Opinião

Ivan Sant’anna: Para o mercado de ações, o AI-5 foi indiferente

17 dez 2018, 11:02 - atualizado em 17 dez 2018, 11:02

Ivan Sant’anna, autor das newsletters de investimentos Warm Up Inversa e Os Mercadores da Noite

Caro leitor,

Ano: 1968; exatamente meio século atrás. Eu morava em Copacabana e trabalhava no centro da cidade, na corretora Fator, da qual era um dos sócios. Entre 10h e 13h atuava como floor trader da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro.

Nosso escritório ficava na travessa do Ouvidor nº 21. Do edifício-garagem Menezes Côrtes, no qual tinha vaga cativa, eu caminhava três ou quatro quadras até a Fator. Fazia um pit stop na lanchonete Bob’s, na rua da Quitanda, onde comia um ham & eggs on toast.

Uma vez eu estava lá sentado junto ao balcão traçando os ovos quando, lá fora, um aparelho de ar-condicionado despencou do alto de um prédio e se espatifou na calcada. Felizmente não pegou ninguém.

Fiz um único comentário: “Já?”

Era pura rotina o Centro virar uma praça de guerra. Só que isso acontecia após o almoço e não de manhã cedo.

Durante a tarde, os estudantes, vindos do lado do Calabouço, e a PM, procedente da região da Praça Mauá, se encontravam na avenida Rio Branco, geralmente no quarteirão entre a Sete de Setembro e a Ouvidor. Aí o pau comia. Eram bombas de gás lacrimogêneo de um lado, pedras portuguesas arrancadas do calçamento do outro.

Como da Fator não dava para assistir, eu ia para o escritório da corretora Marcello Leite Barbosa, situada justamente no ponto mais quente do “teatro de guerra”.

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Eu torcia pelos estudantes. Certa ocasião, vendo um deles sendo espancado por uns dez PMs ao mesmo tempo, joguei um cinzeiro lá de cima. Para meu grande alívio, não atingi ninguém.

Outra vez, tendo ido almoçar num restaurante na Cinelândia, vim a pé pela Rio Branco. Foi quando me decepcionei com a estudantada.

Apoiando os pés num cinturão de cimento que havia nos postes daquela época, o líder universitário Vladimir Palmeira discursava para seus seguidores. Criticava os Estados Unidos, o Fundo Monetário Nacional e elogiava a revolução cubana.

A partir desse momento, não apoiei mais ninguém. Como se meu apoio valesse alguma coisa.

À noite, quando as coisas se acalmavam, eu voltava para casa. Numa dessas ocasiões, enquanto ia para o edifício-garagem, tropecei num capacete azul da PM. Decidi levá-lo como troféu, troféu não sei de quê. Mas logo desisti, com medo de ser visto por algum policial.

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Foi naqueles dias que o “Comando Supremo da Revolução” (não riam, pois era assim mesmo que eles se autodenominavam) decidiu decretar o Ato Institucional nº 5. O estopim foi um discurso do deputado federal Márcio Moreira Alves no plenário da Câmara em Brasília.

Entre outras coisas, Moreira Alves chamou o Exército de “valhacouto de torturadores”.

Fiquei sabendo do Ato ao chegar em casa na sexta-feira 13 de dezembro de 1968. Pela TV, assisti ao locutor Alberto Curi, da Agência Nacional, recitar o texto.

Entre os diversos itens, o AI-5 instituiu a censura prévia, suspendeu oshabeas corpus por crimes de motivação política e deu poderes ao presidente da República, Artur da Costa e Silva, para fechar o Congresso.

Três dias mais tarde, na segunda-feira, dia 16, só se falava nisso no pregão da Bolsa. Alguns operadores eram contra; outros, a favor. Mas ninguém achou que aquilo pudesse afetar o mercado, como realmente não afetou.

Desde a promulgação da Constituição de 1967, o governo federal podia legislar por decreto-lei em matéria econômica.

Daí em diante, na condição de trader, passei a me interessar mais por política quando afetava o mercado. Sugiro que o leitor faça o mesmo.

Vejam: quando determinada ação sobe porque os chineses compraram a empresa, ninguém se lembra que a China é uma ditadura partidária. O que importa mesmo é que se trata de um país que cumpre seus contratos.

Durante nosso período de regime militar, cada general que assumia o Planalto tratava a economia de um modo. Castelo Branco, por exemplo, deixou tudo nas mãos dos ministros Otávio Gouveia de Bulhões, da Fazenda, e Roberto Campos, do Planejamento.

Orientados pelo FMI, os dois impuseram um arrocho monetário que liquidou a inflação, trazendo-a de 92% (1964) para 25% (1967). Liquidaram também o mercado de ações, que não fez outra coisa senão cair.

Do saneamento das finanças públicas, se aproveitaram os governos seguintes: Costa e Silva e Emílio Médici. Os dois soltaram as amarras da economia, tendo Delfim Netto como czar da Fazenda.

Só que, durante o período Médici, a Bolsa subiu demais. Foi a época do grande bull market 1969/1971. No inverno de 71, o mercado começou a cair e a queda durou dez anos.

Tivemos mais dois grandes bull markets. O do plano Cruzado, quando os investidores tiveram a ilusão de que inflação terminara para sempre. A alta durou de fevereiro a novembro de 1986.

O segundo foi o do período Lula, no qual a Bolsa subiu 500%.

O mercado de ações é um ente totalmente apolítico. E tem de ser encarado assim por quem quiser ganhar dinheiro. Se os investidores acham que a Bolsa vai subir, ela sobe, independentemente de quem governa o país e dos atos (inclusive institucionais) que pratica.

Isso vale também para as commodities. Principalmente para ascommodities.

Em minha vida profissional, a maior tacada que dei foi em função de uma tragédia: a seca que atingiu o Meio-Oeste americano em 1988.

No meu livro Os mercadores da noite, o personagem principal, Julius Clarence, ganha uma fortuna com a guerra do Yom Kippur, na qual morreram aproximadamente 16 mil soldados. Mas perde tudo anos mais tarde, por causa de um atentado terrorista que deixou 33 mortos.

Houve ocasião em que chegou a se pensar em um mundo onde todos seriam ricos e felizes. Trata-se dos Esfuziantes Anos Vinte (The Roaring Twenties), época que narro em meu livro 1929. Terminou em desgraça.

Para o mercado de ações, o AI-5 foi indiferente. Não cheirou nem fedeu. Se mudou para pior ou para melhor os destinos do país, jamais se saberá com certeza.

Ditadura por ditadura, o Vladimir trepado em cima do poste também queria.

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