Jalles (JALL3): CEO pede fim da interferência da Petrobras (PETR4), cita novas commodities, ‘olhos’ no açúcar e sangue frio para hedge
O CEO da Jalles (JALL3), Otávio Lage Filho, produtora de açúcar e etanol, conversou nesta semana com o Money Times sobre os rumos do negócio.
Entre os temas citados pelo diretor-executivo, estiveram os planos de investimentos da empresa, a estratégia de hedge para se proteger contra a oscilação de preços, dividendos, a política implementada pela Petrobras (PETR4) para a gasolina e o desempenho da ação ao longo de 2024.
A empresa conta com três unidades produtivas no total. Duas delas em Goiás, as usinas Jalles Machado (UJM) e Otávio Lage (UOL), com capacidade para processar 3,3 milhões de toneladas e 3 milhões de toneladas de cana-de-açúcar , respectivamente, com apenas 40 quilômetros de distância entre as duas. Em Minas Gerais, a Jalles conta com a usina Santa Vitória, com capacidade para moer até 2,7 milhões de toneladas de cana. Somadas, as três usinas contam com uma capacidade produtiva de 9 milhões de toneladas.
No primeiro trimestre da safra 2024/2025, a empresa reportou um prejuízo líquido de R$ 2,378 milhões, uma melhora de 95,2% na comparação com os primeiros três meses da safra 23/24 (R$ 49,5 milhões). O Ebitda ajustado diminuiu 10,1% no mesmo comparativo, de R$ 271 milhões para R$ 243,9 milhões.
CEO dá detalhes sobre a Jalles
Money Times: O que diferencia a Jalles de outras produtoras de açúcar e etanol listadas na B3, como a Raízen (RAIZ4) e São Martinho (SMTO3)?
Otávio Lage: Somos uma empresa que teve, desde sempre, uma administração familiar, mas com muita competência, preocupada sempre em reduzir custos. O nosso negócio foi gerado aqui no interior de Goiás, trabalhado para e com a presença dos sócios.
Nós agregamos valor ao produto, entregando algo diferenciado, como é o caso do açúcar orgânico. Sempre fomos pioneiros, seja na produção de energia elétrica, como acontece aqui em Goiás. Somos também a primeira na produção do biogás no estado, com planos de investirmos no biometano.
MT: O que vocês esperam para essa safra 2024/2025? O que anima e preocupa a companhia? Há desafios para as usinas?
OL: Temos tido muitas alegrias com todos os investimentos que nós fizemos. Por exemplo, nós estamos tendo uma produtividade de quase 100 toneladas por hectare, porque investimos muito ao longo da nossa história em irrigação. Estamos situados em uma região que tem uma seca muito bem definida, e com isso, a produtividade com a irrigação é muito boa, porque tem sol, temos calor, e a noite é fria nesse período de inverno. Isso faz com que a cana cresça, se desenvolva e gere essa produtividade.
Nós temos aqui um aproveitamento intenso de todos os produtos orgânicos, como adubo, torta de filtro, vinhaça, cama de frango. Com isso, nós conseguimos uma produtividade diferenciada com as práticas de rotação de cultura que fazemos com crotalária e soja.
Com essas rotações de cultura, conseguimos ter um solo mais adaptado, que responde melhor nas culturas alternativas, o que aumenta a produtividade.
Por isso nós temos pouca preocupação com relação à seca que acontece. Tudo indica que o estado de São Paulo que vai ter uma quebra de safra. Nós temos uma área irrigada extensa, mitigando os riscos do clima.
Não temos como mexer em preços, por ser uma commodity, mas temos visto, por vezes, uma interferência do governo, que é a questão da administração da Petrobras (PETR4), que mais atrapalha do que ajuda. Às vezes a empresa não repassa os custos de produção, ou repassa de maneira diferenciada entre a gasolina e o óleo diesel.
MT: Como você enxerga a queda de 11,18% para ação em 2024? (com base na cotação às 11h42 de 20 de agosto)
OL: Entendemos que o papel está com uma precificação baixa, mas tenho certeza que isso será corrigido. Sabemos que a interferência do governo no ano passado afetou o nosso resultado, e nós estamos com a política para 2024 de segurar os estoques para vender no momento mais propício.
O resultado do trimestre (1T25) não foi aquele que o mercado às vezes esperava, mas com certeza esse resultado virá, porque nós estamos vendo o preço do etanol subindo, o preço do açúcar continua alto e nós estamos bem fixados.
Esperamos que essa reversão, esse número possa ser bem mais palatável e agradável ao mercado, e nós com certeza vamos ter uma melhora nesses números até o final da safra.
MT: Como vocês olham para o açúcar orgânico, pensando que esse é um produto voltado para as exportações da companhia? Quanto esperam produzir para o açúcar e etanol neste ciclo?
OL: Temos feito, ao longo da nossa história, esses investimentos pequenos, porque esse é um mercado pequeno (açúcar orgânico). Temos crescido paulatinamente, em pequenas proporções, até pela crise que nós tivemos de transporte marítimo com a Covid-19, com a falta de contêineres. Estamos nos recuperando lentamente.
No entanto, em 2024 especificamente, temos vistos problemas pela guerra no Oriente Médio na passagem pelo Canal de Suez. Isso pode atrapalhar as nossas exportações. Ainda é algo inicial, temos que continuar monitorando a situação dos contêineres.
O que nos dá tranquilidade é que temos feito o nosso dever de casa. Temos uma produtividade boa na área industrial, um produto de qualidade, o que resulta em torno de 90 mil toneladas de açúcar orgânico para exportar, um pouco acima da nossa produção do ano anterior.
No caso da cana-de-açúcar, também temos aumentando a nossa produção, devendo chegar mais ou menos a 8,3 milhões de toneladas nessa safra, um pouco acima do ano anterior. Estamos com 60% da safra colhida e esperamos que daqui para frente, possamos moer toda nossa cana prevista e ter uma produtividade que fique entre 94 e 96 toneladas por hectare.
MT: Como vocês enxergam o mercado do etanol nesse momento? No release do 1T25, vocês citaram uma recuperação nos preços desde o fim do ano passado.
OL: O consumo do etanol tem aumentado, já que a diferença para gasolina está expressiva. Nós estamos com uma expectativa de que os preços subam um pouco mais na entressafra, o que deve resultar em melhores margens em relação a 2023.
A política implementada no ano passado (fim da paridade internacional para diesel e gasolina) interferiu brutalmente no setor, trouxe prejuízo para muitas empresas. Esperamos uma recuperação, já que o aumento do consumo acaba melhorando o preço do futuro.
Existe também o cenário de guerra no Oriente Médio, que mexe com o preço do petróleo, com possíveis impactos no mercado interno. Esse cenário pode resultar em um aumento no preço do petróleo, e melhorar ainda mais a competitividade do etanol.
MT: O que contempla o plano de investimentos atual da Jalles?
OL: Acabamos de fechar os R$ 517 milhões que havíamos anunciado em três anos, que comtempla a expansão da unidade Otávio Lage (UOL) em 700 mil toneladas, incremento de 300 mil toneladas para usina Jalles Machado (UJM), assim como os investimentos em equipamentos que fizemos na unidade de Santa Vitória, para ampliar a produção. Além disso, nós destinamos R$ 170 milhões para a nova fábrica de açúcar em Santa Vitória, aumentando a capacidade inicialmente prevista em 15 mil sacos para 20 mil.
Em Otávio Lage, nós fizemos um pequeno investimento e conseguimos aumentar relação de açúcar e etanol, porque o açúcar está mais competitivo, passando de 50% para 60% da nossa cana destinada para o açúcar.
E na Santa Vitória, onde nós tínhamos só a produção de etanol hidratado, agora temos também temos açúcar. A previsão é de 150 mil toneladas de açúcar, mas houve um atraso na entrega dos equipamentos. Vamos moer até talvez o fim de novembro, tentando fazer o máximo de açúcar.
MT: Quais são os planos de investimentos no médio e longo prazo? Para o que vocês tem olhado?
OL: Estamos estudando várias possibilidades, são estudos preliminares, não há nada definido. O biometano é um deles. Já temos o biogás lá na UOL e também estudamos a opção de produzir biometano na UJL. Nós temos um potencial consumidor que é a Anglo American, que está há 18 quilômetros das nossas usinas em Goiás. Esse biometano com certeza vai acontecer no futuro, mas não temos prazo, estamos o analisando o retorno financeiro e a questão do endividamento.
Quanto ao etanol de milho, contratamos um estudo para entender a viabilidade, o retorno do investimento, para compreendermos em qual das três plantas seria mais adequado. No meu sentimento, talvez o mais adequado seja na planta de Minas Gerais (USV), já que na região há um consumo grande de DDG (ração para animais de criação à base de milho), muito milho na região, a usina é próxima de perto de Rio Verde (GO), região forte na pecuária, e o período de seca abre um mercado interessante para esse tipo de produto.
MT: O que vocês esperam de oportunidade para o mercado nascente do SAF (combustível sustentável de aviação)?
OL: Esse é um “mercadaço”, mas ainda é preciso de muito investimento nas plantas, como já temos visto anúncios.
Para ter uma ideia, a produção de etanol terá que se multiplicar por dez para atender o plano da IATA (Associação Internacional de Transporte Aéreo), que regulamentou as regras para que o SAF seja uma realidade como combustível de aviação. E não é só o etanol. Biodiesel e óleos vegetais também podem ser utilizados como matéria-prima para produção.
Com isso, o nosso setor terá mais uma alternativa de crescimento, além das oportunidades no futuro de o etanol ser usado com insumo de produção de hidrogênio verde (H2V). Já há estudos de algumas fabricantes, como é o caso da Toyota em parceria com a USP, e testes de automóveis híbridos elétricos com H2V.
MT: Como vocês olham para o PL do combustível do futuro e o programa Mover?
OL: O governo está no caminho certo, chamando a atenção dos investidores e empresários criando um amparo legal para que no futuro nós possamos ter a tranquilidade de produzir com um mercado consumidor ativo.
Normalmente, quando o governo interfere, faz isso de forma negativa. Mas nesse caso, com uma legislação amplamente discutida no Congresso Nacional, dá uma tranquilidade maior inclusive para os investidores.
O Brasil, sem dúvida alguma, é o país que tem mais chance de ter um combustível limpo. Na China, por exemplo, 60% da energia elétrica é gerada com a queima de carvão mineral. Existe a possibilidade de exportação de amônia líquida. Ao invés vez exportar o hidrogênio, que é caro, hidrogênio verde, você pode exportar a amônia líquida, que é mais fácil, e fazer o hidrogênio verde na Europa, na Ásia, onde quer que seja.
MT: Vocês apontaram no guidance um mix de 36,6% para o açúcar, com tendência de crescimento, podendo atingir 50,6% nos próximos trimestres. A Jalles deve focar cada vez mais no açúcar? Será preciso investimentos extras?
OL: Temos visto os preços do açúcar se mantendo estáveis, num patamar mais alto que a média histórica, o que torna o nosso mix mais açucareiro. Pequenos investimentos podem acontecer, mas os grande investimentos já foram feitos.
Talvez façamos algum outro investimento, mas aí seria algo marginal, para aumentar ainda mais esse índice de relação açúcar-etanol, porque o açúcar está trazendo mais rentabilidade Mas tudo pode acontecer, então é bom ter essa flexibilidade.
Se quisermos fazer mais etanol, temos condições para isso. Lógico que tem um custo, essa flexibilidade não vem de graça. Precimos manter equipamentos ociosos para ter essa capacidade quando o preço estiver mais favorável.
MT: O hedge do açúcar para a safra 25/26 e 26/27 ficou em 84,5% e 33%, com preços médios de R$ 2.428 e R$ 2.384, respectivamente. Dá para dizer que a companhia travou os valores em bons patamares, mas olhando para 26/27, você acredita que um volume ainda maior poderia ter sido fixado?
OL: Estamos acompanhando esses preços e temos uma política de hedge que está sendo seguida. Temos visto bons resultados e vamos seguir vendo bons números nas próximas safras com a manutenção dessa política. Às vezes você faz uma fixação em uma velocidade muito alta, podendo se arrepender lá na frente.
Temos procurado fazer essas fixações paulatinamente. Em outras safras, tivemos perdas, porque nós fixamos alguns valores e os preços acabaram subindo. Essa experiência nos leva a ter um pouco mais de paciência, para podermos aproveitar os momentos de alta nos preços. Precisamos ter um pouco de sangue frio, uma política que siga as políticas acertadas com nosso conselho de administração.
MT: Quanto ao RenovaBio, como vocês enxergam a política? A Jalles já tem retirado valor através dos CBIOs (Créditos de Descarbonização)?
OL: Estamos com a expectativa que o governo possa fazer valer a lei, essa é uma preocupação da Jalles Machado. Há companhias que não estão realizando o pagamento do programa e com isso elas tem um aumento da sua competitividade, com um custo mais baixo, o que atrapalha as grandes companhias distribuidoras.
Isso é ruim para nós, já que se esse pagamento não acontecer, as outras empresas que estão pagando vão deixar de pagar, e isso pode resultar em um prejuízo significativo para o nosso setor. Esse é um valor importante para nossa receita, e mais ainda, é uma ferramenta importantíssima que o Brasil desenvolveu para fazer a descarbonização, dando exemplo ao mundo todo. O governo não pode deixar o RenovaBio perder força.
MT: Vemos o capex recorrente num patamar menor na safra 23/24 (R$ 147 milhões) na comparação com há duas safras, 21/22 (R$ 564 milhões, enquanto o alavancagem, por sua vez, saiu de 0,1 vez para 1,3 vez na relação dívida líquida/Ebitda ajustado. Queria entender um pouco dessa relação. Vamos ver menos investimentos na safra 24/25?
OL: Estamos na fase final dos investimentos de R$ 517 milhões para UOL e UJL, assim como os R$ 170 milhões para USV. Logicamente, não vamos manter esse ritmo de investimento em expansão.
Na Santa Vitória, tínhamos os contratos de aluguel de máquinas. Nós fizemos a conta, e vimos que adquirir as máquinas ia reduzir o nosso custo. Com isso, nós fizemos uma mudança. Compramos e nos mobilizamos em equipamentos, caminhões, colhedeiras, tratores, no lugar de alugar.
MT: Quanto a dividendos, pensando que o último pagamento aconteceu no ano passado, os investidores podem esperar algo para 2024? Queria que você explicasse a política de remuneração ao acionista.
OL: Procuramos fazer o mínimo exigido pela lei. Claro que quando o resultado é melhor, a distribuição é maior. Como o resultado desse ano foi pior, a distribuição de dividendos vai ser menor do que no ano passado. Para 2025, no entanto, eu acredito que vamos ter um melhor pagamento ao acionista.
O grupo controlador da empresa é o maior interessado, já que mais de 60% do nosso capital é do controlador antigo. Temos interesse em realizar o pagamento de dividendos, para que o acionistas fique satisfeito e possa ter bons resultados.