Opinião

Helio Pio: “Ano de 2020” – o ano em que se separou o joio do trigo na renda fixa e crédito privado

21 dez 2020, 9:17 - atualizado em 21 dez 2020, 9:17
Todos os fundos permaneceram, durante toda a pandemia, enquadrados não só nos limites legais da CVM, mas também nos “soft limits” internos, que são ainda mais rígidos (Imagem: Divulgação/Devant)

Nem nas mais criativas ficções hollywoodianas sobre Wall Street seria possível imaginar um roteiro com tanto suspense, drama, ação em escala global e reviravoltas surpreendentes para o mercado financeiro como o “Ano de 2020”.

Principalmente quando nos referimos ao mercado brasileiro de renda fixa e crédito privado.

O filme “Ano de 2020” começa com os investidores se reestabelecendo de um susto dado no último trimestre de 2019, quando o brasileiro descobriu que, “sim”, também o mercado de renda fixa e crédito tem volatilidade e pode comportar perdas.

Constatou isso da pior maneira possível, vendo suas economias e cotas dos fundos refletindo perdas referentes a um ajuste técnico das taxas praticadas. Esses ajustes na precificação das letras financeiras e debêntures resultaram em um impacto significativo na rentabilidade da indústria de fundos dessa classe.

Como numa “espiral negativa”, termo muito utilizado pelos “traders” de renda variável, os investidores se depararam com rentabilidades ruins, resgataram seus recursos e, consequentemente, muitos fundos tiveram que vender seus ativos a mercado, o que gerou ainda mais rentabilidade negativa e perda de patrimônio líquido para boa parte deles.

Mas, assim como no filme “O Dia Depois de Amanhã”, após a tempestade vem a bonança, e o “Ano de 2020” começou exibindo rentabilidades bem acima das propostas originais dos fundos, o que permitiu a recuperação de parte significativa das perdas causadas no final do ano.

Esses ganhos esses decorreram do fechamento dos spreads, do carrego dos ativos e da redução dos resgates, além do amadurecimento do mercado, que deixou investidores mais antenados às oportunidades, observando um “timing” para lucros nos médio e longo prazos. Foi um início de ano muito promissor e com a expectativa de que, após o Carnaval, quando o ano começa de fato para a maioria dos brasileiros, teríamos um aumento significativo do fluxo de aplicações. Mas como em todo bom roteiro, muitas surpresas ainda estariam por vir.

Reportagens, que antes tinham pouco destaque no noticiário, somadas a uma exacerbada preocupação dos “sempre” pessimistas, começaram a ganhar as manchetes e a chamar a atenção do mundo.

E, assim como nas produções dos grandes estúdios de Hollywood, em que os líderes se reúnem em uma “war room” para impedir o avanço de uma ameaça global, governos e pesquisadores começaram a arquitetar e a tomar medidas urgentes, frente ao aumento exponencial de casos de Covid-19 no mundo.

Uma onda de preocupação começava a ganhar vulto e a tomar conta de uma maior parcela da população. Mas aquela vontade de não querer acreditar ainda dominava as férias de verão e o Carnaval dos brasileiros,

até que tivemos o primeiro caso confirmado em nossas fronteiras, precisamente no dia 26 de fevereiro.

Como num piscar de olhos, o rumo da narrativa do nosso filme mudou e presenciamos algo totalmente inédito: todos abandonando as estações de trabalho, escolas fechadas e as nossas rotinas alteradas para ficarmos reclusos em nossos lares com todos os cuidados possíveis para não sermos contaminados pelo “desconhecido”. Por esse tal de Coronavírus.

Como tudo que é desconhecido causa pânico, medo e uma corrida irracional para uma zona de conforto e segurança fictícias, não foi diferente no cenário dos investimentos. O brasileiro começou a se desfazer de suas posições em ações, fundos multimercados e fundos de renda fixa e crédito, motivado pelo medo de um colapso econômico e da potencial “quebradeira” das empresas.

Todo esse movimento de resgate de recursos, somado a uma aversão global a risco frente às incertezas, resultou em uma inédita falta de liquidez no mercado secundário dos ativos com baixíssimo risco de crédito, movimento jamais presenciado.

Ativos brasileiros com “rating” AAA, concedido pelas maiores agências de rating do mundo, que antes eram negociados em torno de CDI +1%, estavam sendo oferecidos ao mercado a CDI +5%, sem despertar o interesse de compra.

Diante da perspectiva de uma recessão global, com desemprego galopante e pequenas e médias empresas fechando as portas, o nosso mercado doméstico de renda fixa e crédito amargou os péssimos meses de março e abril.

A preocupação dos órgãos reguladores era tanta que o Ofício-Circular nº 6/2020/CVM/SIN, de 26/03/2020, veio para permitir o desenquadramento da nossa classe de fundo de forma passiva na parcela de crédito estruturado. A medida foi tomada a fim de evitar um colapso de alguns fundos. “Situações extremas exigem medidas extremas”, defendiam alguns profissionais do mercado financeiro.

Como em todo bom filme, no momento mais crucial é que alguns personagens se revelam e buscam um caminho para reestabelecer a ordem e a normalidade.

Longe de querermos bancar os super-heróis, mas percebemos que   havia chegado o momento de mostrarmos o valor de termos executado, ao longo dos anos, toda uma política de austeridade nos controles de caixa, processos criteriosos de seleção dos ativos, acompanhamento dos emissores, controles de passivos e controle rígido dos limites de risco.

Mais do que nunca, também havia chegado a hora de reforçar o compromisso assumido com os nossos clientes e investidores.

Nós, da Devant, sempre tivemos a convicção de que bons ativos, bem precificados, com estrutura robusta de garantias e 100% auditados, são de fácil entendimento para potenciais compradores. Se, além disso, as taxas forem atraentes, é mais do que natural que tenhamos investidores interessados.

Como diz Bruno Eiras, sócio-fundador da Devant Asset: “os CRIs com lastro pulverizado que temos em carteira são como pão quente saindo do forno, sempre com fila na porta da padaria para comprar.”

O resultado desse cuidado é que, em plena pandemia, comprovando nossa liquidez e o acerto de nossa filosofia de atuação, vendemos uma parcela de cada um dos ativos de crédito estruturado que temos em carteira. Desta forma, mantivemos todos os ativos marcados a preço de mercado junto ao administrador, mostrando os papéis em sua real precificação.

Além disso, todos os ativos “high yield”, de crédito estruturado, foram negociados a preço de compra ou com ganho, mesmo  no período mais crítico.

Todos os fundos permaneceram, durante toda a pandemia, enquadrados não só nos limites legais da CVM, mas também nos “soft limits” internos, que são ainda mais rígidos.

Fizemos um movimento de defesa das carteiras, mantendo grande parte dos ativos “high grade” a carregos bem elevados, para podermos surfar a onda da volta dos spreads das debêntures e letras financeiras e entregamos uma recuperação significativa aos nossos cotistas após a fase mais aguda da pandemia.

Chegamos ao final de um 2020 ainda repleto de incertezas. Sem vacinas aprovadas no Brasil, com o início de uma segunda onda no número crítico de casos de Covid e sem conseguirmos mensurar com exatidão que escala de impacto essa crise ainda pode gerar na economia.

Mas, por outro lado, temos a plena convicção de que fizemos do limão uma limonada e de que entregaremos resultados bastante sólidos e surpreendentes aos nossos investidores. Estamos prontos para dizer: que venha 2021!

“Coming soon”, esperamos falar para você: Happy end!

Dentro do possível: boas-festas para todos!