Opinião

Ivan Sant’anna: História para inglês ver

17 jan 2019, 12:08 - atualizado em 17 jan 2019, 12:08

Ivan Sant’anna, autor das newsletters de investimentos Warm Up Inversa e Os Mercadores da Noite

Caro leitor,

Imaginemos um morador de Killeen, vilarejo com apenas 75 habitantes situado na Irlanda do Norte, Reino Unido. A apenas 6,5 quilômetros de distância, na direção sul, fica a aldeia de Louth, bem mais populosa (rss), com 715 moradores.

Louth faz parte da República da Irlanda.

A estradinha vicinal que une as duas cidades é tão estreita que se dois veículos pesados se cruzam ambos têm de pôr rodas no acostamento.

Um aviso de limite máximo de velocidade (80 km/h) é a demarcação entre os dois países. Não há sequer uma guarita, uma cancela e muito menos um posto de Alfândega.

Se um morador de Killeen quer comprar, por exemplo, uma garrafa de vinho ou outra iguaria para o jantar, tem de dirigir por 13 kms (ida e volta) até Louth, onde há um pequeno supermercado.

Os cidadãos de Killeen e Louth são irlandeses. A única diferença é que a República da Irlanda é um país independente, com presidente, primeiro-ministro, parlamento e assento nas Nações Unidas.

Por outro lado, os irlandeses do norte fazem parte do Reino Unido, que compreende também a Escócia, o País de Gales e a Inglaterra. Trata-se de uma monarquia, com a rainha Elizabeth II no trono há 67 anos.

A República da Irlanda tem população de maioria católica. Já sua irmã do norte é dividida em católicos e protestantes, aproximadamente meio a meio. Isso já foi motivo de grandes conflitos. Mas já não é mais depois que o IRA (Irish Republican Army – Exército Republicano Irlandês) deixou de ser um movimento de luta armada e terrorismo para se tornar um braço político com assentos no Parlamento em Londres.

Pois bem, voltemos à tal estradinha, aquela que os habitantes de Killeen usam para fazer compras em Louth.

Se o Brexit realmente se materializar, aquela plaquinha dos 80 km/h será um dos pontos da fronteira entre a Comunidade Europeia (com seus 450 milhões de habitantes) e o Reino Unido, com 66 milhões de súditos da rainha.

Quem mora do lado sul, na República da Irlanda, vai poder continuar a comer patê francês, salame italiano, bacalhau português, conhaque espanhol, salsicha alemã, chocolate belga, vodca polonesa e por aí vai. Sem pagar um centavo de tarifa alfandegária por isso.

Já a turma no norte (e não podemos nos esquecer que são todos irlandeses), de duas, uma: voltam à dieta antiga de carne de carneiro com batata cozida e fish & chips; pagam mais caro pelos alimentos importados da Comunidade que compram no supermercado.

Há outra possibilidade que não pode ser considerada remota. Os 499 quilômetros de fronteira entre as duas Irlandas serão o paraíso dos contrabandistas. A não ser que se construa um muro modelo Donald Trump, pelo qual o contribuinte do Reino Unido terá de pagar.

Outra hipótese é a Irlanda do Norte, após consulta popular, se unir à irmã do sul.

Quem vai morrer de inveja serão os escoceses, que votaram maciçamente contra o Brexit e poderão querer imitar os irlandeses do norte, criando uma nova fronteira (e outra zona de contrabando) com a Comunidade Europeia, esta segunda ainda mais importante já que será localizada na ilha principal.

Nesse caso, ingleses e galeses que me desculpem, mas eles vão acabar se tornando um principado.

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