Ivan Sant’Anna: 1929 (não) vem aí
Por Ivan Sant’Anna, autor das newsletters de investimentos Warm Up Inversa e Os Mercadores da Noite
Caro leitor,
Na última quinta-feira, dia 24, quando o crash de 1929 completou 90 anos, fiz várias palestras, lives, podcasts e dei entrevistas sobre o assunto. Uma das perguntas que mais respondi foi a de que se seria possível a repetição daquela hecatombe financeira.
“Não, não existe a menor chance de que aconteça um novo 1929, pelo menos num horizonte descortinável”, afirmei convicto.
Comecemos pela Bolsa brasileira, que fez diversas máximas históricas na semana que passou. Antes de mais nada, não houve qualquer espécie de febre especulativa, com os investidores se atropelando para comprar ações. O que aconteceu foi a ocorrência simultânea de dois fundamentos contraditórios, um anulando o outro.
− A reforma da Previdência foi aprovada, com uma economia prevista de R$ 800 bilhões em dez anos. Normalmente, isso ocasionaria uma pressão baixista, dentro do princípio “ buy the rumor, sell the fact (compre no boato, venda no fato), tantas vezes martelado em minhas crônicas.
− Só que as taxas de juros reais no Brasil estão se aproximando de zero e até mesmo ameaçando passar para terreno negativo. Isso é a coisa mais altista que pode acontecer para a Bolsa.
“Já que aqui (na renda fixa) não ganho nada, vou partir pra outra”, começaram a deduzir os investidores. E foi esse pensamento que acabou prevalecendo.
Como não há nenhum efeito manada, com as pessoas querendo ficar ricas do dia para a noite, torna-se inviável (para não dizer impossível) aquele fenômeno conhecido pelos traders mais cascudos: todos fugindo ao mesmo tempo através de uma porta estreita.
Diria, sem medo de errar, que nunca vi a Bolsa brasileira subir com tanta pachorra, num canal de alta pouco íngreme, mas respeitando o padrão de higher highs, higher lows, iniciado no primeiro dia útil do ano.
Passemos agora ao cenário internacional. Se este estivesse em vias de repetir um 1929, com certeza puxaria (para baixo) a Bolsa brasileira.
Vale então lembrar o que aconteceu naquele final dos Esfuziantes Anos Vinte ( The Roaring Twenties). Surgiu, na época, a convicção de que os Estados Unidos seriam uma sociedade onde todos seriam ricos.
Os juros não estavam baixos. Muito pelo contrário. Os bancos financiavam a compra de ações por parte de seus clientes, não raro cobrando taxas extorsivas.
Havia uma onda especulativa centralizada na New York Stock Exchange, onda essa que nunca mais se repetiu com a mesma intensidade. O Fed, ao invés de alertar sobre o perigo, estimulou a compra de ações. A Sec (Securities and Exchange Commission), equivalente à nossa CVM, ainda não fora criada. Isso só aconteceria em 1933.
Ao contrário do que ocorreria no colapso da Bolsa de Nova York em 1987 e na crise do subprime, o governo americano deixou claro que o problema não era com ele.
Concluindo, nem aqui nem lá fora há o menor fundamento para que aconteça um novo 1929. O fenômeno que está ocorrendo, praticamente em âmbito mundial, é um surto de taxas de juros negativas.
É como se os mercados dissessem aos investidores: “A Bolsa ou a vida”.