Ivan Sant’anna: Amarguras de um velho trader
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Por Ivan Sant’anna, autor das newsletters de investimentos Warm Up Inversa e Os Mercadores da Noite
Caro leitor,
Para mim, a parte mais difícil de uma crônica é a escolha do tema. Na semana passada, quando escrevi a newsletter Golpe ou Revolução, assim que me decidi pelo assunto os dedos fluíram facilmente pelo teclado.
Ontem, ao examinar uma tabela publicada pelo IBGE sobre o crescimento anual médio do Brasil nas últimas seis décadas, não tive dúvidas. É por aí que eu vou desta vez.
Antes de mais nada, os números:
Não há como não se entristecer ao examinar essas estatísticas. Nesse período, países como a China saíram praticamente da miséria para crescimentos anuais que ultrapassaram dois dígitos.
Coreia do Sul e Cingapura, só para dar dois exemplos marcantes, tornaram-se nações ricas. A Coreia tem um PIB per capita de US$ 39.400,00, contra US$ 15.000,00 do Brasil. E como cresce mais do que a gente, a diferença aumenta a cada ano.
Em 1961, quando essa tabela tem início, eu já trabalhava no mercado financeiro havia três anos. Então pude acompanhar de perto toda essa pífia evolução. Mas gostaria de comentá-la década por década.
1961 a 1970 (crescimento médio anual de 6,22%) – Nesse período, nós tivemos logo os 206 dias de governo Jânio Quadros, que se dedicou a sanear as finanças públicas mas acreditou que se renunciasse voltaria nos braços do povo, tal como acontecera com Fidel Castro, em Cuba, e Gamal Abdel Nasser, no Egito.
Jânio quebrou a cara. O Congresso simplesmente aceitou a renúncia. Assumiu o vice, João Goulart. Seus poderes foram esvaziados pela instituição do parlamentarismo e restabelecidos pelo plebiscito em 06.01.1963.
Jango foi deposto pelos militares em 1º de abril do ano seguinte. Seguiram-se os governos Castelo Branco, Costa e Silva e Médici.
Para a Bolsa, o período João Goulart foi ótimo por causa da reavaliação dos ativos das empresas, que ensejou polpudas bonificações.
Castelo adotou um regime de austeridade. Para reduzir a inflação, elevou as taxas de juros. O mercado de ações não fez outra coisa a não ser cair.
A recuperação se deu no mandato Costa e Silva e início do período Médici, quando começou o grande bull market das Bolsas do Rio e São Paulo.
1971 a 1980 − (crescimento médio anual de 8,67%) – Na primeira metade da década, houve o “milagre brasileiro”, que nunca mais se repetiu. À queda da Bolsa, em meados de 1971, seguiu-se a festa do open market. Quem era do mercado financeiro, e tinha um mínimo de capacidade, ficou rico.
Os generais Emilio Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo foram os presidentes. Numa omissão imperdoável, Geisel simplesmente tentou ignorar o choque do petróleo, iniciado pela guerra do Yom Kippur (outubro de 1973). Inflou a divida externa, exatamente numa época de juros internacionais altíssimos, chegando a 21,5% a.a. nos EUA.
Com o perdão pelo trocadilho, o Brasil pagaria caro por isso.
1981 a 1990 − (crescimento médio anual de 1,67%) – Década perdida, década de Figueiredo, Sarney e Collor, década de hiperinflação, dos choques heterodoxos, das tablitas, dos cortes de zeros na moeda, das reformas monetárias. Enfim, uma mixórdia total.
No mercado financeiro, a gente operava por adivinhação e inside information. Quem não as tinha, se ferrava.
O grande acontecimento foi o confisco do dinheiro no primeiro dia do governo Collor.
1991 a 2000 − (crescimento médio anual de 2,63%) – Grandes decisões governamentais, nos governos Itamar Franco e FHC. Através do PROER, foi saneado o sistema bancário. Criou-se o Plano Real.
O período se encerrou com a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Ganhar dinheiro fácil no mercado tornou-se impossível. Tinha chegado ao fim a época das barbadas, das dicas…
2001 a 2010 − (crescimento médio anual de 3,71%) – FHC arrumou a cama para Lula, que soube aproveitar. Seu ministro da Fazenda, Antonio Palocci, não só manteve a meta de superávit primário como também a aumentou.
Houve grande distribuição de renda. O PIB voltou a crescer, embora muito abaixo da época do milagre.
Pobre pôde voar de avião e comprar automóvel. Os governantes se aproveitaram da popularidade para enriquecimento ilícito.
Houve dois métodos distintos de cooptação do Congresso. Na época de Jose Dirceu na Casa Civil, o Parlamento era comprado em dinheiro vivo por intermédio do mensalão. Pagou, votou!
Veio o escândalo, mas o prestígio pessoal de Lula sobreviveu. Os esquerdistas de araque fizeram parcerias com os fisiologistas do Congresso (pleonasmo?). Todos se juntaram a grandes grupos empresariais.
Rachou-se de ganhar dinheiro.
Do lado do funcionalismo, nos Três Poderes o corporativismo venceu.
Viva! Brasil! Pobre viaja de avião. Esquerda caviar e Centrão só andam de jatinho, dividindo o espaço da aeronave com sacos e mais sacos de dinheiro vivo. Grupos brasileiros multinacionais criam diretorias de propina. Sim, porque se a coisa não for organizada, perde-se a noção de a quantas as contas andam. Achacador acaba recebendo duas vezes.
Cingapura e Coreia do Sul viraram países de outra categoria. Tornou-se impossível alcançá-los.
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2011 a 2018 − (crescimento médio anual de 0,59%) – É o Brasil de hoje. Treze milhões de desempregados, outros tantos vivendo de biscates. Classe B virou C. C virou D.
Os que furtaram o país ilegalmente estão indo para a cadeia. Já os que o fizeram dentro da lei, se beneficiando de absurdos adquiridos, não raro sem ter trabalhado um dia sequer na vida, estão protegidos pela Constituição.
“Nesses ninguém pode mexer”, diz o governo.
“Nesses ninguém pode mexer”, diz a oposição.
“Nesses ninguém pode mexer”, diz o Supremo.
A Reforma da Previdência deve passar no Congresso. Mas, caro amigo leitor, contenha seu entusiasmo. Não pense que ela será o grande remédio do qual o Brasil precisa para voltar a crescer. É apenas um torniquete para estancar a hemorragia.
Continuo acreditando que a Bolsa vai continuar subindo, como subiu na época do Jango, aquele que queria transformar o Brasil numa república sindical.
Trata-se de uma questão de comparação de oportunidades, ações versus taxas de juros, favorecendo a primeira.
Quanto a este trader velho e surrado, que testemunhou todos esses episódios e aprendeu a ganhar e a perder nos mercados, gostaria mesmo é de ver o Brasil subir. Mas, quase chegando aos 79, perdi as esperanças.
Esse Eldorado, essa Coreia do Sul dos trópicos – onde em se plantando tudo dá − seria mais do que viável não fosse o egoísmo dos novos senhores feudais.
Que o nono círculo de Alighieri os tenha.
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Um abraço,
Ivan