João Braga: Conheça o gestor que já trabalhou com Stuhlberger e Benchimol, mas decidiu abrir sua própria gestora
João pensava em trabalhar no mercado financeiro quando jovem, mas mesmo assim conseguiu estar ao lado de Jorge Paulo Lemann, Luis Stuhlberger e Guilherme Benchimol. E mesmo assim, no meio da pandemia de 2020, ele decidiu seguir o caminho da independência.
Com uma estratégia focada em processos e uso de dados para avaliar empresas, Braga hoje trabalha o value investing de forma diferente do que é comum se ver nas gestoras. “Nos propomos a sermos um pouco mais all-weather, ou seja, ter uma carteira para atravessar qualquer cenário”, explica ele em entrevista ao Market Makers.
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Em conversa realizada com o Market Makers antes do evento, o gestor explicou como funciona sua estratégia de seleção empresa, o uso de inteligência artificial para investir e alguns cases de sucesso. Confira os melhores trechos da entrevista:
Market Makers: Como você começou no mercado financeiro e qual sua trajetória até aqui?
João Braga: Eu vim de Goiânia, no fim de 1997, para fazer engenharia elétrica em São Paulo, e não achava que ia trabalhar no mercado financeiro. Mas na faculdade mesmo eu já conheci o mercado, me apaixonei e fui fazer estágio na área, então eu não trabalhei nem um dia com engenharia.
Desde que me formei, sempre trabalhei em gestoras de recursos. A primeira foi a GP Investments, em 2003, que era a asset do Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles. No ano seguinte, eu tive um convite para trabalhar com o Luis Stuhlberger na Hedging-Griffo, no Fundo Verde, dessa vez fazendo Bolsa mesmo, primeiro como analista, depois como gestor. O Luis, então, me convidou para ser sócio depois que vendeu a Griffo para o Credit Suisse, em 2007. Naquela época, colocaram um contrato de oito anos de non compete para nós, e esse contrato terminava no final de 2014.
Mas, no começo de 2014, eu recebi uma ligação do Guilherme Benchimol para ser sócio da XP. Como eu não podia ainda trabalhar em outro lugar, eu fui estudar a história da XP e achei que era um caso muito legal, então eu topei ir. Em 2015 eu estava lá tocando os fundos de bolsa. No entanto, chegou um certo momento, não só por fase de vida, mas também por estilo de gestão, que eu decidi pular para a independência, fazer um gestora independente. Então, em 2020 decidimos fazer esse passo e fundamos a Encore.
MM: E como é comandar uma gestora independente?
JB: Estamos fazendo algumas coisas que são um pouco diferentes do que as assets de investimento em bolsa fazem. Uma é ser bastante intensivo em processo, porque acho que as assets brasileiras são muito boas na parte do investimento, na parte criativa do negócio, mas são ruins na parte de processo.
Temos processo pra tudo aqui: desde como fazemos a análise de uma empresa até processos da empresa em si, como o feedback trimestral, processos de produtividade , entre outros. Outra coisa é a tecnologia. Não dá pra você não usar tecnologia para ajudar seres humanos a tomarem melhores decisões. E isso vai especialmente para a ciência de dados, que investimos aqui dentro.
MM: E como foi a experiência de criar todo esse novo projeto no auge da pandemia?
JB: Do ponto de vista de mercado, a burocracia me atrapalhou muito. Eu estava louco pra começar logo, para pegar os preços baixos, e quando comecei a gestora, o mercado já tinha voltado bem. Depois, ainda peguei o lado ruim, que foram os aumentos de juros no mundo inteiro por causa dos incentivos que foram dados pelos BCs.
Do ponto de vista da construção da empresa, foi bem legal, curioso. Achei que o processo de RH ia atrapalhar, mas ajudou. Foi mais fácil porque era tudo pelo Zoom. Eu diria também que do ponto de vista de pessoas, como foi uma mudança muito grande no mercado, muita gente usou isso para repensar o caminho da vida.
Isso me deu também uma certa sorte, porque somos muito processuais aqui, então eu tinha as listas dos setores que queria falar com os analistas, e quase todo mundo que veio para a Encore era literalmente a minha primeira opção em cada uma dessas listas.
MM: E como é sua filosofia de investimento, o que você avalia antes de investir em uma empresa?
JB: Nós temos um DNA um pouco diferente, isso porque seguimos três parâmetros. O primeiro é que nos propomos a sermos um pouco mais o que eu chamo de all-weather, ou seja, ter uma carteira para atravessar qualquer cenário. É óbvio que se a bolsa cair vai ter correlação, mas queremos ter uma carteira que caia menos. Para seguir isso, você precisa ser agnóstico em relação ao que você vai investir.
Ponto dois é procurar diferenças entre percepção de valor e o preço de tela. O famoso value investing. E tem o terceiro ponto que é o fato que gostamos de gatilhos. Se um analista me fala para comprar tal ação, eu pergunto o motivo e ele responde “porque está barato”, isso não é suficiente. Nós gostamos de mapear quais serão os gatilhos que farão o mercado perceber essa diferença de valor e preço que estamos vendo, o que pode ser qualquer coisa.
Entrando no processo de análise, um dos mais importantes é que matamos o PowerPoint, isso não existe aqui. O nosso processo de análise é um framework no Evernote que tem mais de 150 perguntas, e os analistas têm que preencher para tudo que a gente cobre. Isso é importante para ele não enviesar, porque se o analista preencheu todas as perguntas, ele fez um bom trabalho, olhou tudo. São várias perguntas, sobre o setor, sobre a empresa, sobre a oportunidade, sobre ESG, sobre risco, sobre tudo.
MM: E você comentou que usa bastante de ciência de dados, qual a sua visão sobre essa crescente das inteligências artificiais como o Chat GPT, você usa, pretende usar?
JB: Nós já usamos. Usos ainda muito pequenos, mas já existem algumas aplicações que usamos que são super simples e já agregam. A gente usa mas como uma ferramenta para ajudar o ser humano a otimizar o tempo de análise, não tem nada de decisão que venha ainda de inteligência artificial, mas desde o começo já compramos a API, já testamos. Nós adoramos esse tipo de coisa, de testar essas novidades.
MM – Indo para as histórias de mercado, quais foram seus maiores acertos no mercado, as ações que tiveram melhor desempenho?
JB – Um foi a antiga Redecard, que fez seu IPO faz tempo. Nós analisamos a empresa na época e achávamos uma ação cara porque ela tinha uma questão de ambiente competitivo muito curiosa que não era um duopólio da Redecard e da Visanet, eram dois monopólios, uma com cartão Mastercard e outra do Visa. Achávamos que esse mercado iria abrir, e nada pior para uma empresa do que o ambiente competitivo nocivo, era um setor que crescia muito. O IPO foi mais ou menos a R$ 35 e a gente ficou short (operar vendido). E aconteceu o que eu imaginava: o mercado foi abrindo, a competição foi vindo e a ação começou a cair até uns R$ 22 e começamos a ganhar bastante dinheiro, então eu zerei a posição.
Mas então eu comecei a achar que essa competição poderia dar uma arrefecida, e a ação continuou caindo até R$ 18. Então, a Redecard deu um cavalo de pau, demitiu o CEO e começou a se recuperar até os R$ 22; foi quando decidi comprar e realmente a ação seguiu subindo. O Itaú então fechou o capital dela a R$ 35. Basicamente pegamos do R$ 35 ao R$ 22 vendido e do R$ 22 ao R$ 35 comprado, foi uma história boa.
Outra foi a Qualicorp. Em 2018 era uma ação muito barata, só que o controlador fez uma coisa que não gostamos em relação a colocar um non compete e isso foi visto pelo mercado como uma governança bem ruim. A ação foi de R$ 17 para R$ 12, então atuamos junto com a empresa para melhorar essa governança, e isso fez com que a percepção dos investidores, principalmente estrangeiros, melhorasse muito. Desses R$ 12 ela voou para R$ 22, época que o controlador decidiu vender para a Rede D’Or e a ação foi para R$ 42.
Uma terceira foi a Via Varejo, que foi uma história que deu super certo, por mais que a empresa esteja indo mal hoje. Em 2019 estava tudo caro, então você tinha que ser um pouco mais criativo para achar como investir, e víamos a Via Varejo largada. Então chegamos na família que tinha muitas ações, a família Klein, mas que não podia fazer nada porque não tinha o controle da empresa e falamos: “se vocês provarem que dá pra fazer um turnaround na companhia, a gente ajuda a recomprar e tirar o controlador”. E eles provaram. Compramos essa ação a R$ 4,90, eles mudaram toda a diretoria, tentaram fazer transformação digital e tudo mais. A ação foi para R$ 20, explodiu. Então fomos vendendo, teve a Covid, ficou caro de novo.
MM: Do lado negativo, qual foi um caso que deu tudo errado?
JB: Um deste ano foi a CBA, que faz alumínio. Nós somos muito próximos da dinâmica da indústria e o alumínio caiu para algo tipo uns US$ 200, US$ 300. E fazendo a nossa análise, nesse preço achamos que, algo em torno de 40% dos produtores de alumínio do mundo não ganham dinheiro, então eles iriam parar de produzir, o que é bom para puxar a oferta para baixo e melhorar. Só que o resultado foi que eles não se importaram muito com isso, porque o produtor marginal, que estava pedindo dinheiro, era chinês, que não está nem aí. Ele continuou produzindo muito e o preço continuou caindo e eu me compliquei bastante.
Outro foi a Espaçolaser. Pensamos que esse business poderia ser muito bom, porque o retorno sobre o capital investido de uma loja nova é muito alto, e também porque ela faz algo cultural no Brasil. Eles estavam usando o dinheiro do IPO para crescer e achávamos que o ambiente competitivo era mais tranquilo do que muitos falavam porque eles estavam entrando em lugares que nenhum outro concorrente entrava, tipo classes B e C.
O problema foi que em 2021 surgiu a inflação no mundo, e esse é um serviço que tem substituto mais barato. Veio também uma grande surpresa nesse negócio, a desalavancagem operacional: se o preço do serviço cai, o custo é fixo, então o lucro cai muito mais. E fazendo nossas pesquisas, descobrimos que eles estavam tendo uma taxa de ocupação cadente, porque as pessoas não estavam indo, e a solução para isso foi diminuir o preço e diminuir o preço quando estava tendo inflação.
Olhamos esse cenário, refizemos as contas do retorno sobre o capital investido e vimos que o lucro ia cair 80%, com o preço caindo 30%, e decidimos vender. Compramos no R$ 16 e vendemos no R$ 8, então foi uma derrota total, com 50% de queda, só que o papel hoje está R$ 1,40
MM: Você comentou sobre o psicológico do investidor, como você lida com a questão de saber a hora de vender uma ação, seja na alta ou na queda?
JB: Primeiro a gente não tem stop em preço, seja stop gain ou stop loss, a gente tem stop em premissa. Se subiu muito, beleza, mudou algo na premissa do seu modelo? Não. Chegou no seu target? Chegou. Então vende. Mas se mudou a premissa, teve algo que aconteceu, vamos reavaliar.
Segundo, é um outro processo de minimização de viés de status quo. O ser humano lida muito mal quando há uma mudança de opinião e, por consequência, tem um risco de arrependimento. Todo dia à noite eu vou embora da Encore e na minha cabeça penso que vendi todas as ações, que é passado. Todo dia de manhã, eu acordo, venho para a Encore e penso o que faria com a carteira do zero. Eu teria esse papel desse tamanho? É óbvio que é só um exercício mental, eu não vendo tudo e compro tudo todo dia, Mas, só de você ter esse exercício, já te desprende um pouco para você vender.
MM: E como você está vendo o mercado neste momento atual? E diante disso, o que falaria para um investidor que ainda tem medo de sair da renda fixa e ir para a renda variável?
JB: Sobre o cenário, a dificuldade que eu tive nos últimos 2 anos e meio de Encore, foram os juros globais subindo ao mesmo tempo de uma vez, depois que o mundo inteiro subiu por causa dos incentivos, o que gerou inflação. O juro é a gravidade dos preços: quando o juro está alto, a gravidade é forte e puxa para baixo, quando o juro é baixo, a gravidade é mais fraca. A grande notícia é que isso já acabou, esse ciclo passou. Países que começaram antes, já estão surpreendendo na queda, como por exemplo o Chile e o Brasil. Então, agora a gente está entrando no ciclo bom. Em termos do ciclo longo, eu estou super otimista.
Sobre a segunda pergunta, dos grandes alocadores do mundo, tem uma pessoa, o David F. Swensen, de Yale, que ficou muito famoso por fazer o modelo de Yale de alocação, é algo que deu muito certo. Ele é um gênio, e o que ele faz é a coisa mais simples e fácil de explicar que existe: é definir se você é mais agressivo ou menos agressivo, então ter mais ou menos renda fixa e bolsa. Depois que definiu, é seguir a estratégia.
Olha que simples e genial: você tem que ter 10% de bolsa, de acordo com a sua alocação de risco. Se a bolsa cai, esses 10% vão virar 5%, por exemplo, você vai lá e faz o rebalanceamento da carteira. A bolsa explodiu, foi para 15%, você vai vender para ajustar. Você está sempre comprando barato e vendendo caro. Mas o que acaba acontecendo? Quando está em 10% e a bolsa cai e vai para 5%, a pessoa olha e decide ter zero, vende tudo, e no sentido oposto ela compra mais quando subiu. Isso é total psicologia.
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