Israel x Irã: Lula ganha pouco, mas perde muito, se errar o alvo de novo (e o Brasil sofrerá junto)
A escalada do conflito no Oriente Médio, em abril, representada pelo ataque direto do Irã a Israel – o primeiro da História – e pelo revide israelense, não deixou ninguém indiferente. Enquanto as principais potências globais buscavam acalmar os ânimos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentava se equilibrar entre sua simpatia pela Palestina e a necessidade prática de não irritar, ainda mais, Israel. Afinal, Lula (e o Brasil com ele) tem muito mais a perder, do que a ganhar, se abandonar a tradicional neutralidade da nossa política externa.
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Antes de tudo, é preciso lembrar que Lula despertou a ira dos judeus, ao comparar, em 18 de fevereiro, as ações do exército israelense em Gaza ao Holocausto nazista. Naquele dia, durante viagem à Etiópia, o presidente criticou os cortes na ajuda humanitária à Palestina e equiparou os ataque de Israel a um genocídio.
“O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existiu em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu, quando Hitler resolveu matar os judeus. E você vai deixar de ter ajuda humanitária?”, afirmou na ocasião. A declaração pegou mal na comunidade internacional, e logo Lula foi considerado persona non grata pelo governo israelense. Como resposta, o Itamaraty convocou de volta ao país o embaixador brasileiro que atuava em Tel Aviv.
Lula tem pouco poder de fogo no conflito entre Israel, Irã, Hamas e Palestina
A saraivada de críticas levou Lula a adotar um tom mais ameno agora, diante do ataque iraniano e do contra-ataque israelense. O desafio, contudo, é que o presidente não pode mais errar o alvo: suas declarações devem ser tão precisas, quanto um míssil de última geração. Primeiro, porque Brasília tem pouca munição para entrar nessa guerra de narrativas.
“É importante entendermos que o papel que o Brasil exerce nessa situação é muito limitado. Não temos muito poder econômico ou militar para participar do processo de mediação neste caso, [podemos] apenas condenar os ataques”, diz Leonardo Paz, cientista político e analista de Inteligência Qualitativa no Núcleo de Inteligência Internacional da FGV.
“É difícil ser governo nesse contexto, porque somos um ator muito importante internacionalmente em pautas como sustentabilidade, comercial e econômica, então a mídia internacional repercute o nosso posicionamento e faz sentido o Brasil falar, principalmente nessa linha multilateral”, avalia.
Já Rodrigo Amaral, membro do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais da PUC-SP, reforça que o Brasil recentemente ocupou a cadeira rotativa do Conselho de Segurança da ONU e presidiu a reunião do G20, e que por isso tem um papel relevante globalmente, se colocando em uma posição de líder do sul global. E, apesar das críticas que sofre, o especialista destaca que o pronunciamento do país segue a premissa de neutralidade histórica do Barão do Rio Branco, pai da diplomacia brasileira.
“Sempre ressalto que o Brasil não faz nada de forma unilateral. Seguimos sempre o princípio de neutralidade, nos colocamos contra conflitos e procuramos mecanismos pacíficos no sistema internacional para mediar situações, como a ONU e a Corte Penal Internacional”, explica.
Efeito Borboleta: Como o conflito Israel – Irã balança a política brasileira
Diante de um poder de mediação limitado, e de uma relação bilateral desgastada com Israel – e sem previsão de melhora no curto prazo -, o impacto do posicionamento brasileiro pode ser negativo tanto domesticamente, quanto internacionalmente.
No âmbito internacional, após ter desgastado a imagem do país – e do próprio Lula – ao tentar atuar como mediador no conflito entre Ucrânia e Rússia, e ser um dos primeiros porta-vozes mais duros contra os ataques de Israel, assessores internacionais e políticos aconselharam o governo a ficar mais distante e neutro com a escalada da tensão, agora entre Israel e Irã. A ideia é evitar que a imagem brasileira fique abalada – já que, comercialmente, os impactos não seriam tão significativos.
Se uma intervenção equivocada do Brasil causaria perdas mais simbólicas do que concretas na comunidades internacional, o mesmo não se pode dizer, quanto à política interna. Isso, porque o governo tem sofrido duras críticas da bancada evangélica no Congresso, o que prejudica a governabilidade de Lula.
Neste sentido, criticar abertamente Israel só aumenta a rejeição de Lula entre o eleitorado evangélico – algo que preocupa seus aliados. Após a comparar as ações israelenses em Gaza ao genocídio de judeus pelos nazistas, o presidente viu sua aprovação entre os evangélicos cair ainda mais.
“A comunidade evangélica anseia pelo apoio a Israel, e isso é uma questão que o governo terá que lidar. Porque, se formos contrários, a bancada [evangélica] e o Congresso cobrarão mais para frente”, explica Leonardo Paz, da FGV. “Nesse caso, para evitar impactos internos, o governo deveria manter a neutralidade”, aconselha.
A rejeição de parte dos eleitores não é o único efeito concreto. Ao corroer seu suporte no Congresso, Lula deu margem também para um pedido de impeachment capitaneado pela deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), uma de suas mais aguerridas opositoras e uma das mais fiéis aliadas do ex-presidente Jair Bolsonaro na Câmara.
No fim de fevereiro, Zambelli reuniu 139 assinaturas para protocolar o pedido, após o presidente comparar as ações do exército israelense em Gaza ao genocídio nazista. O número de assinaturas é maior do que os processos que levaram à cassação de Dilma Rousseff e Fernando Collor.
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Para além das consequências na política doméstica, o governo monitora, também, uma possível escalada no preço do petróleo. Logo após o ataque iraniano, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, passou a acompanhar os possíveis efeitos que a crise causaria no mercado internacional do petróleo.
Na sequência, foi criado um grupo de trabalho dentro do ministério para discutir eventuais medidas, caso a tensão avance, o que poderia reduzir a oferta global de petróleo e seus derivados – afinal, o Irã é um dos maiores produtores do mundo, e a região conta com outros grandes exportadores, como a Arábia Saudita. E ninguém desejar ver o Oriente Médio pegar fogo – simbólica e concretamente.