Investimentos: Como sobreviver à inflação alta, juros elevados, recessão e eleição?
Se você achou difícil encontrar bons investimentos no primeiro semestre, quando a inflação acelerada puxou a taxa básica de juros, a famosa Selic, para mais de 10% ao ano, e o Ibovespa acumulou uma perda de 6%, prepare-se. Diante do cenário que os gestores traçam para o resto do ano, você pode sentir saudades daqueles meses.
Inflação ainda alta, juros subindo no Brasil e no exterior, uma forte freada da economia global ou, para os mais pessimistas, uma recessão no início de 2023 são alguns dos fatores que atormentarão a vida dos investidores daqui para frente, segundo Marco Freire, gestor de fundos multimercados da Kinea, e Felipe Guerra, estrategista-chefe da Legacy Capital.
Ambos participaram da Semana de Previdência, promovida pela Vitreo, e falaram sobre os desafios de gerir fundos multimercados nesses tempos para lá de incertos. O painel contou com a mediação de Bruno Mérola, analista responsável pela área de fundos da Empiricus Research.
No Brasil, a situação se complica ainda mais, com a aproximação da eleição mais polarizada desde a redemocratização, em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual, Jair Bolsonaro (PL), não pouparão arroubos populistas para conquistar o voto da fatia da população mais pobre, a mais prejudicada pela inflação alta e pela letargia econômica.
Cenário global não funciona para investimentos de risco
“É um cenário extremamente desafiador, bem diferente dos últimos 20 anos”, explica Guerra, da Legacy. “A única certeza que temos é que vamos nos deparar com uma recessão. Não sabemos quão intensa vai ser, mas vamos nos deparar com ela.”
Para Freire, da Kinea, há quatro vetores ditando os rumos da economia global no curto prazo: o maior aperto monetário promovido pelo Federal Reserve, o banco central dos EUA, nos últimos 40 anos; a perda de confiança dos consumidores chineses, que impede que os estímulos lançados por Pequim façam a economia crescer; o aumento dos estoques das empresas; e a guerra da Ucrânia, que emperra a economia da Europa.
Assista ao painel sobre fundos multimercados da Semana da Previdência da Vitreo.
Freire lembra que, historicamente, quando o mundo ameaça parar, o Federal Reserve, chamado por ele de “banco central do mundo”, entra em campo para estimular a maior economia do planeta e, por tabela, seus parceiros comerciais.
Mas, neste momento, o Fed vai na contramão. Basta lembrar que, nesta quarta-feira (27), o Fed promoveu mais uma alta de 0,75 ponto percentual na taxa básica de juros. Na entrevista coletiva, o presidente da instituição, Jerome Powell, disse que o Fomc (equivalente ao nosso Copom) deve adotar um ritmo mais moderado de alta, mas não descartou decisões mais contundentes.
“Essa combinação de o banco central do mundo [Fed] subindo agressivamente os juros, junto com os outros dois principais motores do mundo (Europa e China) na pior situação em muito tempo, não funciona”, avalia Freire, da Kinea.
Gestores reveem investimentos no segundo trimestre
O problema é que a conjuntura deixa pouca margem de manobra para os gestores de fundos multimercados. No primeiro semestre, as estratégias eram, comparativamente, “mais simples”, segundo Guerra, da Legacy. “No começo do ano, tínhamos cenário comprado em commodities, tomado em juros, vendido em Bolsa e comprado em dólar”, diz.
Agora, diante de uma possível recessão, de uma inflação global persistentemente alta e de juros igualmente elevados, é preciso rever os investimentos. O portfólio da Legacy, por exemplo, está agora “mais vendido em Bolsa, comprado em dólar, short em crédito, e neste momento zerado em commodities”. Guerra acrescenta que, taticamente, é possível até colocar algumas posições vendidas em commodities no curto prazo.
Na Kinea, a cautela também prevalece. A grande mudança na sua carteira, segundo Freire, ocorreu no mercado de juros. No primeiro semestre, a Kinea estava comprada em juros nos EUA.
“Agora, são posições de diminuição de juros nesses lugares do mundo que estão com problemas, como Europa e Ásia”, explica e completa: “antes eram juros para cima nos EUA; agora, são juros para baixo onde tem problema.”
Alguma ação se salva na Bolsa?
As alternativas de bons investimentos no Brasil também estão escassas. Atualmente, a Kinea está vendida “em inflação no curto prazo e protegida em juros”, diz Freire. O gestor também gosta “um pouco” de ações de estatais, do setor elétrico e de empresas de infraestrutura. De resto, aposta em pares de ações, mantendo cerca de 30 delas.
Na área de commodities, quem tem apetite ao risco, segundo Freire, pode apostar em Petrobras (PETR4). O papel está muito barato e vai pagar 30% de dividendos. Com a proximidade da eleição, o mercado precifica mais as chances de vitória de Lula, e isso empurra sua cotação para baixo, já que o petista declarou que pretende mudar a atual política de preços da estatal.
Para Freire, a eleição ainda não está decidida. Caso o vencedor não sinalize uma mudança drástica na política de preços da Petrobras, o caminho para um salto do papel estará livre. Outro segmento apreciado por ele é o de alumínio.
Já Guerra, da Legacy, diz que a contração econômica à frente, somada ao ambiente de juros altos, cria um “cenário horrível” para o mercado acionário. “Não estamos comprando nada na Bolsa”, afirma.
O que o gestor tem feito são “alguns trades relativos”, vendendo papéis de empresas com múltiplos caros e comprando ações com múltiplos baixos. Com a eleição embaralhada, Guerra não está muito animado com ações de estatais. “Não é um call fácil e não temos posições significativas”, resume.
O gestor da Legacy sublinha que, “num teste cego de ações de bancos”, o Banco do Brasil (BBAS3), outra estatal, talvez se destacasse pelos bons indicadores de desempenho e pelos múltiplos. Já a Petrobras é boa, mas sofre com todo o ruído político. “Não tem nenhum vetor positivo, neste momento, que ajude os ativos de risco”, resume Guerra.
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