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Imposto do pecado: perdoe-os, Senhor, eles não sabem o que consomem

11 jul 2024, 16:40 - atualizado em 11 jul 2024, 16:44
imposto do pecado reforma tributária
Para advogado especializado em direito do agronegócio, imposto do pecado contará com avaliação de “especialistas de ocasião” (Imagem: Freepik/jcomp)

Dentre as inovações da reforma tributária aprovada em 2023 com a promulgação da Emenda Constitucional (EC) nº. 132, a que mais causou controvérsia foi a criação do imposto federal incidente sobre a “produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar” (art. 153, VIII da Constituição Federal – CF/88), o denominado Imposto Seletivo (IS) ou, para os mais criativos, o “Imposto do Pecado”.

Tal inovação veio acompanhada da inserção dos §§ 3º e 4º no artigo 145 da CF/88, que trata dos Princípios Gerais do Sistema Tributário Nacional, já que desde 1988 os impostos (espécie do gênero tributos) são guiados pelo princípio da capacidade econômica do contribuinte (art. 145, § 1º), mas com o advento da EC nº. 132/23, tal Sistema passou a guiar-se também pelos “princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente” (art. 145º, § 3º), cujas alterações legislativas deverão buscar “atenuar efeitos regressivos” (art. 145, § 4º).

Nesse contexto é que se criou o IS, de competência da União, que nos termos do § 6º da CF/88:

  • (a) não incidirá sobre as exportações nem sobre as operações com energia elétrica e com telecomunicações, ou seja, tais operações são imunes do imposto;
  • (b) incidirá uma única vez sobre o bem ou serviço, portanto será cumulativo;
  • (c) não integrará sua própria base de cálculo, mas integrará a base de cálculo do ICMS e ISS e, após o período de transição, do IBS e da CBS, ou seja, aumentará diretamente o custo destes tributos; e
  • (d) poderá ter o mesmo fato gerador e base de cálculo de outros tributos e terá suas alíquotas fixadas em lei ordinária, é dizer, poderá incidir rigorosamente sobre qualquer operação, mas não tem alíquotas máximas definidas.

Nessas horas, por incrível que pareça, já começa a deixar-nos saudades o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que será gradualmente substituído pela CBS (exceto para a Zona Franca de Manaus), pois tal tributo, nos termos do mesmo artigo 153 da CF/88:

  • (a) é seletivo, porém em função da essencialidade do produto (e não do dano à saúde ou ao meio ambiente);
  • (b) é não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, ou seja, não deixa resíduos na cadeia produtiva;
  • (c) igualmente não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior e terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital.

Isso porque, de acordo com a Tabela de Incidência do IPI (TIPI – Decreto nº 11.158/22), produtos hortícolas, plantas, raízes e tubérculos, comestíveis (feijão, batata, tomate – Capítulo 7), assim como cereais (trigo, milho, arroz – Capítulo 10), são “não tributados” (NT) pelo IPI, da mesma forma em que armas de fogo (Capítulo 93) e charutos, cigarrilhas e cigarros (Capítulo 24) estão sujeitos a alíquotas que variam de 55% a 300%.

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A essencialidade, nesse caso, é objetiva, e as alíquotas aplicadas, ainda que possam ser alteradas pelo Poder Executivo por meio de Decreto, corroboram o caráter seletivo do IPI – ou alguém duvida que os alimentos sejam mais essenciais que os cigarros?

Incidência do imposto do pecado

O IS, em contrapartida, apresenta-se no Projeto de Lei Complementar (PLP) nº. 68/24 a partir do artigo 393 como incidente sobre bens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, sendo eles:

  • (a) veículos;
  • (b) embarcações e aeronaves;
  • (c) produtos fumígenos;
  • (d) bebidas alcoólicas;
  • (e) bebidas açucaradas; e
  • (f) bens minerais extraídos.

A respeito de sua cumulatividade, inclusive, o artigo 394 faz questão de ressaltar que “o Imposto Seletivo incidirá uma única vez sobre o bem, sendo vedado qualquer tipo de aproveitamento de crédito do imposto com operações anteriores ou geração de créditos para operações posteriores”.

Sobre sua não incidência, o artigo 398 do PLP nº 68/24 corrobora a CF/88 no sentido de que haverá imunidade do Imposto Seletivo para:

  • (a) as exportações para o exterior dos bens acima elencados, exceto de bem mineral extraído ou produzido; e
  • (b) as operações com energia elétrica e com telecomunicações, além da não incidência sobre os bens e serviços com redução em 60% (sessenta por cento) da alíquota padrão do IBS e da CBS, dentre os quais se destacam os alimentos destinados ao consumo humano, os produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura e os insumos agropecuários e aquícolas.

Notem que, aparentemente, os mesmos produtos anteriormente tratados como “NT” pela TIPI estão excepcionados da incidência do IS, o que supostamente corroboraria o atendimento aos critérios de essencialidade; entretanto, há ali duas armadilhas: a primeira, qualquer produto que venha a ser excluído do Capítulo III do Título IV do Livro I, que trata da redução do IBS e da CBS, automaticamente entraria no campo de incidência do IS; a segunda, consoante o artigo 340 e seguintes do PLP nº. 68/24, a alíquota de referência da CBS será fixada anualmente com base na estimativa de receita do IS no respectivo ano-base, em outras palavras, a esperada redução da alíquota padrão da CBS, incidente sobre o consumo, dependerá diretamente do aumento da arrecadação do IS.

Assim é que o IS congrega, ao menos no discurso, todo o pacote do politicamente correto: proteger nosso meio ambiente, punindo os produtos supostamente poluidores e protegendo nossos recursos naturais (minerais); assegurar a universalidade do nosso sistema de saúde, evitando-se a sobrecarga em razão do consumo de produtos que suspostamente a ela fazem mal; taxar os mais ricos, que são aqueles que têm condições financeiras de consumir tais produtos; e, de quebra, aumentar a arrecadação da União, que necessita de recursos para implementar as políticas sociais que visam cuidar dos mais pobres e necessitados.

Parafraseando uma conhecida passagem bíblica, é como se o Estado nos dissesse: “perdoe-os, Senhor, eles não sabem o que fazem”, não conhecem o verdadeiro mal dos produtos que consomem, por isso estou aqui para tutelá-los, taxando os produtos malignos (ainda que legais, frise-se) para preservar sua saúde e o nosso meio ambiente”.

E para comprovar os malefícios à saúde e ao meio ambiente, certamente o Estado brasileiro se valerá de seus “especialistas” de ocasião, os mesmos que destacam o negacionismo de pessoas contrárias às vacinas, mas são veementemente contrários aos defensivos agrícolas, ambos analisados e aprovados pelo mesmo órgão técnico, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).

Entretanto, não podemos nos esquecer do básico, ou seja, dos princípios que guiam o Sistema Tributário Nacional: de acordo com o Código Tributário Nacional (CTN – Lei nº. 5.172/66), artigo 3º, o gênero tributo é “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”, sendo a espécie imposto, nos termos do artigo 16, “o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”.

Em suma, portanto: imposto não pode ser utilizado pelo Estado como sanção e não pode ser cobrado para uma destinação ou atividade estatal específica, por mais bem intencionada que seja. Destaque-se, ainda, o aspecto regressivo do IS – que será cumulativo e integrará a base de cálculo dos novos tributos sobre o consumo, o IBS e a CBS – e, por que não, injusto, pois desrespeita o princípio da capacidade contributiva, contrariando as próprias diretrizes da Reforma Tributária, inseridas no artigo 145 da CF/88 e mencionadas acima.

Perdoem-me o trocadilho, mas preparem os corações para uma enchente de ações judiciais.

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