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Gustavo Ruiz: Investidor brasileiro assiste ao rouba-monte entre os bancos – mas e os clientes?

21 jul 2020, 18:12 - atualizado em 21 jul 2020, 18:12
Billions
“Fora das telas do Netflix e sem precisar pagar mensalidade, o brasileiro está acompanhando um capítulo épico e exclusivo do rouba-monte entre os bancos” (Imagem: Billions/ Facebook)

Como se não bastasse a adrenalina do cotidiano, a emoção da recuperação da Bolsa, o suspense do desenrolar do quadro político e o novo normal epidêmico, o mercado financeiro está proporcionando um prato cheio aos amantes da série Billions.

Fora das telas do Netflix e sem precisar pagar mensalidade, o brasileiro está acompanhando um capítulo épico e exclusivo do rouba-monte entre os bancos: roubam-se profissionais e escritórios, rouba-se audiência, apontam-se os dedos e doam-se coletes. Mas, no final, será que existe algum Robin Hood nessa história?

Diferentemente da ficção das telas, nesse caso não podemos pular para o próximo capítulo. Assim, uma pergunta que me faço é: quem de fato está usando todo esse momento para evoluir de verdade, não só como profissional, mas também para entregar o melhor para o cliente? O que muda trocar de uniforme, mas continuar entregando o mesmo para seu cliente, sendo que é para ele que trabalhamos?

O desafio está em como fazer com que a jornada evolutiva do profissional não atropele os interesses dos clientes. E tenho certeza que a tentação para que um “acidente” como esse aconteça pode ser grande, dado que os cheques nesse mercado são altos e podem desviar muitos da trilha.

Na semana passada, um grande escritório de assessoria de investimentos fez uma ruidosa mudança de instituição financeira. Não tenho dúvidas de que esse movimento só reforça que existe uma grande oportunidade profissional nesse segmento. Contudo, gostaria de analisar esse movimento pela ótica do cliente.

É admirável a história desses empreendedores que trocaram suas profissões estáveis, saindo dos bancos, ou aqueles que começaram do zero e criaram grandes escritórios vinculados a esses bancos ou corretoras com bilhões de reais sob gestão. São centenas de profissionais altamente capacitados e milhares de clientes satisfeitos.

Graças a muitos desses profissionais que o investidor brasileiro conseguiu ter contato com um novo mundo de investimentos. Foi e continuará sendo uma tarefa para poucos.

“Acredito que o futuro está na mão do profissional que consegue dosar a entrega de inovação para seu cliente” (Imagem: XP Inc./LinkedIn/Reprodução)

No mercado de distribuição de investimentos, existem dois grandes modelos de remuneração: o primeiro é mais antigo e difundido, no qual o profissional recebe comissões de acordo com o produto que vende para seus clientes. Já o segundo, vem crescendo muito e tem se tornado a primeira opção dos investidores. Nele, o profissional recebe um fee único que incide no patrimônio administrado.

Continuo acreditando que serão esses excelentes profissionais do mercado que permitirão que sua evolução e que mais clientes possam desfrutar desse movimento.

Para isso, acredito que o futuro está na mão do profissional que consegue dosar a entrega de inovação para seu cliente. Falar sobre o modelo de fee para o investidor comum há alguns anos, certamente não daria certo. Assim como há 10 anos seria uma loucura entrar num carro de um estranho, chamado por um aplicativo, guiado por um mapa virtual, e pago através de uma e-wallet.

Sabemos que os motoristas de táxi não gostaram de ver essa nova indústria nascer, mas ela nasceu e cresceu muito rapidamente. Existiram os motoristas que entenderam, se adaptaram e descobriram que era aquele o novo jeito de atender melhor seus clientes, mas tudo só foi possível por que o cliente quis e porque era melhor para ele. Quando isso acontece, é algo muito difícil impedir.

Lógico que houve aqueles mais resistentes, que permaneceram no modelo antigo e a parte boa da história é que alguns deles ainda existem e juntos convivem com o novo modelo. Afinal, existem clientes para todos, aqueles que preferem andar de Uber e os que preferem táxi, mas confesso que nunca vi uma cooperativa de táxi abrir capital na bolsa.

O futuro sempre foi assustador e o clichê darwiniano cabe muito bem aqui: “Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças.”

Pode parecer novo, mas o modelo de fee que citei anteriormente já é dominante em países como Inglaterra e Estados Unidos e é o mais utilizado pelos investidores mais sofisticados em qualquer lugar do mundo. E mesmo se ele fosse novo ainda estaria sujeito a velha teoria da oferta e procura, se fosse pior não seria o dominante e não teria crescido expressivamente no mundo.

Assim, penso que todo esse movimento, as luzes e holofotes que foram acesas nos últimos dias não sirvam somente para iluminar o palco de personagens do mercado e sim para que que os espectadores e consumidores possam trocar a ultrapassada blockbuster para o do Netflix. Afinal de contas, Billions só conseguiu nascer lá.