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Helena Margarido: A Metamorfose de Franz Kafka e o mercado na pandemia

30 jul 2020, 11:43 - atualizado em 30 jul 2020, 11:45

Ibovespa Mercados queda
“Numa relação causa-efeito, não se enganem: a Covid-19 não deu origem ao atual problema econômico”, diz a colunista (Imagem: REUTERS/Amanda Perobelli)

Recentemente, decidi reler “A Metamorfose”, de Franz Kafka. Para quem não conhece a história, o personagem principal é Gregório (ou Gregor, a depender da tradução), uma pessoa que odiava o trabalho, mas tinha nele sua única função na vida.

Ele morava com a família, que enfrentava dificuldades financeiras, então dinheiro era a única preocupação comum.

Resumindo bem: um belo dia, ele acorda e se vê literalmente transformado em uma barata gigante e asquerosa. Por conta disso, deixa de trabalhar.

A família o isola do resto do mundo e, apesar de uma certa ajuda da irmã no início, a situação de Gregório vira motivo de um certo rancor pelo agravamento da situação financeira e por sua completa inutilidade.

Afinal, o que uma barata gigante poderia fazer de útil?

O final é triste, e aqui tem um spoiler para quem não leu: Gregório morre, abnegado e abandonado por sua família, de inanição.

Narrativa à parte, o que me chamou atenção nessa releitura foram duas coisas. A primeira é que Gregório aceitou relativamente bem sua transformação quase bizarra pois, no fim das contas, ele apenas adquiriu o corpo físico da forma como já ele (e provavelmente muita gente) se sentia por dentro. A segunda: o esforço todo da família em reestabelecer a normalidade e manter as aparências, que levaram ao completo abandono de um de seus membros. Por isso mesmo, a obra é um tapa na cara da hipocrisia humana.

Trazendo isso para os dias atuais, até que ponto tudo que estamos vivendo agora não mostra que, da maneira como o mundo havia sido construído e estava “girando”, todos nós acabamos por virar o grande vírus deste planeta?

Afinal, verdade seja dita: à parte do estresse psicológico causado pelas incertezas deste momento, nosso ar está menos poluído e nosso cansaço físico causado por pouco sono e muito engarrafamento está bem menor, por exemplo. Isso só deixa claro o quanto estávamos fazendo mal uns aos outros e ao nosso planeta, assim como um vírus para o qual não se tem a cura.

Outro ponto é o seguinte: como na obra, é nítido o esforço sobre-humano que se está fazendo para retomar nosso “antigo normal”, a ponto de haver uma total e completa inversão de valores.

Essa é a grande crítica a respeito da flexibilização do isolamento social sem que haja cura nem vacina. E, independentemente de qual seja minha opinião a respeito, até eu já ponderei muito a questão toda do “fique em casa” versus o impacto econômico que isso causa.

A retomada da vida como ela era tem muito mais a ver com o aspecto psicológico da questão. As pessoas têm a necessidade de se sentirem seguras e amparadas, por isso, mudanças bruscas não são bem aceitas por muitos de nós.

Entretanto, uma pessoa muito sábia uma vez me disse algo que levo pra vida: “até a merda é macia e quentinha”. E esse, meus caros, pode ser exatamente o lugar a que leva nosso comodismo.

Coronavírus
“Até eu já ponderei muito a questão toda do “fique em casa” versus o impacto econômico que isso causa”, revela Helena Margarido (Imagem: REUTERS/Amanda Perobelli)

Nos últimos dias, tenho lido incontáveis artigos sobre recuperação do mercado financeiro e de capitais no mundo. Por um lado, empresa X anunciando novo IPO bilionário e banco Y falando que não confia na tese de investimento em ouro. Já sobre os impactos de a economia americana literalmente imprimir mais de US$ 2 trilhões, nada. A respeito da destinação de boa parte desse dinheiro novamente para as “too big to fail”, nada. Sobre todas as repetições de condutas acontecidas antes, durante e depois da crise de 2008, nada.

Afinal, é muito mais cômodo massagearmos os egos uns dos outros a fim de acreditarmos que não somos esse bicho nojento por dentro, e a forma como nossa economia e sociedade rodam hoje fazem sentido, com apenas pequenos ajustes a serem feitos.

Mas, numa relação causa-efeito, não se enganem: a Covid-19 não deu origem ao atual problema econômico. Como é próprio de um catalisador, ela apenas fez com que o resultado de políticas, no mínimo, questionáveis, ocorresse mais rápido e de forma mais drástica.

Exatamente por ser uma tecnologia que se opõe a todo esse status quo de forma literal – há grandes críticas do próprio Satoshi Nakamoto sobre os desdobramentos da crise de 2008 e foi ela, por sua vez, um dos grandes catalisadores da criação do Bitcoin (BTC) – aqueles que conhecem o assunto não se espantam com a retomada do movimento de alta a longo prazo iniciado nessa última semana: nos últimos 7 dias, o BTC acumula alta de quase 20% e o ETH, moeda digital do protocolo Ethereum, superou os 30% no período.

A crise atual é a “prova de fogo” do mercado de criptomoedas que, como acreditava, estão se saindo extremamente bem: boa parte dos criptoativos estão sendo negociados hoje a preços superiores ao período anterior à Covid-19.

Tentar retomar a “vida normal” sem considerar tudo isso é uma utopia. Sim, é muito mais fácil “trancar uma barata gigante no quarto e esperar que ela morra de fome” do que reconhecer que temos um problema e lidar com ele.

Mas uma hora a conta chega, e a juros mais astronômicos que de cheque especial. Será que, se continuarmos procrastinando, teremos como pagar?

Espero que tenha gostado desta newsletter.

Não fique de fora desta inovação, você pode ter acesso a todas as criptomoedas que eu indico neste link.

Até a próxima!

Um abraço,

Helena Margarido.

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