Inflação na cesta básica, reforma tributária e o ‘imposto do ‘pecado’ no Dia da Mentira
Na última quinta-feira, dia 28 de março, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul anunciou que adiou a vigência de decreto estadual que entraria em vigor nesse 1º de abril de 2024, que aumentaria significativamente a alíquota dos impostos incidentes sobre produtos componentes da cesta básica no Rio Grande do Sul.
Tal aumento impactaria significativamente os preços finais de muitos produtos da cesta básica produzidos naquele estado e que hoje estão isentos do recolhimento de impostos ou até contam com cobrança de valores mais baixos, com alíquotas de 7%, já que o decreto passaria a taxá-los em 12% a partir de 1º de abril, o chamado “Dia da Mentira”
Na notícia que circula na imprensa a respeito do adiamento da vigência do tal decreto, dá-se conta que a solicitação desse adiamento, por cerca de um mês, seria a requerimento de entidades empresariais já que tal normativa impactaria negativamente mais de 64 setores produtivos do estado em nome de um suposto ajuste fiscal do lado da receita pública, já que tratava de outras disposições aplicáveis a créditos, fundos e receitas.
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Como a data em si da vigência do aumento em questão é o que menos importa, a despeito do dia escolhido não ser dos mais felizes para se “agendar” a vigência de um aumento de tributos sobre itens essenciais à população, tal fato nos deu a oportunidade de trazer esse tema ao nosso leitor para debate.
Os preços dos produtos da cesta básica e a tributação
Longe de ser uma questão local apesar de nas linhas acima tratarmos de decreto e orçamentos estaduais do Rio Grande do Sul, o tema passa a ganhar relevância maior diante do cenário macroeconômico do país, principalmente após recentes discussões em torno do aumento dos preços dos alimentos componentes primordiais da cesta básica e suas eventuais causas e/ou potenciais remédios aplicáveis.
Fato é que se optar por tributar insumo básico e/ou item primário à sobrevivência humana, em detrimento de se escolher tributar e arrecadar, por decisão política, produtos supérfluos e/ou que não se classifiquem como gêneros de primeira necessidade, representam decisão política muitas das vezes de cunho impopular.
Mais do que isso, uma decisão dessa natureza pode terminar nos tribunais pois implica em violação de princípio básico de política fiscal: a seletividade, imanente e inerente a qualquer sistema político que se baseie na equidade e na justiça fiscal – e que implica na necessidade de se tributar com maior onerosidade o consumo de produtos não essenciais, desonerando-se os essenciais à população, como aqueles que compõe a cesta básica o que no Brasil está, inclusive, constitucionalizado.
O chamado “Imposto do Pecado” na Reforma Tributária
Além disso, não podemos esquecer que na própria emenda constitucional da reforma tributária recentemente aprovada, tal questão da essencialidade fora mantida, passando a englobar mais aspectos e contornos restritivos de aumentos indiscriminados da taxação sobre o consumo de itens básicos, como alimentos in natura e produtos essenciais da cesta básica.
O chamado “Imposto do Pecado” passou a considerar o agravamento da tributação pela inserção, além da seletividade tradicional, do impacto ambiental, tipo e valor das operações a serem tributadas, como norteadores dos aumentos de impostos e da gradação das alíquotas pelos entes tributantes, mas sem renunciar ao viés da essencialidade do produto, como os da cesta básica. Mas será que esses aspectos considerados em conjunto são aptos a informar uma política fiscal consistente?
Reforma tributária e preços da cesta básica de alimentos
O adiamento da vigência do decreto gaúcho que aumentaria a taxação dos produtos da cesta básica naquele estado desde 1º de abril, nos traz uma pista e no dá a oportunidade de refletirmos sobre dois aspectos primordiais da intervenção dos entes federativos nos preços de produtos agropecuários básicos:
- O poder de tributar dos estados e entes federativos em geral – apesar de envolver opção política – não é livre e descontextualizado das limitações constitucionais a esse poder;
- Sem uma definição com rigor os elementos e impactos de uma nova incidência fiscal ou até aumento de carga fiscal, eventual prática por parte do ente tributante, além de poder carecer de legitimidade e fundamento jurídico, pode desarrumar setores da economia cujo encadeamento das atividades vai muito além das fronteiras de um único estado da federação ou até mesmo do país dada a amplitude e importância das cadeias globais de produção.
Por isso que nessa coluna, procuramos em nossa análise transcender o fato isolado da discussão sobre esse aumento de carga fiscal no Rio Grande do Sul para uma discussão mais ampla, envolvendo a importância da cesta básica e da produção dos alimentos e insumos basilares à subsistência humana.
Essa discussão pode ter por pano de fundo a própria reforma tributária – que necessitará ainda de vasta regulação e definição dos elementos básicos das respectivas hipóteses de incidência dos tributos a que se refere – sobre vários de seus dispositivos, inclusive do tal “Imposto do Pecado”.
Deixar de olhar para isso, pode dar azo a que necessidades paroquiais sobrepujem o interesse nacional, global e até humanitário de oferta de alimentos de qualidade, fibras e insumos produzidos com qualidade e de acordo com as melhores práticas ambientais, sociais e de governança em cadeias complexas como a da produção de produtos agropecuários, impactando negativamente vários setores para muito além das fronteiras sobre as quais temos qualquer jurisdição.
Para evitar tal situação o Senado Federal deu andamento ao PLP n. 89/2022, que modifica o Código Tributário Federal para evitar que não se reconheça a essencialidade aos produtos da cesta básica, garantindo assim a uniformidade do tratamento tributário mais favorecido a esses produtos agropecuários em todo o território nacional, basicamente uma resposta à falta de regulamentação da Reforma Tributária e aos arroubos paroquiais como este que estamos comentando na nossa coluna
Conclusão
Dessa forma, podemos dizer que se de um lado os entes públicos e as suas políticas de intervenção nos mercados pouco podem fazer para modificar a formação de preços de alimentos, principalmente no que diz respeito à oferta e demanda de produtos agropecuários, dadas as peculiaridades desse mercado e de suas cadeias globais.
Por outro lado podemos afirmar que intervenções de cunho fiscal e/ou extrafiscal nesses mercados por entes estatais isolada e paroquialmente podem trazer desorganização das cadeias produtivas, escassez indevida de produtos e até resultar em impactos adversos de preços ao consumidor final – via aumento de tributação, no Rio Grande do Sul – onerando indevidamente a população que mais necessita desses itens à disposição para a sua própria subsistência, além de ameaçar investimentos, empregos e outras situações que também afetam a qualidade de vida da mesma população.