Entrevista

Gustavo Heilberg: O empresário que virou gestor e hoje tem rendimento duas vezes maior que o Ibovespa

14 ago 2023, 14:52 - atualizado em 15 ago 2023, 12:02
Gustavo Heilberg, gestor da HIX Capital
Gustavo Heilberg, gestor da HIX Capital

Com uma trajetória um pouco diferente da maioria dos gestores do mercado financeiro, Gustavo Heilberg se sobressai como gestor de um fundo de destaque no mercado, o HIX Capital FIA. Fundado em 2012, o fundo tem hoje um ganho duas vezes maior que o Ibovespa desde sua criação.

Heilberg iniciou sua carreira no setor têxtil, mas junto ao irmão criou um clube de investimento já pensando em crescer e transformá-lo em um fundo. Com uma forte filosofia de “skin in the game” (pele em risco) — a HIX é a maior investidora do próprio fundo, com 15% de participação —, Heilberg viu sua carteira subir mais de 200% desde o início, contra 108% do Ibovespa. E uma das estratégias para conseguir esse resultado é olhar para as small caps.

Gustavo Heilberg é um dos convidados do Small Caps Masters, evento gratuito e online que ocorre entre os dias 22 e 24 de agosto em que os melhores gestores de small caps do Brasil irão comentar suas teses e apontar boas empresas para se investir. Clique aqui para se inscrever.

“Quando olhamos para uma small cap, gostamos de pensar que ela está uma small cap, e não que ela é uma small cap, no sentido de que a gente acha que com o tempo esse negócio vai se tornar uma empresa relevante, mais líquida, e, portanto, pode vir a ser uma large cap”, explica Heilberg em entrevista ao Market Makers.

Confira abaixo os principais pontos da entrevista com o gestor, em que ele explica as vantagens de ter atuado como empresário antes de ser um gestor, além de contar quais foram seus melhores investimentos e o que aprendeu com a ação que foi sua pior aquisição.

Market Makers – Qual a sua trajetória no mercado financeiro, como você começou e chegou onde está hoje?

Gustavo Heilberg – Eu comecei a HIX junto com o Rodrigo, meu irmão, mas sete anos antes disso a gente já investia em ações juntos através de um clube de investimentos. Durante esse período, a maior parte do tempo a gente passou liderando o processo de profissionalização de um negócio familiar chamado Grupo Scalina, uma empresa do setor têxtil, com operações industriais de varejo, cujo controle vendemos em 2010.

Esse clube era uma forma de a gente se manter conectado com outras empresas, outros setores, e trazer boas práticas. Aí nasceu a HIX, mas sabíamos desde o começo que queríamos ter clientes e queríamos construir um negócio maior. A gente achava que os clientes nos ajudariam com escala, com uma exigência por governança, gestão de risco.

Nós somos até hoje os maiores investidores do fundo. No começo era 100%, hoje é 15%. Todo gestor fala que tem capital no próprio fundo, mas eu acho que na proporção de 15%, para gestoras maiores, é pouco comum, então tem um alinhamento de interesse bem grande. Outra coisa que nos diferencia é esse lado de ser um empreendedor/empresário e que virou investidor, e não alguém que foi criado já no mercado pensando em investimento. Nós temos um jeito de olhar as coisas e pensar talvez um pouquinho diferente.

MM – E que lições você consegue aplicar no mercado financeiro do fato de ter vindo deste lado de empresário?

GH – Primeiro é um pouco tentar separar o ruído do sinal e o curto prazo do longo prazo. Numa empresa acontecem negócios todos os dias, tem venda, tem produção, tem negócio todo dia, mas os grandes drivers e as grandes estratégias, essas são as mais relevantes a considerar para o longo prazo. E acho que quando você vem para o mercado não é muito diferente: todo dia sai uma notícia, mas no final são algumas poucas coisas que realmente definem o caminho que o negócio está indo.

A gente acredita que grande parte do retorno vem do crescimento de lucro das empresas ao longo do tempo, então pagar o preço certo é essencial, porque te traz a margem de segurança, mas o grosso do retorno vem do crescimento de lucro. Por sua vez, você entender bem o ambiente competitivo, entender o time que toca, o modelo de gestão, os incentivos, as vantagens competitivas, acho que são coisas que, quando você vive um negócio, discute de uma forma diferente.

MM – E qual é a sua filosofia de investimento, o que você olha antes de comprar uma ação?

GH – A gente não é um investidor exclusivamente de small caps, gostamos de olhar onde está a melhor relação entre risco e retorno. E quando olhamos para uma small cap,  gostamos de ver duas coisas: a primeira é que ela está uma small cap, e não que ela é uma small cap, no sentido de que, seja por uma circunstância, por causa do preço que ela está negociando, ou por causa da perspectiva de crescimento de lucro dela, a gente acha que esse negócio vai se tornar uma empresa relevante, mais líquida, e portanto pode vir a ser uma large cap.

Os nossos maiores retornos foram em empresas como a Eneva. Quando a gente investiu valia R$ 3 bilhões, hoje vale quase R$ 20 bilhões; a Sinqia, a gente investiu quando valia R$ 100 milhões, e hoje vale R$ 2,5 bilhões, e daqui a alguns anos provavelmente vai valer mais. Nós gostamos de coisas que estão small cap, mas são negócios grandes, a gente não gosta daquela empresa que já é small cap há muitos anos, porque está num mercado pequeno, ou não cresce, ou não tem a governança. Gostamos de negócios pequenos com potencial de virarem grandes.

E a segunda coisa é que a gente acha que, como são menos líquidas, deveria ter um prêmio para você investir nessas empresas, e como também é um mercado mais cíclico, tem momentos de certa euforia, e tem momentos onde a liquidez seca e esse negócio sofre muito, como é o momento que estamos vivendo agora.

Também somos oportunistas. Sendo small cap ou não, a gente gosta de olhar muito para as empresas que estão fora do radar, ou estão fora de moda, queremos que no tempo esse negócio possa fazer a diferença.

MM – Quando você avalia uma small cap ou uma large cap, tem alguma diferença, você procura coisas diferentes dependendo do tamanho da empresa?

GH – Não, é igual, para a gente é retorno e qualidade do negócio. Qualidade do negócio tem vários aspectos, tem o retorno sobre capital, concorrência,  governança, etc., e tem a liquidez, quanto menor a liquidez, maior o retorno que eu quero ver e maior a qualidade do negócio que eu quero ver. Basicamente o jeito que a gente olha é o mesmo. Talvez tenha apenas um aspecto que, quando a empresa é menor, em alguns casos a gente também faz o trabalho mais ativo, de tentar ajudar a gerar valor, catalisar algum evento. Se você vai investir no Itaú ou na Hapvida, enfim, a chance de conseguir fazer alguma coisa assim é mais baixa.

MM – E quais foram os melhores investimentos que você já fez, com os melhores resultados?

GH – Dois casos muito emblemáticos foram a Sinqia e a Eneva. O caso de Sinqia é que a gente investiu quando a empresa era completamente desconhecida, e nesse caso, fizemos barba, cabelo e bigode, porque fomos para o conselho, ajudamos a companhia. Enxergávamos um potencial grande de crescimento, e estando também no conselho pudemos ajudar a acontecer. Ajudamos ela a ganhar visibilidade, depois ela fez um follow on, então contribuímos e também soubemos segurar e surfar o desenvolvimento da companhia. Porque às vezes é fácil você pegar um negócio desses, comprado a 100, ver valorizar para 200, 300, e vender para botar o lucro no bolso e ir para a próxima. Mas quando você acha um negócio muito bom desses, que está no início do seu ciclo de desenvolvimento,  às vezes você tem 5, 7 anos para realmente pegar aquilo. Então esse foi um caso de mais de 10 vezes de valorização da ação e a gente acabou vendendo agora o controle da companhia.

Na Eneva, quando começamos a olhar, ela estava saindo da recuperação judicial, ela era a antiga MPX do Eike Batista. Ninguém olhava muito, era um negócio pouco líquido, mas os números pareciam interessantes, o negócio tinha tamanho, ela fazia R$ 1 bilhão de Ebitda, mas valia só R$ 3 bilhões, não tinha liquidez, mas tinha tamanho. Era um negócio complexo e a gente mesmo assim se dispôs a ir lá, olhar, estudar, e criamos uma visão muito diferenciada do ativo. Quando em 2017 a empresa veio fazer um follow on, então a gente montou uma posição grande, a maior posição do fundo e até fizemos um co-investimento.

E carregamos essa posição até hoje. Ela já foi maior, já foi menor, mas foi um caso em que a ação multiplicou por mais de 5 vezes, e não igual o Magazine Luiza, que depois caiu 80%. Multiplicou e está aí de fato, foi valor gerado.

MM – E como você lida com a questão de saber a hora de vender? Muito investidor acaba perdendo por segurar demais um papel, tanto quando sobe como quando cai, qual sua estratégia nesses casos?

GH – Imagina que todo dia o meu portfólio nasce em caixa e eu compro ele de novo nas posições que eu tinha antes. No preço atual, eu quero ter esse negócio ou não? Então a gente vai atualizando o cenário, sempre olhando qual é o retorno, como está evoluindo a qualidade dele, se mudou alguma coisa. As duas coisas mais difíceis que você tem para fazer é vender quando caiu, ou seja, realizar que você estava errado, e não vender quando subiu. Não tem uma fórmula mágica, mas precisa acompanhar muito de perto e estar super antenado, com as contas na ponta do lápis, com o conhecimento da dinâmica do que está acontecendo no negócio para poder tomar a melhor decisão.

MM – E agora conta pra gente qual foi o pior investimento.

GH – Foi o caso da Biotoscana, uma empresa que no IPO tinha uma expectativa muito interessante de crescimento, de novos medicamentos. A gente não comprou no mesmo momento do IPO, o negócio depois acabou caindo bastante e aproveitamos para comprar, mas neste momento saiu uma notícia que ela tinha perdido a licença de um contrato. Mesmo assim, quando a gente olhava para frente, a perspectiva de crescimento era muito maior, só que a gente ignorou um pouco o fluxo, olhamos demais para o fundamento. Então o mercado começou a vender e a gente foi comprando muito rápido. No meio do caminho teve um problema na Argentina, foi juntando esses problemas e o negócio chegou a cair uns 70%.

Foram dois erros: aumentar a posição muito rápido durante a queda, com medo de não capturar 100% da alta, e também o erro de ignorar esse fluxo. E a pena é que depois de um ano a empresa acabou sendo comprada com quase 100% de prêmio para a mínima, mas mesmo assim perdemos muito dinheiro. É engraçado que fomos acompanhar agora, olhar os resultados dela, e a gente estava certo no fundamento, a empresa de fato está entregando o que a gente esperava lá atrás.

MM – Sobre o cenário atual, com queda de juros, como você vê o momento para se investir no país, principalmente em small caps?

GH – Vale comentar que a gente oscila nos tamanhos de small e mid caps, a gente é meio agnóstico. Já tivemos 60% do fundo em small e mid caps, depois chegamos a 30% e hoje estamos com 80%. Tem muita oportunidade nesse espaço, mas isso não é um target, essa é uma consequência do processo de investimento. Além disso, quando você olha para o mercado como um todo, ele está muito leve, o nível de short na bolsa está alto, por qualquer métrica que você olhe. Se você olhar o nível de resgate de fundos, ele continuou alto até junho. E quando o mercado volta, small caps tendem a se beneficiar muito.

Em ciclos de corte de juros, tipicamente a bolsa vai muito bem, então se você pegar todos os anos de corte, você vê que normalmente ele vai bem. O momento — seja olhando para o que aconteceu de retorno histórico, seja olhando para o quão leve está o mercado — está muito bom.

Quando você olha para o Ibovespa, parece que ele não caiu muito, mas os índices de small caps (SMLL) e de consumo (ICON) se descolaram de forma absurda do Ibovespa. Então, o fato das commodities terem ido muito bem ano passado camuflou um pouco o quão barato essas coisas ficaram.

A conclusão é que o mercado está muito leve e o fluxo ainda não veio, mas quando ele vier, assim como a porta é pequena para a saída, ela também é pequena para a entrada. Tem muito fluxo para vir. Além disso, o mercado está muito barato, olhando para o fundamento, e você também consegue ver ainda que essas empresas que têm menos liquidez, em muitos casos, ainda estão mais baratas do que a média.

MM – Para concluir, o que você diria para um investidor que ainda está só em renda fixa, que tem medo de entrar na renda variável?

GH – Tem que ter uma carteira diversificada, tem momentos para ter bolsa e momentos para não ter bolsa. Assim, você deveria ter uma carteira com uma diversificação de classes razoável a todo momento. É isso que te dá a tranquilidade de ser anticíclico. A maior parte dos investidores é pró-cíclico, então, ele compra a bolsa quando ela subiu muito e está todo mundo comemorando, e ele vende quando está no desespero, lá embaixo, e isso reforça o ciclo negativo. Então, ele tendo uma carteira diversificada, aguenta passar o preço, mas no momento que está todo mundo desesperado, ele pode aumentar um pouco, e no momento que está na bonança, ele diminui um pouco.

Acho que diversificar e ser contra-cíclico são as grandes receitas, e não tentar ser Midas, né? Você escolhe a ação que mais vai subir ou o negócio que vai multiplicar por 5, por 10, mas não deveria ser esse o jogo para a maior parte das pessoas, deveria ser um jogo de: “eu vou fazer 150%, 130% do CDI ao longo do tempo porque eu tenho uma carteira diversificada”, são coisas boas que os investidores buscam, um pouco de bolsa, um pouco de NTN-B, um pouco de multimercados.

+ Conheça Rafael Maisonnave, o gestor da Tarpon que já lucrou 1.200% com small caps

+ Raphael Maia: o gestor que já ganhou 1.500% com small caps