Ivan Sant’Anna: Lição para sempre
Ivan Sant’anna, autor das newsletters de investimentos Warm Up Inversa e Os Mercadores da Noite
Caro leitor,
Me lembro perfeitamente do tema de minha primeira aula quando, aos 25 anos de idade, comecei a frequentar a NYU (New York University) no primeiro dia útil de janeiro de 1966. E vejam que já se passaram mais de cinco décadas desde então.
Vieram dois casamentos, três filhos, três netos, dois cânceres, duas quedas de avião, três décadas de acertos e desacertos nos mais diversos mercados, além de 17 livros publicados e duas séries de TV roteirizadas por mim. Aquele jovem entusiasmado e esperançoso que morava no Brooklyn e estudava em Downtown Manhattan tornou-se um velho de quase 80 anos.
Mas o que me foi ensinado naquela aula, a respeito de “preço”, permanece imutável. Está marcado a ferro e fogo no córtex de meu cérebro.
Disse o professor da NYU que tudo, mas tudo mesmo, inclusive dejetos animais e até humanos, tem preço. E que esse preço, desde que resultante das forças de mercado, e não de imposições de governos totalitários e intervencionistas, é sempre justo. E mesmo nessas ditaduras e tiranias há um preço real que flui pelos subterrâneos do mercado negro.
Nunca me esqueci da lição daquela manhã nova-iorquina.
Muito se fala sobre o preço dos mais diferentes ativos. É comum alguém que não consegue vender um automóvel seminovo dizer:
“Imagina, meu Porsche zerinho, nunca deu defeito, não tem um arranhão, o motor está tinindo, pouco saiu da garagem. Mas ninguém quer pagar o preço de mercado. Por isso ainda não vendi.” O proprietário do carro esportivo não percebe que, se não consegue vender, seu preço definitivamente não é “o preço”.
Uma das obras teatrais mais importantes produzidas no século XX foi O Preço, do mítico autor norte-americano Arthur Miller (detentor, entre outros prêmios, do Pulitzer de 1949).
Nessa peça, montada no Brasil nos anos de 1960 e de 1980 −− em ambas as ocasiões com interpretações antológicas do falecido ator Paulo Gracindo −−, o personagem vivido por ele, um velho judeu de nome Solomon, comprador de móveis usados, discute com os vendedores, dois irmãos, Victor e Walter, o preço dos diversos itens de um mobiliário que eles receberam de herança de seus pais recém-falecidos. O diálogo da peça é um saboroso tratado sobre as verdades contidas em um preço.
Como não sei quando esta crônica será publicada, evidentemente também não sei qual será a cotação do petróleo no dia em que você, caro leitor, estará lendo este texto. Aliás, se eu soubesse as cotações futuras, estaria bilionário.
O que sei, isso com a mais absoluta das certezas, é que no momento em que teclo esta frase, o barril de óleo cru, tipo WTI ( Western Texas Intermediary) para entrega no mês futuro mais próximo, está cotado a 57,36 dólares na Nymex, em Nova York. Portanto 57,36 dólares é quanto ele vale para esse vencimento. Nem um centavo a mais, nem um centavo a menos.
Se pararmos um instante para pensar, 57,36 é um número mágico. Neste momento, é claro.
Mágico porque embute toda a carga de otimismo e de pessimismo dos produtores e consumidores de petróleo espalhados pelo mundo. Mágico porque embute as estimativas dos políticos que discutem a situação, sempre explosiva, do Oriente Médio. Mágico porque embute os planos dos estrategistas militares. Mágico porque embute o medo e a ambição dos especuladores. Mágico porque embute a prudência dos hedgers. Mágico porque embute os segredos dos insiders.
Mágico porque se trata de uma obra-prima de lógica matemática, resultado de um consenso notável, pois 57,36 (neste instante, repito) é a mais exata das médias ponderadas, cada trader influindo com nada mais nada menos do que o peso de seu lote. Ou de seu blefe ou simplesmente de sua intuição.
A 57,36 dólares há compradores e vendedores. Ninguém vende por menos, ninguém compra por mais. Cinquenta e sete e trinta e seis é, portanto, um número mágico, maravilha de simplicidade. Nenhum supercomputador poderia tê-lo concebido mais exato.
Caso o judeu Salomon, de Arthur Miller, tivesse existido, ainda vivesse, e negociasse petróleo na Nymex, não estaria discutindo o preço. O aceitaria como verdade plena, irrefutável, indelével. Um dogma. Como se tivesse sido extraído de um dos cinco livros do Torá.
Outro dia, enquanto atravessava insone uma de minhas intermináveis madrugadas, tive a oportunidade de assistir, num canal internacional de tevê por assinatura, a um debate de jornalistas econômicos, cada um deles dando seu prognóstico sobre qual seria o preço do barril de petróleo logo após a eclosão de um novo conflito no Oriente Médio, conflito esse que davam como fato consumado. Todos, sem exceção, previam uma grande alta, como se o mercado futuro não embutisse em seus preços cada uma das possibilidades.
Curiosamente, nenhum dos debatedores se valeu das cotações do mercado futuro da Nymex para fundamentar seu vaticínio.
“Acho que o petróleo vai estar a 57,36 dólares”, poderia ter dito um deles, confirmando a verdade nelsonrodrigueana de que só os profetas enxergam o óbvio.
Nós, traders, passamos a vida toda avaliando preços. Isso é a essência da profissão. Se achamos que estão baratos, compramos, tornamo-nos touros. Se acreditamos que estão caros, vendemos, passamos a ser ursos. Aliás, a eficiência nesse processo de avaliação é o fator que separa os traders bem-sucedidos dos que fracassam.
Ressalte-se que, como ponto de partida para essas estimativas, é muito importante termos sempre em mente que o preço certo é aquele estampado no monitor do terminal de cotações.
Eu escrevi acima que o preço justo do barril de petróleo, para entrega no mês futuro mais próximo, é de 57,36 dólares. Pois não é mais. Enquanto redigia esta crônica, o mercado caiu para 56,20 dólares. Portanto, 57,36 não significam absolutamente nada. E, provavelmente, 56,20 também não significarão nada para você, prezado leitor, no momento em que estiver lendo este texto.
Que tal conferir? Dê uma espiada em seu terminal. Veja por quanto touros e ursos negociam o barril. Este número que você está vendo aí, e nenhum outro, é o preço perfeito.