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Ivan Sant’Anna: A volta dos dragões – será?

22 ago 2020, 11:00 - atualizado em 21 ago 2020, 22:01
Bolsa Tóquio
“No mundo de verdade, dragões são usados como símbolos da inflação”, destaca o colunista (Imagem:REUTERS/Issei Kato)

Quem assistiu a série Game of Thrones deve se lembrar desses nomes: Rhaegal, Drogon e Viserion. São três dragõezinhos, isso ao eclodirem dos ovos no interior da fogueira onde os inimigos de sua mãe, uma jovem chamada Daenerys Targaryen, a queimavam viva.

Só que ela era resistente ao fogo.

Mais tarde eles cresceram e se transformaram em terríveis vencedores de batalhas, sempre defendendo Daenerys.

No mundo de verdade, dragões são usados como símbolos da inflação. Esta também começa mansinha, quase inofensiva, mas, quando evolui, torna-se dificílima de ser derrotada.

Estou sentindo a presença de alguns filhotes de dragão no cenário tupiniquim. O nascimento não nasceu numa pira de lenha em chamas mas na pandemia da Covid-19, muito em função do descaso com que foi tratada pelo governo brasileiro.

Com orientações totalmente erradas, dirigidas à população, não é à toa que somos o segundo país tanto em número de casos como de óbitos, só perdendo para os Estados Unidos, cujo presidente, pelo menos no início, também não levou a coisa muito a sério.

Mesmo se considerarmos uma estatística mais lógica (casos e óbitos per capita), estamos na sexta colocação no primeiro quesito e na oitava no segundo.

Se de um lado o presidente Jair Bolsonaro não se importou muito com a pandemia, tendo inclusive a classificado como “gripezinha”, por outro gostou quando a distribuição de dinheiro, para salvar da fome milhões de brasileiros, lhe garantiu índices de popularidade até então inéditos.

Segundo os economistas Gabriel Hartung e Beny Parnes, sócios da gestora SPX Capital, se os poderes Executivo e Legislativo acertarem seus passos nos próximos meses, a inflação em 2021 deverá ficar em 3,2%, apenas um pouco acima das previsões do último boletim Focus (3.06%).

Em contrapartida, ainda de acordo com Hartung e Parnes, se o teto fiscal for quebrado, a inflação do ano que vem deverá chegar a um número próximo de 6%. Seriam os filhotes de Daenerys ensaiando os primeiros voos e cuspindo as primeiras chamas.

Na última quarta-feira, dia 19, o Senado Federal derrubou o veto do presidente Bolsonaro que impedia o reajuste de funcionários públicos até o final de 2021.

Era tudo que os dragões, agora mais crescidinhos, queriam. Felizmente, no dia seguinte, a Câmara dos Deputados, sob a batuta de Rodrigo Maia, reverteu, por folgados 316 votos a 165, a decisão da Casa Alta, abatendo os monstrinhos em pleno ar.

“Para ganhar uma reeleição, Dilma Rousseff fez acordo com Daenerys Targaryen”, diz Sant’Ana (Imagem: Ricardo Stuckert)

Eles ficaram feridos, mas não morreram.

Como, ao longo de minha carreira no mercado financeiro, já vi essas voltas e reviravoltas diversas vezes, faço questão de alertar o caro amigo leitor:

Rhaegal, Drogon e Viserion não estão mortos.

Fiquem de olho. A qualquer momento eles poderão voltar a alçar voo.

Retroagindo no calendário, comecemos por Juscelino Kubitschek. Para pôr em prática seu slogan “50 anos em 5”, JK emitiu dinheiro à vontade. Só em 1956, quando ele iniciou seu mandato, a inflação subiu de 12,15% para 24,55%. Isso porque o dinheiro, tal como os dragões, não aguenta desaforo.

Quando Kubitschek passou a faixa presidencial para Jânio Quadros, o número tinha avançado para 30,47%. Os dragões haviam se tornado adolescentes.

E assim foi. Após a renúncia de Jânio, seu sucessor, João (Jango) Goulart, quis transformar o Brasil em uma república sindical. Dobrou o salário mínimo, tentou quebrar a hierarquia das Forças Armadas e foi deposto pelos militares.

Ao se refugiar no Uruguai, Jango deixou como herança uma inflação de 79,92% (1963), que facilmente teria ultrapassado os três dígitos em 1964, caso Goulart não tivesse ficado no poder apenas no primeiro trimestre daquele ano.

Assessorado pela dupla de feras Roberto Campos e Otávio Gouveia de Bulhões, Humberto de Alencar Castelo Branco, o primeiro general-presidente da então chamada Revolução, optou por um programa de austeridade.

Os dragões ficaram engaiolados até quase o final do governo Emilio Garrastazu Médici, sucessor de Costa e Silva, que por sua vez recebera a faixa presidencial de Castelo.

Veio então a guerra do Yom Kippur, que deu início à inflação mundial dos anos 1970, causada pelo primeiro choque do petróleo.

Jair Bolsonaro
“Se Bolsonaro resistir às tentações do populismo, o Brasil poderá escapar de vez de Rhaegal, Drogon e Viserio”, afirma (Imagem: REUTERS/Adriano Machado)

Como faltavam apenas cinco meses para dar posse ao seu sucessor, general Ernesto Geisel, Médici ignorou os dragões, agora já adultos, que romperam a gaiola onde Castelo, Campos e Bulhões os mantinham presos.

Do dia 6 de outubro de 1973, quando egípcios e sírios atacaram Israel, até 1º de julho de 1994, data em que Itamar Franco lançou o Plano Real, foram 7.573 dias (quase 21 anos) nos quais os dragões, agora no auge de suas forças, não tiveram adversários. Deitaram e rolaram.

Duas décadas mais tarde, para ganhar uma reeleição, Dilma Rousseff fez acordo com Daenerys Targaryen. Resta saber se Jair Bolsonaro fará a mesma coisa, para continuar no Planalto após 2022.

Se ele resistir às tentações do populismo, o Brasil poderá escapar de vez de Rhaegal, Drogon e Viserion.

Caso contrário, a gente poderá ter de conviver com mais 21 anos de seus voos rasantes, cuspindo fogo e destruindo tudo que está embaixo.

Eu até tenho experiência nesse tipo de guerra. Afinal de contas, tinha 18 anos quando ela começou e 54 quando terminou. Sempre operando no mercado.

E você, caro amigo assinante, está preparado para a volta dos dragões? É bom ir estudando alguma coisa a respeito deles. Dá até para se ganhar um bom dinheiro no reinado de Daenerys.

Muito dinheiro. Só que de uma maneira completamente diferente.

Aproveito também para deixar o link que leva você ao mais completo filme sobre investimentos em Bitcoin e Criptomoedas.

Um forte abraço e um ótimo fim de semana.

Ivan Sant’Anna

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