Coluna do Eduardo Velho

IPCA: Cálculos sobre a persistência inflacionária, os ajustes necessários e a meta de médio prazo

12 maio 2023, 10:00 - atualizado em 12 maio 2023, 11:29
Renda Fixa
IPCA emite sinais sobre persistência inflacionária, o que leva a reflexões sobre ajustes necessários e a meta de médio prazo (Imagem: Adobe Stock/Montagem: Giovanna Figueredo)

Por Eduardo Velho*

A persistência inflacionária pode ser definida como a propensão de choques de preços desviarem a taxa de inflação do seu estado estacionário por um período prolongado. Isso inclui a meta para inflação.

No Brasil, em particular, a inércia sempre foi um grande desafio. Aliás, o seu custo ficou evidente nos anos recentes, com a convivência de uma elevada taxa de inflação e uma das maiores recessões já registradas.

Com a utilização e a propagação de mecanismos de indexação, salarial e de preços, sobretudo nas décadas de 70 e 80, estabeleceu-se uma tolerância ainda maior com a inflação. Porém, inflação e indexação começaram a se retroalimentar. Isso criou um círculo vicioso de aceleração mútua, que também gerou a hiperinflação dos anos 80  e as tentativas fracassadas de estabilização com os planos heterodoxos.

No fim, o problema era o déficit público elevado e crescente, que justamente culminou no fracasso desses planos. A despeito do sucesso do Plano Real de estabilização de 1994 à 1998, os padrões da indexação da economia brasileira não foram removidos plenamente.

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IPCA e a inércia

De fato, preços administrados e monitorados – como energia elétrica, taxa de água e esgoto e aluguéis – são reajustados com base na inflação passada. De forma referencial, e com impacto em custos fiscais da Previdência e para as empresas, está o impacto do reajuste indexado do salário mínimo.  

A questão é que quando o mercado tem a percepção de uma política monetária expansionista, essa inércia estrutural, oriunda da indexação, é potencializada. Além disso, o descumprimento sucessivo da meta de inflação e a desancoragem das expectativas inflacionárias também são fatores relevantes explicativos nos últimos anos.

O descumprimento sistemático da meta e a desancoragem elevam o custo de convergência da inflação para sua meta. Em termos de política monetária, isso se traduz em um sacrifício maior do crescimento econômico, medido pelo Produto Interno Bruto (PIB).

Ao estimar a inércia da inflação através de modelos estruturados, utilizando séries do IPCA, do hiato do produto (diferencial entre PIB e PIB potencial), é possível chegar a uma variável que capte os choques de oferta, taxas de juros, dentre outras variáveis.

Os resultados desse estudo apontam que a atual persistência inflacionária na economia brasileira é de 4,67%, com limite superior de 4,78%. Em julho de 2021, o grau de persistência inflacionária estaria entre 3,91% e 4,38%, com previsão central de 4,33%.

IPCA e os ajustes

Afinal, o que isso significa? O que esses cálculos apontam é que, na ausência de choques de alta ou baixa de preços e da trajetória cíclica, dificilmente a inflação brasileira consegue se sustentar abaixo de 4,6%.

Ou seja, a inércia inflacionária corrobora uma inflação na vizinhança de 5% em 2024. Trata-se de um nível superior à mediana atual das expetativas do mercado. Portanto, ainda que a inflação acumulada em 12 meses recue para uma faixa de 3% a 4%, deve voltar a acelerar no segundo semestre.

Com isso, as estimativas apontam descumprimento das metas centrais de inflação pelo menos até 2025. Mais que isso, no biênio 2023-2024, o IPCA deve superar o teto da meta.

O estudo apontou que um dos fatores que mais contribui para a dinâmica do IPCA é o descolamento entre a inflação esperada e efetiva. Ou seja, o ritmo da atividade tem menor peso.

Isso dá “mais força” a prudência que a meta de inflação não seja ajustada para cima. Dessa forma, uma decisão eventual de elevar a meta de inflação, tende a aumentar as expectativas de inflação e também os prêmios da inflação implícita na curva futura.

IPCA e a meta de inflação

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem ressaltado a resiliência do mercado de trabalho, a presença de inflação de demanda e a desancoragem das expectativas. Além disso, o volume de crédito cresceu a taxa de dois dígitos em 2022, mas tem crescido acima de 5% neste início de ano, uma taxa ainda considerável.

Assim, Campos Neto sinaliza que não defenderá ajuste para cima da meta de inflação. Uma opção que poderia ser debatida em junho pelo Conselho Monetário nacional (CMN) seria a definição de uma meta central com cumprimento de médio prazo. Nessa proposta, haveria uma sistemática de intervalos de tolerância, alterando o atual regime que tenta cumprir uma meta pela variação em 12 meses encerrados em dezembro.

Já a manutenção da taxa de juros nos Estados Unidos pelo Federal Reserve na faixa de 5,0%-5,25% na próxima decisão, em junho, beneficia a flexibilização futura da Selic. Porém, não é suficiente.

É preciso haver o mínimo estabilidade das projeções do IPCA de 2024 a 2025, inferior ao teto. Além disso, o Congresso deve ajustar e aprovar uma regra fiscal com contingenciamento automático de despesas e penalidades para descumprimentos do saldo fiscal.

Esses seriam fatores cruciais para iniciar a redução da taxa básica de juros no terceiro trimestre, ainda que de forma moderada.

*Sócio e economista-Chefe da JF Trust Gestora. Foi Diretor de Operações do Banco Banestes DVTM; Diretor de Desenvolvimento Industrial e de Novos Negócios da Codin; Diretor e Gestor de Fundos Multimercado e Renda Fixa da INVX Global/A2A Asset; Diretor de Investimentos do Banco Valor; Economista-Chefe da GO Associados e do Banco BBM Invest. Professor do Preparatório da Anpec e da Fundação Getúlio Vargas/Fucape. Economista com Mestrado stricto sensu pela EPGE/Fundação Getúlio Vargas e Doutorado (ABD) em Economia (UNB).