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Ibovespa: 100 dias de Lula e o risco de perder os 100 mil pontos; o que esperar para índice?

09 abr 2023, 17:00 - atualizado em 09 abr 2023, 10:29
Lula
Lula chega ao 100º dia com Ibovespa em queda de 5% ao ano (Imagem: REUTERS/Adriano Machado)

O Governo Lula chega aos primeiros cem dias de governo com uma bolsa de valores decepcionante. O Ibovespa, principal índice acionário de referência do Brasil, acumula queda de 5% no período, encerrando o último pregão, na quinta-feira (6), no limiar dos 100 mil pontos.

Apesar dos riscos internacionais que rondam os mercados, como a quebra de bancos regionais nos Estados Unidos e o resgate ao Credit Suisse, o que pesou mesmo no Ibovespa foi a situação interna, destacam especialistas ouvidos pelo Money Times.

Tanto que o principal baque sentido pela bolsa foi a ‘Selic Day, um dia após o Copom manter a taxa básica de juros em 13,75% na reunião de março.

Mais do que isso, o comunicado foi considerado duro. A mensagem não só indicou que os juros básicos vão continuar estacionados onde estão, como também alertou para a possibilidade de novas altas.

O fato deixou a renda variável de “cabelo em pé”. Afinal, uma queda da Selic era esperada já em junho, mas se tornou algo mais difícil.  Com os juros elevados, além da renda fixa ganhar atratividade, as empresas listadas na bolsa também lucram menos, devido às margens mais pressionadas.

Em busca de respostas, o Money Times conversou com analistas para entender o porquê da bolsa ter derrapado nesses 100 primeiros dias de governo e o que esperar para os próximos meses.

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Governo atrapalhado?

Para analistas, parte da culpa pelas incertezas que ajudaram a jogar o Ibovespa perto dos 100 mil pontos é do governo devido a algumas mensagens ‘atrapalhadas’.

“O governo começou a emitir sinais ruins, como o retrocesso de reformas, e depois desistiu e foi para o arcabouço fiscal. Ficou nesse ‘reme-reme’, o que acabou por influenciar o mercado como um todo”, discorre Jason Vieira, estrategista-chefe da Infinity.

Com essas idas e vindas, Matheus Spiess, da Empiricus Research, avalia que o explica o desempenho do Ibovespa até aqui é a ‘desancoragem’ das expectativas diante das incertezas sobre o arcabouço fiscal.

Além disso, Spiess destaca que o Ibovespa andou na contramão do mundo. “Nós podemos até discutir as distorções nas bolsas dos EUA no primeiro trimestre, derivado da crise bancária, mas é bem verdade que o Brasil andou para trás, enquanto o restante do mundo até que conseguiu respirar”, diz.

Até aqui, o S&P 500 acumula alta de 7,34%, enquanto a Nasdaq dispara 16,38%. Os índices reagiram bem ao ‘socorro’ rápido aos bancos regionais dos EUA que entraram em colapso.

Além disso, o mercado torce para que a quebradeira sensibilize o Federal Reserve e que Jerome Powell anuncie uma pausa no ritmo de alta dos juros para controlar a inflação elevada.

Com isso, Marcelo Nantes, gestor de renda variável da ASA Investments, lembra ainda que o primeiro trimestre foi bastante difícil na economia real, principalmente a brasileira.

“Vemos as condições macroeconômicas piorando, a atividade mais devagar, principalmente no varejo, e isso tem impactado na bolsa. Começamos a conversar com as empresas, entender como foi o primeiro trimestre, e, de um modo geral, temos visto o período um pouco mais fraco do que se esperava”, diz.

Durante a apresentação do arcabouço, o ministro Fernando Haddad afirmou que o governo anunciará medidas para garantir um incremento de receitas (Imagem: REUTERS/Adriano Machado/File Photo)

Arcabouço fiscal e o Ibovespa: agora vai?

Com o arcabouço entregue, a visibilidade da Bolsa melhorou. Porém, ainda restam dúvidas sobre o texto e como o governo vai garantir receitas para fechar as contas sem criar novos tributos.

Prova disso é que a disparada do Ibovespa logo após a divulgação do projeto não teve continuidade. O índice acionário não conseguiu se manter em um patamar muito acima dos 100 mil pontos.

“O arcabouço carece de detalhes. Ele tem premissas relativamente otimistas demais para o atual cenário. O Ibovespa vai continuar andando de lado. O governo precisa ajudar a não atrapalhar”, declara Vieira, da Infinity.

Já Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, ressalta que não dá para julgar a reforma fiscal “como se fosse o [ex-presidente do Banco Central, Henrique] Meirelles o ministro”.

“Poderia ser uma regra frouxa e não foi isso que aconteceu. Não está tão solto como poderia ser”, argumenta.

Spiess, da Empiricus, também afirma que o texto poderia ser pior. “O arcabouço não é uma nota zero, e isso seria um desastre, mas está longe de uma nota dez. Ele tem os seus méritos, mas tem várias críticas que podem ser feitas, em especial ao nível de arrecadação e a dependência do crescimento da carga tributária”, observa.

Durante a apresentação do arcabouço, o ministro Fernando Haddad afirmou que o governo anunciará medidas para garantir um incremento de receitas em até R$ 150 bilhões neste ano.

O analista da Empiricus lembra ainda que o texto precisa passar pelo Congresso Nacional, onde há chances de se tornar mais expansionista. “O Congresso, na média, é mais ‘gastão'”, completa.

Já Nantes, da ASA Investments, vê o arcabouço, junto com a reforma tributária, tirando parte do risco do cenário futuro. “O arcabouço poderia ter sido melhor, mas pelo menos você tira uma incerteza grande. É positivo o governo sinalizar certa preocupação com o controle de gastos, mas parece que veio aquém”.

Ele esperava um texto um pouco mais rígido no aspecto de despesa. “O governo, no fundo, estipulou um piso de gasto. Ficou claro que para esse arcabouço fiscal ter sucesso, o governo precisa de mais arrecadação”, assevera.

Haddad: Grata surpresa

Mesmo que os analistas e gestores mantenham sua visão crítica em relação ao governo, o ministro da Fazenda tem sito elogiado por sua postura de mais austeridade com as contas públicas.

“Até o momento, ele tem sido uma agradável surpresa no sentido de que tem demonstrado preocupação com déficit fiscal. Tem sido bem mais vocal na questão arrecadatória e falado da eliminação de alguns ‘jabutis'”, pondera o gestor da ASA.

Spiess, da Empiricus, destaca a equipe de Haddad como um ponto positivo do governo neste primeiro trimestre. “O governo tem atrapalhado, em especial na política, mas existem áreas salutares. A própria equipe econômica merece destaque porque estão trabalhando nesse ambiente tão incerto”, acrescenta.

Na última semana, a XP soltou relatório em que afirma que Ibovespa pode chegar a 128 mil pontos (Imagem: Patricia Monteiro/Bloomberg)

É hora de investir em bolsa?

De acordo com a plataforma Oceans 14, o Ibovespa está com um preço sobre lucro (P/L), uma das principais métricas para verificar se uma ativo está barato ou caro, de 4,89x, o menor desde 2003, quando Lula assumiu o seu primeiro mandato.

“Já tivemos momentos em que a bolsa estava barata, mas por tanto tempo é difícil verificar na história, pelo menos no pós-Plano Real”, vê Spiess. Para ele, basta a bolsa ter um ‘desvio padrão’ para voltar a subir. “Ela não precisa voltar para padrões de média histórica”, diz.

Por outro lado, o gestor da ASA não vê a bolsa a níveis atrativos, principalmente em comparação com a renda fixa.

“Com os níveis de juros que temos, a bolsa não está barata. Hoje para o investidor que quer alocar o capital, pega um CDI a 13,75%  e você consegue outras opções de investimento muito mais atrativos”, esclarece.

Outro ponto é que as empresas precisam contrair dívidas para crescer em um momento de disparada dos juros. “Ou seja, o retorno sobre o capital que ela vai tomar do banco tem de ser muito acima de 15%. Se existir uma perspectiva de queda de juros, aí sim a bolsa volta a ter bom desempenho”.

Na última semana, a XP soltou relatório em que afirma que o Ibovespa pode chegar a 128 mil pontos.

“Na nossa opinião, o Brasil continua com um desempenho superior relativo aos mercados globais em grande parte devido aos níveis de valuation ainda bastante atrativos”, discorre o trio.

Ações em destaque nos cem dias

As ações dos setores de consumo, além das construtoras e empresas de educação, eram dadas como as ‘grandes vencedoras’ com a eleição do presidente Lula. Porém, poucas companhias corresponderam à expectativa. O Índice de Consumo (ICON) da B3, por exemplo, derrete 14,71% neste ano.

“Já não há muitos instrumentos disponíveis ao governo para conseguir fazer estímulos ao consumo. O que tinha de ser feito, foi feito. Agora precisa do crescimento econômico e não do governo”, explica Vieira, da Infinity.

Por outro lado, Cruz da RB Investimentos, diz que há sim algumas empresas que conseguiram surfar bem no início do governo Lula.

“Temos Plano & Plano (PLPL3) e subiu 34% esse mês. Existem sim empresas de consumo indo bem. É claro que só por ser de consumo, não quer dizer que vai se destacar. Precisa estar com a operação redonda. Precisa fazer a seleção de ações, não é só escolher o setor”, declara.

A XP nota que o varejo, por exemplo, segue arriscado. Por isso, é preciso ter postura mais conservadora e cautelosa. A corretora tem preferência por empresas que:

  • são resilientes, por conta do seu segmento ou público alvo;
  • contam com uma tendência sólida de resultados, principalmente puxada por crescimento orgânico e/ou iniciativas internas;
  • têm um histórico de entregas comprovado seu negócio e
  • têm um nível de valuation atrativo, com um P/L 2023 descontado e/ou P/L ajustado para crescimento abaixo de 0,5x.