Colunistas

Ivan Sant’Anna: ações da Boeing continuam mau negócio, mesmo com volta de 737 Max

04 jul 2020, 10:00 - atualizado em 03 jul 2020, 21:15
 
“Prefiro empresas que ganharam dinheiro, ou não perderam muito, no convívio com a Covid-19”, afirma Ivan Sant’Anna em relação aos papéis da Boeing (Imagem: Boeing)

Anteontem, quinta-feira, 2 de julho, a Boeing Company lançou um press release que, na prática, significa o fim da Era dos Jumbos.

De acordo com o comunicado, o último 747-800 sairá brevemente das linhas de montagem nos arredores de Seattle (estado de Washington, noroeste dos Estados Unidos).

No ano passado, a europeia Airbus, única concorrente da Boeing na fabricação de aviões comerciais de grande porte, anunciou que seu super jumbo, o A380, de dois andares, com capacidade para até 800 passageiros, deixará de ser produzido em 2021.

O primeiro voo comercial de um wyde body (que é como são chamados esses gigantes do ar) aconteceu em 21 de janeiro de 1970. Nesse dia, um 747 da Pan Am decolou de Nova York para Londres, iniciando uma linha regular.

Até então os maiores jatos comerciais eram o Boeing 707, o Douglas DC-8, o Convair 990, o britânico Comet 4 e o soviético Ilyushin Il-62. A cabine de passageiros desses aviões tinha apenas um corredor, com três assentos de cada lado na classe econômica. Dois, na primeira. Não havia executiva.

Já nos jumbos eram dois corredores, geralmente com quatro poltronas no meio e três de cada lado da aeronave. Ou seja, na classe econômica, cada fila comportava 10 passageiros.

Com o tempo, eles foram evoluindo: após o 747-100, vieram o 200, 300, 400… A versão que ainda está sendo fabricada teve sua denominação simplificada para 747-8 e é usada quase que só para cargueiros.

Para quem não reparou, a aeronave presidencial americana, mais conhecida como Air Force Number One, é um Boeing 747. Com diversas adaptações de conforto e segurança, é claro.

Que eu saiba, além dos Estados Unidos, apenas outro país se deu ao luxo de ter um jumbo a serviço do presidente. Foi a Argentina de Carlos Menem.

Isso numa época em que o ocupante do palácio do Planalto era obrigado a voar no Sucatão, um 707 de segunda mão, comprado da Varig. O velho jato andou dando sustos em Sarney, Collor, Itamar e FHC.

Lula trocou a “carroça aérea” por um Airbus VC-1A. Como não podia deixar de ser, também levou apelido: AeroLula. Após servi-lo, assim como a Dilma e Temer, transporta hoje Jair Bolsonaro.

Desculpem-me ter desviado do assunto principal desta crônica. Mas é que às vezes não resisto a uma boa história.

Voltemos à Boeing, que é o objeto desta matéria.

Com a alta do preço do petróleo, o 747, com suas quatro turbinas, foi se tornando economicamente inviável.

A Boeing então passou a produzir o 757 e o 767, birreatores, justamente os modelos usados pelos terroristas nos ataques de 11 de setembro de 2001. Mais tarde, vieram o 777 e o 787 (Dreamliner).

Para cada aeronave produzida em Seattle, a Airbus respondia com uma equivalente. A liderança do mercado passou a oscilar entre um e outro fabricante.

Surgiu então o Max. Seu conceito revolucionário, em termos de custo por milha voada e autonomia de voo, conseguia substituir tanto os voos das aeronaves de média distância como das de longa.

A brasileira Gol (GOLL4), por exemplo, transportava nos Max até 186 passageiros na linha São Paulo/Orlando. Sem escalas.

“Meu palpite é que o novo Max seja um dos aviões mais seguros da história, tão testado que foi”, afirma o colunista (Imagem: Boeing)

Veio então a sequência de tragédias e contratempos para a Boeing.

− Outubro de 2018: um Max da empresa indonésia Lion Air cai no mar de Java alguns minutos após decolar do aeroporto de Jacarta.

− Março de 2019: Max da Ethiopian Airlines se espatifa no solo logo após partir de Adis Abeba.

− Boa parte das companhias aéreas, inclusive a Gol, que possuíam aeronaves Max em suas frotas, as imobilizaram no solo.

− Após aflitiva demora a FAA, Federal Aviation Administration, dos Estados Unidos, proíbe os voos do modelo até que a causa dos dois acidentes tenha sido totalmente esclarecida e as eventuais falhas de projeto reparadas.

Desde então, pilotos de prova da Boeing estão pilotando 737 Max sobre as águas do Oceano Pacífico, decolando de pistas da costa oeste americana das quais saem direto para o mar, sem pôr em risco as pessoas em terra.

Agora a FAA autorizou oficialmente os testes, tendo a bordo especialistas da agência, para ver se permite que os Max voltem a voar. Se as modificações feitas pela Boeing forem aprovadas (e tudo indica que serão), o Max poderá voltar a ser vendido para as empresas aéreas.

Após a interdição do avião, diversas empresas devolveram unidades. Muitas cancelaram encomendas. Em contrapartida, outras transportadoras, como a Ryanair, assinaram contratos de compra.

Dando tudo certo, antes do final do ano teremos os Max de volta aos ares. Resta saber como os viajantes se comportarão. No caso do Lockheed Electra e do Boeing 727, que também foram aeronaves problema no início, com diversos acidentes fatais, os modelos recuperaram a confiança dos usuários.

“Por outro lado, tenho a mais absoluta certeza de que a Boeing Company não irá falir. Trata-se do segundo maior fornecedor do Departamento de Defesa dos Estados Unidos”, diz (Imagem: REUTERS/Paulo Whitaker)

Meu palpite é que o novo Max seja um dos aviões mais seguros da história, tão testado que foi.

Nos days after do coronavírus, o número de passageiros será bem menor do que antes. A economia continuará fraca por muito tempo e os executivos aprenderam a trabalhar sem viajar. O turismo também deverá levar um tempão para voltar aos níveis de 2019.

Por isso, mesmo começando a ficar otimista com relação ao futuro do Max, acredito que comprar ações da Boeing continua sendo mau negócio. Prefiro empresas que ganharam dinheiro, ou não perderam muito, no convívio com a Covid-19.

Por outro lado, tenho a mais absoluta certeza de que a Boeing Company não irá falir. Trata-se do segundo maior fornecedor do Departamento de Defesa dos Estados Unidos.

Aliás, a fabricante dispensou a ajuda que o governo americano lhe ofereceu. Preferiu lançar 25 bilhões de dólares em obrigações próprias, com diversos vencimentos. O mercado absorveu todo o lote.

Esses papéis são um ótimo negócio para os investidores, hoje tão carentes de títulos rentáveis.

Entre as diversas séries dos Boeing Co. Bonds, selecionei a que tem vencimento em 1º de março de 2029. Na cotação atual, elas estão rendendo 4,07% ao ano, sendo os juros pagos semestralmente.

Em dólares, é óbvio.

Esta é a minha recomendação para quem sabe separar os problemas da Boeing, e da aviação em geral, do fato de que Tio Sam não pode abdicar de sua única fabricante de aviões de grande porte.

Aproveito para indicar a leitura do livro Ivan: 30 Lições de Mercado  de minha autoria. Você pode ter adquirir as verdades mais importantes que todo investidor deve saber. Veja aqui

Um grande abraço,

Ivan Sant’Anna