Ivan Sant’Anna: Com as unhas cravadas na terra
Há alguns anos, assisti a um filme no qual há uma cena onde uma mulher, com um filho no colo e outro pela mão, passa pelo caixa de um supermercado. A cada item que a funcionária do estabelecimento submete ao leitor eletrônico, a dona de casa confere o subtotal no visor da máquina para ver se bate com o dinheiro que tem na bolsa.
Em determinado momento, a compradora diz: “Para”. Ato contínuo, retira um dos itens comprados e o põe de lado. Mas seu filho maiorzinho pega uma caixa de biscoitos e outra de chocolates e junta as duas coisas ao resto das compras.
Vendo a soma voltar a subir, a caixa diz:
“You’re going in the wrong way (Vocês estão indo para o lado errado).”
Isso acontece com o Brasil neste momento. Tira produtos do carrinho de compras, mas acrescenta outros. Em grandes proporções.
Sai a verba do Fundep e entra o auxílio x e o auxílio y. Enquanto isso os bolsistas perdem seus mestrados e doutorados em Química e Física para a entrada do auxílio z.
Quando ficou evidente que a Covid-19 iria provocar uma depressão econômica, o governo de Brasília, com pleno apoio da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, criou o auxílio emergencial. Foram 600 reais mensais, durante um trimestre, para cada chefe de família e 1.200 para cada “chefa”.
Encerrado o prazo, os valores caíram para a metade, mas continuaram atraentes para muitas pessoas, principalmente trabalhadores e trabalhadoras informais que passaram a acumular duas rendas.
A ideia (mais do que sensata) do governo era manter a roda da economia girando. Só que, para agradável surpresa do presidente Jair Bolsonaro, seus índices de aprovação começaram a subir: 27%, 37%, 38%, 40%…
Acontece que não há dinheiro suficiente para que o programa continue indefinidamente.
Uma das metas desse tipo de medida assistencial é que o número de pessoas vá diminuindo ao longo do tempo. Afinal de contas, convenhamos, 300, 600, 1.200, não é nenhuma fortuna. Mas a soma de todos esses pagamentos pode quebrar o Tesouro.
Um dos melhores exemplos de programas de assistencialismo foi o New Deal de Franklin Delano Roosevelt, lançado em 1933.
A ideia foi contratar pessoas para, por exemplo, plantar árvores às margens das rodovias.
Vinha um cara, cavava o buraco. Vinha outro, dispunha a muda. Um terceiro cobria de terra.
Funcionou.
Os beneficiados foram ao comércio. Os comerciantes foram à indústria. Os industriais adquiriram matérias-primas.
Todos esses ramos de atividade criaram empregos. O New Deal, justamente por não pagar muito, apenas um valor mínimo de subsistência, se extinguiu sem traumas.
As coisas só não aconteceram mais rapidamente porque, justamente nessa ocasião, os Estados Unidos sofreram a Dust Bowl, maior seca de todos os tempos ocorrida naquele país.
Após a Segunda Guerra Mundial, os americanos lançaram o Plano Marshall de reconstrução da Europa.
Eu era menino nessa época e morava em Londres. Me lembro que, ao viajar de trem pelo continente, via sempre as plaquinhas nos vagões: “doação do Plano Marshall”.
Até a Espanha de Franco, que fora neutra durante o conflito, com viés hitlerista, recebeu seu quinhão.
Acontece que o programa tinha início, meio e fim, como na realidade aconteceu.
No Japão, o plano de reconstrução do país, liderado pelo general Douglas MacArthur, comandante das forças de ocupação obteve sucesso ainda maior.
MacArthur chamou os principais líderes empresariais japoneses e perguntou:
“Quanto vocês precisam para reconstruir seus negócios?”
Semanas mais tarde, os empresários voltaram e exibiram seus projetos ao general, que os aprovou.
Mais do que depressa, o dinheiro veio de Washington e o país decolou.
O que o Executivo e o Legislativo brasileiros estão fazendo é estimular o aumento da desigualdade de renda, uma vez que as pessoas se contentam com pouco, ainda mais sem ter contrapartida de trabalho.
Forçosamente, tão logo chegue a vacina, o programa de Auxílio Emergencial, assim como o Bolsa Família (ou Renda Brasil) terá de ser acompanhado de um trabalho, que o próprio governo deverá providenciar. Reparar buracos de estradas, por exemplo.
No momento, o Planalto e o Congresso estão num mato sem cachorro. Os brasileiros da desambição vão continuar querendo receber caridade, enquanto plantam uma roça de mandioca no fundo da casa. Só que a verba de auxílio está se esgotando.
Guedes quer a volta da CPMF. Só que o imposto é impopular.
Outra alternativa é o aumento das alíquotas do imposto de renda, ou supressão das deduções de saúde e educação, o que vem a dar no mesmo.
Fala-se também de uma tributação nova.
Sugiro até um nome: Imposto Robin Wood.
Alguma coisa terá de ser feita. A não ser que decretem que 2021 vai acabar no dia 30 de setembro, ou algo parecido.
Minha aposta, uma vez que sou um cidadão brasileiro atavicamente descrente, é que o Brasil vai voltar aos tempos nos quais a inflação resolvia tudo. Os impostos eram corrigidos monetariamente e as rubricas do orçamento mantidas constantes.
Nessa hipótese, os 600 reais, que viraram 300, vão se transformar em 250, 200, 150, 100, 50, etc. Aí as pessoas vão procurar trabalho. Nem que seja o de cavar açudes com as unhas cravadas na terra.