Educação

Ideologia de gênero, ensino confessional e a estranha escala de prioridades educacionais no Brasil

07 out 2017, 15:37 - atualizado em 05 nov 2017, 13:53

Terraço

Por Terraço Econômico

Nesta última quarta-feira, 27/09/2017, a mais alta corte judiciária do país decidiu que há constitucionalidade no ensino religioso – também chamado de confessional – nas escolas brasileiras [1]. Há anos, diversos grupos de interesse lutam para que a chamada ideologia de gênero [2] esteja presente no campo educacional brasileiro. Por mais insano que pareça esta pergunta, sabe qual é a semelhança entre ambos? Contribuem pouco para que nossa educação avance em termos de produtividade.

Não se ofenda, não se trata de uma questão de opinião sobre o que seria correto ou não dentre estes dois assuntos e sua presença ou não nas escolas. A questão é outra: o Brasil é um dos países que têm maior desembolso público em educação (concentrado majoritariamente no ensino superior) em relação ao PIB [3] mas, ainda assim, em rankings internacionais de avaliação como o PISA – este que avalia os conhecimentos em matemática, leitura e ciências de estudantes de quinze anos de idade –, temos um desempenho aquém do que o observado em países que investem tanto quanto ou menos do que nós [4].

Investimos em um patamar razoável em termos internacionais na educação, mas pecamos em ao menos três aspectos: há concentração de recursos no ensino superior (o que faz com que a base educacional seja mais frágil), não permitimos que boas práticas sejam devidamente espalhadas (como a de Sobral – CE, que hoje tem o maior nível educacional infantil do país [5]) e, em último lugar mas não menos importante, focamos em muitos aspectos diferentes dos que poderiam nos elevar em termos educacionais.

Novamente digo: não se trata de dizer o que dos dois itens do título do artigo representa uma benesse ou um perigo, mas sim de procurar entender como podemos utilizar melhor a educação pública para alavancar as próximas gerações e reduzir as desigualdades sociais a partir do ganho de oportunidades que se tem com tal melhoria.

Um exemplo de país que mudou radicalmente sua estrutura educacional e obteve resultados bastante positivos é Cingapura, que partiu de uma população em 70% de analfabetismo nos anos 1950 para o topo do índice educacional mundial. Sua experiência é baseada nos seguintes termos: unir uma valorização nacional dos professores e de seus resultados para o avanço do país (exaltando-os com campanhas educativas), a comparação salarial entre as profissões do mercado, a escolha adequada (por notas e por didática) dos professores, um olhar sempre para o que o mercado de trabalho demanda (sempre perguntando que tipo de trabalhador ele precisa), o pensamento de que sempre é preciso atualizar perante as mudanças do mundo para alcançar o objetivo de manter a população em um alto patamar educacional e também o desenvolvimento de mecanismos de adaptabilidade para os diferentes alunos e profissionais de educação de acordo com suas proficiências. Em suma, colocar a escola como um mecanismo de observação do que mais eleva a produtividade – e desta maneira reduz a desigualdade por melhorar as condições iniciais dos indivíduos.

Mas isso custa muito caro, certo? Veja o que Lee Sing Kong, professor ex-diretor do Instituto Nacional de Educação de Cingapura [6]:

Terraço

Enquanto isso, no Brasil, podemos ver como a questão educacional vai muito além da simples destinação de recursos: por aqui, a média em relação ao PIB supera 6,5% – o que é superior inclusive ao que os países da OCDE [7]. Com um triste detalhe: as metas do Plano Nacional de Educação estão bem distantes de serem alcançadas: até então, temos apenas 20% das metas cumpridas devidamente [8]. Algo não está dando certo e, reforça-se, não é questão meramente de recurso financeiro.

Sejamos sinceros: em uma nação em que o analfabetismo funcional supera um quarto da população [9], faz sentido que estejamos nos esforçando em itens muito mais avançados antes de dar os primeiros passos? Se com a estrutura atual existente, que é deficitária e custosa, não temos conseguido avançar em termos educacionais, vale a pena não discutir o que poderia mudar essa situação e focar em outros aspectos que não conseguem alterar isso? Não seria mais útil focar em articular uma melhoria do básico antes de pensar em assuntos muito mais complexos?

Cada escola que se utilize de sua metodologia, de suas práticas e apoio a ensinamentos e valores – sejam eles os religiosos ou os da ideologia de gênero – de maneira livre, essa questão não deveria ser discutida por instância judicial alguma. Aliás, países que têm posições elevadas no PISA (como a Noruega e também Cingapura) também preocupam-se com questões mais amplas e ligadas a valores morais, mas a diferença é que há uma preocupação intensa e real com a base educacional antes de tais tópicos serem abordados, o que faz bastante diferença no fim das contas.

Não devemos esquecer que uma discussão como essa, de decidir “o que é certo ou errado” sem se atentar a aspectos preliminares importantes, acaba gerando como resultado novas gerações com o baixo nível educacional básico e que assim seguirá em frente o status atual de desigualdade, uma vez que mantém ou muito pouco alteram a capacidade dos estudantes de mudarem seu próprio futuro com ela.

Pensemos mais no que pode ajudar na produtividade brasileira e menos no que “é certo” ou “é errado”, pois esta discussão custa muito caro e já se mostrou um tanto quanto ineficiente. Não é um processo fácil, demanda trabalho e um pensamento de longo prazo. Mas, como disse sabiamente o ex-reitor de Harvard, Derek Bok:

“Se você acha que a educação é cara, experimente a ignorância. ”

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

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