Ibovespa: Já que você que está bancando a saída dos gringos da Bolsa, lembre-se disso
O Ibovespa já acumula uma queda de 3,20% em outubro, considerando-se a diferença entre os 112.830 pontos com que fechou o pregão de ontem (25) e os 116.565 pontos da última sessão de setembro. Boa parte dessa baixa é causada pela forte saída de investidores estrangeiros e institucionais (como fundos de pensão) da Bolsa brasileira.
Para se ter uma ideia da velocidade com que os gringos e os institucionais estão reduzindo sua exposição a ativos de risco verde-amarelos, basta lembrar que, no acumulado de outubro até o dia 24 (últimos dados disponíveis), os estrangeiros já registram uma saída líquida (compras menos vendas de ações) de R$ 2,7 bilhões, firmando-se como a principal força vendedora do mercado. Já os institucionais somam uma saída líquida de R$ 1,4 bilhão no mesmo período.
- IPCA-15: A gasolina não é mais a ‘culpada’ pela alta da inflação? Analista Matheus Spiess comenta quais devem ser os efeitos da prévia para os mercados; Confira no Giro do Mercado clicando aqui.
Os motivos que afugentam essa turma da Bolsa são mais do que conhecidos: a possibilidade de lucrar com juros altos na renda fixa, um tipo de investimentos mais conservador e, portanto, mais seguro, num momento em que o cenário internacional é sacudido por incertezas geopolíticas, como a guerra da Ucrânia e uma possível escalada da guerra de Israel contra o Hamas, e econômicas, como a inflação alta que castiga diversos países.
Gringos dão adeus ao Ibovespa (com a sua ajuda)
No caso dos gringos, a revoada parte da Bolsa brasileira para os Treasuries emitidos pelos Estados Unidos – um ativo que o mercado internacional convencionou ser o mais seguro do mundo, a despeito do crescente endividamento do governo americano, dos (tímidos) alertas de agências de classificação de risco e dos constantes riscos de shutdown, ou seja, da paralisação da máquina pública por falta de dinheiro.
Ainda assim, entre riscos e recompensas, os gringos preferem vender suas posições no mercado acionário brasileiro e investir esse dinheiro nos títulos americanos, à medida que o Federal Reserve aumenta os juros e sinaliza com novas altas. Entre março de 2022 e julho de 2023, o Banco Central americano elevou os juros básicos da faixa de 0,25% a 0,50% ao ano para o intervalo de 5,25% a 5,50%.
Para os brasileiros, que lidam atualmente com uma taxa Selic de 12,75% ao ano, parece uma ninharia. Mas, do ponto de vista dos americanos e de quem investe em seus títulos públicos, sempre acostumados a taxas baixíssimas, a taxa nominal oferecida foi multiplicada por 21 vezes em apenas 16 meses. Seria o mesmo que dizer que o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central brasileiro chutaria a Selic para 267,75% ao ano, entre hoje e fevereiro de 2025.
Assim, a alta dos juros americanos é irresistível para os investidores estrangeiros. “Isso provoca uma fuga de capitais do país; tanto é verdade, que vimos uma escalada do dólar”, explica Matheus Spiess, analista da Empiricus Research. “Mas esse movimento é observado em todo o mundo, e apenas se espraiou para o Brasil”, pondera.
Investidor institucional está escaldado com Bolsa brasileira
Já os investidores institucionais recorrem à renda fixa local para se abrigar das nuvens escuras no horizonte. Afinal, entre arriscar a futura previdência privada dos clientes no mercado acionário, e protegê-la com uma remuneração de, pelo menos, 12,75% ao ano, não há muito o que pensar.
Spiess lembra que os institucionais até voltaram para a Bolsa, após o rali entre março e julho, quando o Ibovespa acumulou uma alta de 25,16% entre a mínima do ano (97.926 pontos em 23 de março) e a máxima (122.560 pontos em 26 de julho). Foi um retorno arisco e breve, contudo.
Entra e sai: Veja quem está comprando as ações dos gringos na Bolsa brasileira (em R$ milhões)
Data | Estrangeiro | Institucional | Pessoa física | Inst. Financeira | Outros |
---|---|---|---|---|---|
24/10/2023 | -252,9 | -227,19 | 75,78 | 271,59 | 132,31 |
23/10/2023 | -682,71 | 325,92 | 141,21 | -5,34 | 220,92 |
20/10/2023 | -1.936,29 | 1.393,72 | 537,37 | -220,93 | 226,13 |
19/10/2023 | -196,73 | -44,3 | 61,7 | 64,03 | 115,31 |
18/10/2023 | 447,25 | -1.104,26 | 314,21 | 134,06 | 208,75 |
17/10/2023 | -312,72 | 18,28 | 176,67 | 137,75 | -19,99 |
16/10/2023 | 520,52 | -476,67 | -116,85 | 69,23 | 3,77 |
13/10/2023 | 405,36 | -503,58 | 225,09 | -42,42 | -84,45 |
11/10/2023 | 483,7 | -706,55 | 2,23 | 163,9 | 56,72 |
10/10/2023 | 309,55 | 36,1 | -391,6 | 2,39 | 43,56 |
09/10/2023 | 387,74 | -231,65 | -371,13 | 84,24 | 130,79 |
06/10/2023 | -399,4 | 234,51 | -151,47 | 218,39 | 97,97 |
05/10/2023 | -391,69 | 84,74 | 144,41 | 55,57 | 106,98 |
04/10/2023 | -39,02 | -253,4 | 67,3 | 80,47 | 144,65 |
03/10/2023 | -514,24 | -188,82 | 446,99 | 49,54 | 206,53 |
02/10/2023 | -557,71 | -17,98 | 380,68 | 63,69 | 131,32 |
Saldo líquido | -2.729,29 | -1.661,13 | 1.542,59 | 1.126,16 | 1.721,27 |
Fonte: B3
“Neste patamar de Selic, os institucionais ainda não estão confortáveis com a Bolsa”, observa Spiess. “Eles vieram depois do rali, mas sem convicção, porque ainda estão machucados, diante daquele ciclo muito ruim de julho de 2021 a março de 2023”.
Como todo estudante de primeiro semestre de Economia sabe, só existe mercado, porque vendedores encontram compradores. Se os gringos e os institucionais saem da Bolsa, quem compra essas ações e ocupa seus lugares? Novamente, vale a pena conferir as posições líquidas na Bolsa até o dia 24 de outubro.
Empresas listadas na Bolsa apostam em si mesmas
Os investidores classificados como “Outros” lideram as compras líquida, com R$ 1,7 bilhão. Em seguida, vêm as pessoas físicas, que já acumulam um saldo positivo de R$ 1,5 bilhão neste mês. A conta fecha com as instituições financeiras, como bancos e gestoras, com R$ 1,1 bilhão.
A grande maioria dos “outros” é representada por empresas listadas na Bolsa com programas de recompra das próprias ações em andamento. Há cerca de 90 deles neste momento. Segundo Spiess, esses programas “são muito bem-vistos, quando o preço da ação está baixo e com múltiplos atrativos”. Assim, as próprias empresas sinalizam para os demais investidores que vale a pena comprar seus papéis.
“Vemos muito disso [recompra de ações] hoje, o que mostra que a Bolsa brasileira está, de fato, atrativa em termos de preço”, acrescenta o analista da Empiricus.
De certa forma, o mesmo vale para bancos e gestoras, que enxergam no mercado acionários boas oportunidades de investimento. Afinal, como o megainvestidor Warren Buffett afirmou certa vez, é na maré baixa que se descobre quem estava nadando pelado. Bons papéis castigados por um cenário macro adverso são apetitosos para quem sabe onde encontrá-los – caso de gestores profissionais e tesourarias de bancos.
Ibovespa, Bolsa, gringos: o que você tem a ver com isso, afinal?
E, então, chegamos aos investidores pessoa física – o elo que inspira mais cuidados nesta cadeia de compra e venda de ativos de risco. Primeiro, pela diversidade de tipos e interesses que compõe esse grupo. Há quem esteja retornando à Bolsa tardiamente, embalado pelo rali que atraiu estrangeiros e institucionais há alguns meses.
Há, também, aqueles que, com razão, afirmam que a Bolsa segue barata e, portanto, seguem o velho conselho de comprar na baixa para vender na alta. E, por último, há os que têm maior desenvoltura no mundo dos investimentos e buscam teses de qualidade e longo prazo.
Trata-se, sem dúvida, de um movimento bem-vindo, já que o Brasil ainda está muito atrás dos países desenvolvidos, quando se compara o número de pessoas físicas que investem na Bolsa aqui e lá. Mas, como sempre, é preciso cuidado.
“Lembre-se de que valuation não é um gatilho de curto prazo”, alerta Spiess, da Empiricus. Traduzindo: os bons fundamentos que justificam a compra de uma ação não serão suficientes para impulsionar sua alta no curto prazo. Será preciso paciência – algo que a maioria dos pequenos investidores não tem.
“A menos que essas pessoas estejam comprando teses de qualidade e estejam dispostas a segurar esses ativos por, pelo menos, 12 meses, podem se machucar ao saírem em breve”, lembra ele. Sem esse exercício de paciência, tudo o que o pequeno investidor fará é servir de porta de saída da Bolsa para os estrangeiros e os institucionais, agora, e porta de entrada para os mesmos daqui um tempo, ao vender seus papéis.
“É preciso comprar e manter essa posição, porque, caso contrário, você será só mais um no banquete dos investidores estrangeiros, que podem se dar ao luxo de sair a qualquer preço, porque são muito grandes e as posições brasileiras são pequenas dentro do portfólio deles”, explica Spiess. Resumindo: já que você voltou para a Bolsa, tenha paciência e não saia correndo ao menor sinal de volatilidade. Fazer isso seria o mesmo que chegar, quando uma festa está no fim, e sair antes que outra comece.