Economia

Javier Milei é bombardeado por seu próprio economista-chefe: “De onde virão os dólares? De mais dívidas?”, dispara

23 nov 2023, 16:43 - atualizado em 23 nov 2023, 16:50
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Fogo amigo: Javier Milei, presidente eleito da Argentina, é questionado por aliado sobre dolarização (Imagem: Facebook/ Javier Milei)

Javier Milei nem completou uma semana como presidente eleito da Argentina e já é alvo de fogo amigo. Ninguém menos do que o futuro chefe do conselho econômico do governo, Carlos Rodríguez, deu uma longa entrevista ao canal TN de televisão, na noite de ontem (22), e bombardeou o plano do ultraliberal de dolarizar a economia.

“De onde sairão os US$ 40 bilhões para dolarizar?”, disparou, referindo-se ao montante que, nas contas de Rodríguez, a Argentina necessitaria para converter sua moeda local, o peso, em dólares, como pretende Milei.

Em maio passado, Rodríguez aceitou o convite de Milei, então candidato à Casa Rosada, para chefiar o conselho econômico da presidência, caso vencesse a eleição. A julgar pelas primeiras manifestações do ex-secretário de Política Econômica de Carlos Menem, a relação pode azedar antes mesmo de ser empossado.

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Javier Milei vai aumentar impostos para dolarizar economia?

Na entrevista concedida ontem à noite, o futuro conselheiro de Milei foi bastante claro sobre os riscos envolvidos na dolarização. Segundo ele, uma forma indesejável de a Argentina obter os dólares necessários para isso seria contrair mais uma dívida.

“Já temos uma dívida que não podemos pagar; vamos fazer outra dívida para pagá-la?”, questionou. “Depois, teremos que pagar outra dívida, e todos vão protestar, porque teremos que cobrar impostos para quitar essa dívida”, explicou. Apresentando-se como anarcocapitalista, a última coisa que se espera de Milei é que eleve a carga tributária.

Como fica cada vez mais claro, o plano de Milei de abandonar o peso e adotar o dólar como moeda esbarra na escassez de moeda americana. Para piorar a situação, consultorias econômicas e o próprio Banco Central da Argentina observam que mais de 80% das reservas internacionais do país estão em yuans, a moeda da China.

Desde o 2017, quando Mauricio Macri assumiu a presidência do país, o Banco Central local tem convertido parte desses yuans em dólares para quitar compromissos e recompor reservas. Inicialmente, a moeda chinesa entrou nas reservas argentinas por meio de um acordo bilateral de swap cambial entre os dois países em 2009, no governo de Cristina Kirchner, com o objetivo de incentivar o comércio sem passar pelo dólar.

O problema é que, desde Macri, os yuans acumulados pelo Banco Central são usados não apenas para pagar pelas importações do Extremo Oriente, mas também para quitar outros compromissos, como uma parcela do empréstimo concedido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). E, sempre que a Argentina recorre à conversão de yuans em dólares para isso, precisa negociar autorizações especiais com a China – e negociar com os chineses é algo que Milei prometeu não fazer.

Juros altos em títulos públicos: outra dor de cabeça para Milei

Rodríguez admitiu que a economia argentina já é, informalmente, dolarizada e até “uma velhinha aposentada tem dólares guardados suficientes para viver um ou dois meses”. O problema, contudo, é o que acontecerá depois que a população colocar em circulação os dólares que poupou.

O problema é agravado, segundo ele, por um instrumento financeiro chamado Letras de Liquidez (Leliqs), uma espécie de título público emitido pelo Banco Central e adquirido por bancos privados, que os utilizam para lastrear aplicações financeiras de pequenos investidores. As Leliqs oferecem, atualmente, uma taxa anual de juros entre 200% e 250%.

Caso Milei decida acabar com o Banco Central, precisaria explicar qual seria o destino das Leliqs e dos estratosféricos juros que oferecem aos pequenos investidores. A opção mais óbvia, segundo Rodrígues, seria cortar brutalmente a taxa de juros que remunera esses papéis, a fim de incentivar a migração das pessoas físicas para outras aplicações.

Tudo indica, contudo, que, sem as Leliqs, os argentinos intensificariam ainda mais a compra de dólares, num ambiente em que a moeda americana já está escassa, o que faria o câmbio disparar para mais de 1.500 pesos por dólar, disse o futuro conselheiro de Milei.

“Vão liquidar sua renda, mas o que se há de fazer?”, previu. “somos um país de estúpidos que se encheram de Leliqs”, concluiu. Resta saber se Milei gostou das declarações públicas de seu futuro chefe do conselho econômico da presidência.