Brasil

ICMS: “Batata quente” de impostos sobre combustíveis pode queimar na saúde e educação; entenda

26 maio 2022, 21:04 - atualizado em 26 maio 2022, 21:04
Paulo Guedes DigiTAX
Em Davos, Guedes defendeu a redução da alíquota do imposto (Imagem: REUTERS/Adriano Machado)

Fontes anônimas do Ministério da Economia divulgaram nesta quinta-feira (26) números de um gordo caixa na conta dos Estados e municípios no Brasil. As informações foram conseguidas pela agência de notícias Reuters.

Segundo os funcionários da pasta ouvidos pela agência, os entes subnacionais apresentam cerca de R$ 172 bilhões de reais disponíveis após arrecadação forte e aumento nas transferências do Governo Federal.

A divulgação se dá em meio a uma verdadeira batalha que tem sido travada entre União, estados e municípios sobre quem deve pagar a conta do aumento no preço dos combustíveis no Brasil.  Nesta quarta-feira (25), foi aprovada na Câmara proposta que limita a alíquota do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), tributo estadual que incide sobre combustíveis, energia elétrica, gás natural, comunicações e transporte coletivo.

Os números divulgados, em tese, indicam que os estados teriam capacidade de abdicar do recolhimento do imposto e, assim, aliviar o preço dos combustíveis nas bombas.

Entretanto, especialistas ouvidos pelo Money Times são críticos com relação aos cálculos realizados pela União para justificar a redução da alíquota do ICMS, como também não acham razoável a delegação de certas responsabilidades orçamentárias aos Estados.

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Disputa desigual

Para a procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo Élida Graziane Pinto, os números apresentados pelo Ministério da Economia não devem ser levados em conta para justificar a redução permanente do imposto estadual, pois são uma condição momentânea, proporcionada por uma maior arrecadação em meio à inflação.

“Esse montante não é sustentável, pois se trata de uma arrecadação inflacionária. Não dá pra reduzir carga tributária permanentemente com base em uma arrecadação contingente com a inflação”, explica.

A procuradora também pontua que não foram levados em consideração gastos que os Estados terão que arcar no futuro próximo. “Os Estados deixaram de dar reajustes e também vão ter de recompor salários”, afirma.

O economista Raul Veloso também é descrente quanto aos quesitos técnicos envolvidos na decisão da redução do imposto.

“A União não quer, no ano eleitoral, se desgastar politicamente repassando os aumentos de preços determinados fora do país. E quer coisa melhor do que transferir o problema pro vizinho, que são os estados?”, diz.

O economista também critica a disparidade entre os artifícios disponíveis para a União e os Estados absorverem os custos.

“É uma mera disputa pelo desgaste. O governo quer que os estados absorvam o ônus desse aumento de preço reduzindo a tributação, mas o governo federal tem outros meios de se defender. Ele pode emitir moeda, coisa que os Estados não podem. A margem de manobra dos estados é obviamente muito menor do que na União”, afirma Veloso.

Quem perde é a saúde e a educação

Um dos principais artifícios do governo para tornar a aprovação da proposta mais fácil foi a instituição de gatilhos orçamentários que garantiriam aos Estados e municípios repasses, por parte da União, caso a arrecadação com o imposto caísse excessivamente.

Entretanto, a procuradora Graziane Pinto lembra que, por lei, uma porcentagem mínima do valor arrecadado pelos Estados (37%) e municípios (40%) via ICMS deve, obrigatoriamente, ir para investimentos em saúde e educação.

O piso, entretanto, não vale para o dinheiro repassado por meio dos gatilhos de compensação. Assim, a redução da alíquota do imposto, mesmo com a compensação da União, causaria uma diminuição do montante a ser destinado às duas áreas sociais.

“É uma implosão dos custeios dos direitos fundamentais”, afirma.

Guedes rebate governadores

Em Davos, também nesta quinta, o ministro da Economia Paulo Guedes se posicionou à favor da redução da alíquota do ICMS, chamando governadores de “despreparados, ingratos ou militantes”.

“Nunca se transferiu tanto para estados e municípios. Perdemos receita, mas mantivemos e aceleramos receitas para eles”, afirmou.

Guedes citou que os Estados e municípios receberam repasses de cerca de R$ 500 bilhões por parte da União desde o início da pandemia, via Fundeb, diferimento e dívidas, recursos livres e cessão onerosa do petróleo.

“A história vai nos julgar”, disse.