Opinião

Ivan Sant’anna: Aconteceu em 1971 (A melhor história sobre a Bolsa que você vai ler hoje)

09 abr 2019, 15:46 - atualizado em 09 abr 2019, 15:46

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Por Ivan Sant’anna, autor das newsletters de investimentos Warm Up Inversa e Os Mercadores da Noite

Caro leitor,

No primeiro semestre de 1971, eu era operador de pregão na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Naquela ocasião, havia um grande bull market. As ordens chegavam em minha corretora (Fator) uma atrás da outra.

Lá no trading floor eu as obtinha por intermédio de um auxiliar que, por sua vez, ficava indo e voltando do recinto de negociações até nossa cabine telefônica – ainda não existiam aqueles aparelhos sem fio coloridos através do qual o operador recebia as ordens diretamente, telefones esses que seriam uma das marcas registradas da Bovespa quando o mercado (ainda no tempo do viva-voz) se bandeou do Rio para São Paulo.

Pois bem, certo dia chegou da Fator um papelote com a seguinte ordem: Venda de 200.000 Docas a mercado. Cautelas padrão.

Naquela época, o porto de Santos era administrado pela Cia. Docas de Santos, sociedade anônima cujo maior acionista era a família Guinle.

Duzentos mil era um lote grande, que geraria ótima corretagem. Dei uma olhada na pedra, que era como chamávamos o quadro-negro que ocupava, em plano elevado, as paredes do recinto.

O último negócio de Docas, registrado a giz na pedra, mostrava o preço de 23 cruzeiros.

Assim que virei as costas, para me dirigir ao posto, o encarregado mudou a cotação para 26 cruzeiros. Isso mesmo: 26. Acabara de sair uma notícia importante, sobre uma bonificação da empresa, e o papel subira 13% de uma transação para outra.

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Cheguei no posto de Docas com os 23 na cabeça.

Deveria ter estranhado que a roda (de operadores) estava muito maior do que o normal. Mas não me dei conta disso.

“Docas, vendo!”, berrei a plenos pulmões, como era de meu feitio.

“Lote?”, perguntaram uns seis ou oito operadores, quantidade que eu deveria ter estranhado, pois era acima do normal para Docas.

“Duas mil de cem”, respondi. Em 1971, como a liquidação era feita através da troca física das ações por cheques, a gente tinha de discriminar as cautelas. E cem era o lote padrão.

“Preço?”, nessa segunda vez foram uns doze floor traders que quiseram saber.

Eu desconfiei. Mas em vez de dar uma última olhada na pedra, ou de perguntar a algum colega como estava o mercado, apregoei achando que estava me defendendo:

“Vendo duas mil de cem a 25.”

O mundo desabou em cima de mim.

“FECHADO!!!”, no mínimo 20 operadores (40 mãos) voaram em meu pescoço.

Aquele tipo de situação, só o coronel Hugo Coelho, superintendente da Bolsa, podia resolver.

Coube a ele dividir meu lote entre aqueles que reivindicavam a compra.

“Você, você, você…”, ele decidiu, não muito salomonicamente, diga-se de passagem, quem comprara. Simplificou: Dez mil para cada um.

Normalmente, quem trazia os boletos para o operador assinar eram os auxiliares. Mas não numa festança como aquela. Os titulares das corretoras beneficiadas fizeram fila. E quem ficou de fora do negócio, formou plateia. Até o cara do cafezinho veio ver.

Cada um que chegava, com sua compra de 10.000 Docas a 25 (nessa altura o papel já subira para 29 cruzeiros), pegava minha rubrica, passava a mão em minha bunda e cedia a vez para o próximo, que também não se esquecia do principal: a bunda.

Foi horrível para mim? Foi. Foi vexatório? Foi. Foi humilhante? Foi. Mas deixou uma lição da qual jamais me esqueci e que me rendeu muito dinheiro (ou impediu grandes perdas) em outras ocasiões.

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Um abraço,

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