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Ivan Sant’Anna: Do 11 de setembro à subprime (2ª parte)

25 jul 2020, 11:02 - atualizado em 24 jul 2020, 20:13
No artigo de hoje, o colunista dá continuidade à história sobre as etapas mais marcantes de sua vida (Imagem: Pixabay)

Caro amigo leitor, se você não leu a primeira parte desta crônica, sugiro que o faça agora (neste link), antes de prosseguir.

Interrompi a narrativa da semana passada quando o eletricista brasileiro Jean Charles de Menezes saiu do prédio onde morava e foi a pé para o ponto do ônibus que o levaria até a estação de Brixton, terminal sul da Victoria Line, do metrô (the tube) londrino.

Enquanto caminhava até o ponto, outros três agentes da Scotland Yard, desarmados, se juntaram àquele que ficara de vigília junto à residência de Jean Charles. Mantendo uma certa distância, seguiram o jovem, que não desconfiava de nada.

Minutos mais tarde, quando Jean entrou no ônibus, os policiais também subiram no coletivo e informaram isso à Central − o primeiro agente notara certa semelhança entre o brasileiro e o terrorista etíope Osman Hussein.

Jean Charles de Menezes desceu no ponto em frente à estação de Brixton. Mas, ao perceber que ela se encontrava fechada (toda a Victoria Line fora interditada por causa dos atentados da véspera), voltou correndo para o mesmo ônibus.

Ao vê-lo descer e voltar, os policiais, que conseguiram fazer a mesma coisa, tiveram certeza de que se tratava do terrorista tentando despistar eventuais seguidores. Informaram isso ao Comando Dourado, que centralizava as operações de combate ao terrorismo.

Neste momento, agentes fortemente armados se dirigiram de carro para a região.

Quando o ônibus chegou à estação de Stockwell, da Northern Line, Jean Charles voltou a desembarcar. Passou pela roleta e desceu calmamente a escada rolante. Já na plataforma, aguardou o trem.

Assim que a composição chegou, ele ingressou num dos vagões e se acomodou em um assento lateral.

As portas já iam se fechando quando dois agentes empunhando rifles alemães Heckler-Koch, de cano serrado, conseguiram se esgueirar lá dentro.

Não fizeram perguntas. Tendo como base a descrição do policial que primeiro vira Jean Charles, em Scotia Road, se aproximaram do suposto terrorista e dispararam 11 tiros de balas explosivas, do tipo conhecido como dundum (com ogivas chatas ou em forma de cruz).

Sete penetraram a têmpora direita de Jean, uma o ombro. Dois disparos não detonaram e um errou o alvo.

Em dúvida sobre se valia a pena (ou não), escrever a história, comecei a pesquisá-la na internet.

Até então, só conhecia o comunicado oficial da Scotland Yard, dando conta de que Jean Charles de Menezes não atendera a ordem de stop, dada pelos policiais desarmados, entrara às pressas na estação, pulara a catraca do metrô, descera correndo as escadas rolantes e entrara em um trem prestes a fechar as portas.

Disseram também que ele estava com a jaqueta jeans fechada e que poderia estar escondendo explosivos presos ao corpo, pronto a detoná-los. Daí a execução sumária.

Acontece que a canadense Lana V. Vandenberghe, funcionária da IPCC (corregedoria da polícia) viu as fitas de vídeo captadas pelos circuitos internos, mostrando Jean, com a jaqueta aberta, passando normalmente pela roleta, descendo as escadas, aguardando o trem e entrando calmamente no vagão, quando ele parou na estação.

Lana viu e não se conformou com a barbárie. Contou tudo para Louise McGing, sua melhor amiga, mulher do jornalista Neil Garrett, que trabalhava na INT (Independent Television News).

Eu prosseguia com meu trabalho investigativo na internet. Foi quando me deparei com as declarações de Lana e a matéria da INT, considerada um dos maiores furos de reportagem da televisão britânica.

Levei semanas para achar o telefone de Lana Vandenberghe, que fora expulsa da Scotland Yard por quebra de sigilo. Já calejado nesse tipo de busca de agulha em palheiro (Caixa-preta e Plano de ataque), localizei-a em um hospital de Leeds, onde trabalhava como atendente.

Ivan Sant’Anna mostra como os eventos influenciaram sua produção literária (Imagem: Pixabay)

Disse-lhe que era um escritor brasileiro, morava no Rio de Janeiro e queria entrevistá-la sobre a morte de Jean Charles.

Ela concordou com o encontro.

Peguei um avião no Rio; ela, um trem em Leeds. Jantamos num restaurante na City Londrina. Fiquei então sabendo toda a verdade sobre o que ocorrera na estação de Stockwell na manhã de 22 de julho de 2005.

Aproveitei o ensejo para entrevistar Louise McGing e seu marido Neil Garrett. Conversei também com diversos jornalistas londrinos e refiz, a pé e de ônibus, os últimos trajetos de Jean Charles antes de morrer.

De volta ao Brasil, assinei contrato com a editora Objetiva e narrei toda a história em Em nome de Sua Majestade – A morte de Jean Charles de Menezes no metrô de Londres.

Dois anos após a tragédia de Stockwell, voltei a Londres, agora patrocinado pela Objetiva e pelo programa Fantástico, da TV Globo, que pretendia fazer uma matéria sobre a morte de Jean Charles.

O repórter Marcos Losekann entrevistou Louise e Neil, além de mim. Filmados pelo cinegrafista Sergio Gilz, voltamos a refazer os últimos passos de Jean Charles de Menezes.

A direção do jornalismo da Globo gostou tanto da matéria que decidiu levá-la ao ar em dois blocos do Fantástico no domingo 15 de julho de 2007.

Para mim, como escritor, era ótimo. A reportagem pautaria os diversos órgãos de imprensa para o domingo seguinte, 22 de julho, quando a morte de Jean completaria dois anos.

Infelizmente, dois dias depois da apresentação do Fantástico, o voo JJ3054 da TAM, um Airbus A320 procedente de Porto Alegre, se espatifou contra o terminal de cargas da própria empresa no aeroporto de Congonhas. Foi o maior desastre aéreo da história da aviação comercial brasileira, com 199 mortos.

Durante toda a semana fui entrevistado por quase toda a mídia brasileira. Jornais, revistas, emissoras de rádio e TV, ninguém queria falar de Jean Charles. Só da tragédia do voo 3054.

O segundo aniversário da morte do eletricista brasileiro passou batido. Assim como ocorreu com Em nome de Sua Majestade, que vendeu apenas 4 mil exemplares.

Ao mesmo tempo, meu livro Caixa-preta, sobre acidentes de avião, voltou para a lista dos mais vendidos.

Nesta altura, vejo que não dá para terminar minha história neste episódio. Terá de haver um terceiro, no sábado que vem. Ou, quem sabe, até um quarto.

Mas, por favor, caros amigos assinantes, não pensem que me perdi na narrativa, ou que estou enrolando vocês. Meu relato vai desaguar na crise do subprime e nos efeitos que ela provocou em minha carreira literária.

Aproveito para indicar a leitura do livro “Ivan: 30 Lições de Mercado” de minha autoria. Você pode ter adquirir as verdades mais importantes que TODO investidor deve saber, clique aqui.

Um forte abraço, um ótimo fim de semana e até o próximo sábado.

Ivan Sant’Anna.