Opinião

Iniciative Q – Precisamos falar sobre ela

20 nov 2018, 9:05 - atualizado em 20 nov 2018, 0:50

Por Leandro França de Mello, editor da Cryptowatch

site oficial define a Initiative Q como “o sistema de pagamento do futuro”. A ideia é baseada em uma das premissas que ajudaram a promover as criptomoedas: criar uma moeda digital universal, que pode ser usada em qualquer lugar do mundo, dispensando a necessidade de dinheiro em papel ou cartões.

Como? Ainda de acordo com a Initiative Q, com o uso de tecnologias para sistemas de pagamentos que existem há anos, mas que não estão disponíveis porque dependem de uso massivo. A ideia, então, é mudar esse cenário distribuindo recursos — a tal da moeda Q — gratuitamente aos primeiros usuários que se cadastrarem.

É aqui que começa a onda de convites. Não dá para se cadastrar apenas visitando o site oficial. É preciso acessar um dos links de convites que estão sendo distribuídos viralmente nas redes sociais e em serviços como o WhatsApp. Os participantes ativos precisam cumprir algumas tarefas para receber as Qs. A principal delas? Distribuir convites.

Todo usuário que entra ganha uma certa quantidade de Qs, desde que cumpra as tarefas. Porém, à medida que o número de membros aumenta, menor é a recompensa dada aos novos integrantes. A própria Initiative Q sinaliza que, quanto antes o cadastro for feito, maior será a recompensa.

A moeda Q é uma cryptomoeda similar ao Bitcoin?

A proposta da Q é ser uma moeda digital, mas não uma cryptomoeda. Na verdade, a associação da Q com o Bitcoin é apenas uma estratégia para criar um senso de oportunidade. Em seus primeiros anos, o Bitcoin foi visto com ceticismo, mas depois se valorizou enormemente. A ideia vendida aqui é a de que a história pode se repetir com a Q.

Só que os dois projetos são muito diferentes. Na contramão do Bitcoin e outras cryptomoedas, a proposta da Q é seguir um modelo centralizado, com a Initiative Q atuando como uma espécie de banco central associado a um comitê monetário.

Como consequência, a moeda Q não vai ter um blockchain. Uma das razões para isso é evitar que haja consumo exacerbado de energia no processamento das operações, diz as páginas de ajuda do projeto. A segurança, nas palavras da Initiative Q, vai ser garantida com “um robusto sistema de confiança e governança”.

Tem gente do PayPal no meio?

Esse é um dos pontos mais controversos. O convite nas redes sociais diz que o projeto tem ex-funcionários do PayPal por trás. Mas o site oficial cita apenas dois nomes: Lawrence White, um economista que assumiu a função de conselheiro, e o empresário Saar Wilf, que aparece como o fundador da Initiative Q.

Wilf é quem teve passagem pelo PayPal. Sabe-se que ele criou e vendeu uma startup chamada Fraud Sciences para o PayPal em 2008 (na época, a companhia pertencia ao eBay) por US$ 169 milhões. O empresário ficou por lá durante algum tempo e, depois, passou a trabalhar com outras startups aparentemente menos expressivas, incluindo uma plataforma de crowdsourcing.

Contatada pelo Mashable, a Initiative Q disse que o projeto conta com participação de outro ex-funcionário PayPal, uma pessoa de nome Aviv Cohen. Mas, que fique claro: o PayPal em si não tem nenhum envolvimento com a iniciativa.

A Initiative Q é uma pirâmide?

Somente membros da Initiative Q podem convidar mais gente. Além disso, os convites disponibilizados para cada membro são limitados. Junte esse aspecto com a diminuição progressiva da recompensa à medida que a base de cadastros aumenta, e tem-se um senso de urgência que lembra bastante as táticas usadas para propagação de pirâmides financeiras.

Apesar disso, não dá para classificar a Initiative Q como uma pirâmide. Não no atual estágio, pelo menos. Por padrão, esquemas do tipo usam dinheiro dos novos membros para repassar aos que estão nas camadas superiores da pirâmide, coisa que não existe aqui. Por ora, a Initiative Q pede apenas cadastro com nome e email ou perfil nas redes sociais.

Isso quer dizer que a Initiative Q é segura? Há algum risco?

Na primeira olhada, não há nada sugerindo perigo. A Initiative Q não pede dados sensíveis (como cartão de crédito ou número de documentos) e não exige instalação de apps obscuros, por exemplo. Além disso, como a adesão depende de convites validados — o emissor precisa verificar o novo membro para a conta deste ser ativada —, parece haver pouca margem para trapaças.

Mesmo assim, eu não baixaria a guarda. Os cuidados começam pelas promessas tentadoras. O site oficial diz que “recompensas em Q reservadas hoje provêm de uma oferta total de 2 trilhões de Qs”. A meta é fazer com que cada Q corresponda a US$ 1. Esse objetivo depende da ampla aceitação da moeda, mas supondo que esse dia chegue, o usuário que obteve 15 mil Qs na entrada terá o equivalente a US$ 15 mil para movimentar.

O que mais preocupa é como os dados coletados serão usados. A fase inicial exige apenas nome e email, mas não são pequenas as chances de informações complementares serem solicitadas mais tarde. Além disso, nada impede que, em algum momento, pagamentos em dinheiro real sejam exigidos para “fazer a máquina girar” — dependendo de como isso for feito, aí sim o movimento poderá ser considerado pirâmide.

Então a Initiative Q não vale a pena?

Como eu deixei implícito mais acima, é bom não baixar a guarda. Pelo menos até agora, não há nenhuma evidência de fraude, mas tudo soa tão promissor que fica difícil não desconfiar.

Começa com o fato de o sistema ainda não existir. Não dá para testar a plataforma ou ter um entendimento profundo de como a Q funcionará. A moeda é só uma ideia. No momento, a única coisa tangível da Initiative Q é o resultado do seu trabalho de marketing.

Um marketing bem executado — ainda que controverso —, pois tem como base táticas que despertam forte interesse:

– A promessa de ganhos significativos com pouco esforço para os primeiros privilegiados;

– O sentimento de urgência despertado pelo risco de receber menos se o cadastro não for feito o quanto antes;

– O senso de oportunidade pela possibilidade de a moeda Q se tornar tão valorizada quanto o Bitcoin;

– O uso indireto do nome do PayPal para dar mais credibilidade à iniciativa.

Essas táticas não caracterizam fraude, mas são um indício forte de que a moeda pode não ser tão revolucionária assim. Pelo menos por enquanto, tudo parece não passar de um plano utópico.

As declarações recentes de Saar Wilf reforçam essa possibilidade. Em entrevista à Exame, o executivo disse que adotou uma estratégia de marketing bastante agressiva — e que, de novo, lembra uma pirâmide — porque a Initiative Q precisa recrutar muitos participantes para funcionar.

Ainda de acordo com Wilf, a fase de recrutamento vai até meados de 2019. Só depois disso é que o sistema de pagamento será desenvolvido. A expectativa é a de que a Q leve um ou dois anos para começar a circular em algumas regiões, mas o alcance global deve exigir muito mais tempo: “eu diria que pode levar mais ou menos 10 anos”, disse o executivo.

Se vai valer a pena? Pode até valer. Mas, diante de todas as circunstâncias, é prudente não ter grandes expectativas.

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