quanto a Amazon perderam o status de serem as companhias mais valiosas do mundo – foram ultrapassadas pela Microsoft (uma outra bela representante do setor). Quanto mais essas empresas se desvalorizarem nas Bolsas americanas neste momento, melhor (pois conseguiremos comprá-las por preços mais baixos).
O fato é que ainda não podemos descartá-las como se fossem azarões, e não as principais vencedoras da próxima década. Seus negócios possuem fortes barreiras de entrada, as melhores cabeças pensantes e, combinadas, essas gigantes possuem um volume de recursos disponíveis para investimento superior às reservas internacionais do Brasil.
Vale lembrar que o megainvestidor Warren Buffett, outrora um cético em relação às novas tecnologias, há algum tempo já percebeu a força singular do modelo de negócio da Apple, ao ponto de ele próprio se tornar um dos principais acionistas da empresa de Steve Jobs. Se um dos maiores gurus do mundo compra AAPL aos montes quando o mercado se torna hostil, por que você deveria ficar de fora?