Guilherme Enck: O que aprendi com o fundador do Nubank
Meus heróis não morreram de overdose. Pelo contrário. São indivíduos que usam da sua vivacidade, da sua energia e das suas faculdades intelectuais para criar novas soluções para grandes problemas e gerar valor aos indivíduos da sua sociedade. Quem me inspira é o quintessencial herói Randiano: o empreendedor.
Aqueles que me conhecem sabem que uma das poucas habilidades que me sinto confortável em dizer que possuo é a de manter um diálogo fluido com quase qualquer pessoa, possivelmente fruto de experiências pessoais e das três (re)leituras completas e atentas do clássico Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, de Dale Carnegie. Lamentavelmente, entretanto, justamente quando mais precisava recorrer a esta aptidão, ela me abandonou sumariamente, sem avisar para onde iria e me dar a chance de lhe recomendar que levasse um casaco.
Minha conversa com David Vélez durou 5 minutos. Mas, acredite, foi o suficiente para me ensinar uma lição poderosa sobre negócios, cultura organizacional e diferenciais competitivos.
Reputo o Nubank, por variados critérios, a startup mais bem sucedida da história do Brasil, e carrego uma forte admiração pelo seu fundador, representante arquetípico da classe dos empreendedores inovadores. Talvez seja justamente por esse motivo que, ao me encontrar frente a frente com ele, eu tenha me comportado conforme relato a seguir.
A conversa
A cada ano, no mês de abril, o Instituto de Estudos Empresariais (IEE) de Porto Alegre promove o já tradicional Fórum da Liberdade, um megaevento para o qual são convidados grandes pensadores, personalidades do mundo da política e dos negócios, bem como expoentes da promoção dos conceitos da filosofia liberal. Naquele ano de 2017, um dos convidados para palestrar no evento era o empreendedor por trás da mais badalada fintech do país.
Também eu empreendedor de uma fintech – a Deal Negócios Digitais (in memoriam) -, estava participando do Fórum como expositor, divulgando a minha empresa em um estande na área do evento destinada às startups. Enquanto tomava conta do meu estande, recebendo curiosos e repetindo, a cada vez, o mesmo monotônico e pasteurizado pitch de elevador, recebo uma mensagem de um amigo, membro-associado do IEE, conhecedor da minha admiração pelo colombiano:
“Estou aqui conversando com o David Vélez. Se quiseres conhecê-lo, vem até o saguão de entrada”. Prontamente, abandonei a minha posição, deixando um MacBook e demais pertences à mercê da sorte e da honestidade dos transeuntes.
Chegando no saguão, encontrei o meu amigo ali em pé, de braços cruzados, conversando sozinho com o David, que havia de fato dispensado a área VIP e o setor destinado aos palestrantes com todas as suas regalias. “Sou Guilherme, muito prazer em te conhecer!”, eu disse, apertando com entusiasmo juvenil a mão do meu interlocutor, que por sua vez retrucou confiante: “o prazer é todo meu, Guilherme. Meu nome é David”.
Ato contínuo, nos encontramos olhando um para a cara do outro, cada um com um sorriso amistoso, ao passo que um silêncio tão incompreensível quanto constrangedor tomava conta da interação. Eu vasculhava a minha cabeça à procura do que falar naquele momento, mas nenhuma palavra ou frase parecia ideal para a ocasião. O que houve com a minha habilidade de provocar o assunto? Onde estavam as milhões de perguntas que eu (e qualquer um) gostaria de fazer para o David, a fim de tentar ao menos absorver um fio de cabelo de toda a sua capacidade e experiência? O medo de não ser capaz de fazer a pergunta perfeita – aquela que faria o David se surpreender com a minha inteligência – havia anulado a capacidade de processamento do meu cérebro.
Tenho certeza de que o silêncio durou no máximo meia dúzia de segundos, mas este intervalo foi o suficiente para provocar uma miríade de emoções em cadeia: nervosismo, ansiedade, incompetência, impotência e, por fim, fracasso.
Finalmente, o silêncio foi quebrado pelo próprio David, que claramente havia percebido a minha incapacidade de dar continuidade àquela conversa. E a frase que ele usou para quebrar o silêncio foi: “Me conta de você, Guilherme. Com que você trabalha?”.
Sem pensar muito, engatei o mesmo surrado pitch que fazia aos visitantes do meu estande para apresentar a Deal, fazendo esforço para não soar tão ensaiado e enfadonho como das outras vezes. “Que interessante!”, respondeu ele, “esse é um mercado bem promissor sem dúvida alguma. Como você está pensando em resolver o problema da inconsistência das informações dos bancos de dados?”.
Era isso mesmo que estava acontecendo: David Vélez, fundador do Nubank, estava demonstrando interesse em mim. E o restante da conversa transcorreu da mesma forma, até que um membro da organização chamasse o David para que se preparasse para subir ao palco.
A conversa ficou registrada na minha cabeça, assim como também ficou registrada a frustração de ter tido a oportunidade de alguns minutos na presença de tamanha personalidade, durante os quais quem falou foi, infelizmente, eu.
Nos anos que se seguiram, com frequência flagrava a mim mesmo revivendo mentalmente aquela conversa, remoendo a forma como o papo se desenrolou e lamentando a grande oportunidade perdida. Eis então que, vários anos depois, em um desses momentos de lamúria silenciosa, tive um grande insight que provocou um dos maiores aprendizados da minha vida empreendedora.
O segredo dos grandes líderes
Da nossa conversa no Fórum da Liberdade, o que ficou evidente foi a incrível habilidade do David de, mesmo sendo ele uma das pessoas mais admiradas do Brasil, transmitir o sentimento de que a pessoa mais interessante daquela roda de conversa era, na verdade, eu.
Lembrei-me, nesse momento, de uma história relatada pela escritora Olivia Fox-Cabane no seu livro “The Charisma Myth”. A protagonista do relato é ninguém menos que a mãe daquele que seria, décadas depois, um dos maiores primeiros-ministros da história do Reino Unido, Sir Winston Churchill.
Na Inglaterra, durante a era vitoriana, o regime parlamentarista inglês viveu décadas de alternância de comando entre o Partido Liberal e o Partido Conservador.
Os expoentes de cada um dos partidos eram dois personagens que entrariam para a história do país, William Gladstone (Liberal) e Benjamin Disraeli (Conservador), os quais protagonizaram uma marcante disputa eleitoral no ano de 1874. Em que pese o fato de Gladstone ser um sujeito brilhante e possuir a fama de “saber de tudo”, Ben Disraeli saiu vitorioso das eleições, assumindo a posição de primeiro-ministro.
O motivo para a vitória eleitoral de Disraeli foi apontado por uma moça que havia jantado com cada um dos candidatos individualmente uma semana antes do pleito. A jovem em questão era Jennie Jerome, mãe de Churchill.
Ao ser perguntada por um jornalista acerca da sua impressão sobre Disraeli e Gladstone, Jennie respondeu: “Quando deixei a sala de jantar após a conversa com Gladstone, tive a certeza de ter estado diante da pessoa mais inteligente da Inglaterra. Contudo, quando estive com Disraeli, saí com a impressão de que a pessoa mais inteligente do país era eu.”
Disraeli havia feito Jennie se sentir uma pessoa especial. Ele lhe fez perguntas e demonstrou um interesse genuíno em conhecê-la melhor e escutar as suas opiniões sobre os mais variados assuntos. Disraeli possuía a rara, porém poderosa, habilidade de fazer as pessoas se sentirem importantes, valorizadas e respeitadas. Eis a habilidade secreta dos grandes líderes carismáticos.
O insight
Uma empresa apenas consegue sustentar um crescimento acelerado e saudável tal qual a trajetória do Nubank se este crescimento for escoltado pela construção de uma cultura organizacional forte, orientada à performance e ao cliente; uma cultura que incentive e promova práticas e comportamentos de sucesso, permeando toda a organização e os seus colaboradores.
Uma cultura saudável transmite clareza de quais são as ações e comportamentos desejáveis, bem como quais são terminantemente inaceitáveis. Uma cultura forte premia aqueles que são aderentes ao jeito de ser da organização, e marginaliza aqueles que estão destoantes.
A cultura é aquela força orgânica e invisível que orquestra os pequenos atos do dia a dia da empresa e direciona a tomada de decisão operacional, tática e estratégica, definindo os termos das interações dos colaboradores entre si e com os clientes.
Mas de onde surge e o que dá forma à cultura de uma organização? Essa descoberta foi uma das mais importantes lições que aprendi na minha vida de empreendedor e gestor de pessoas.
Não pretendo esgotar o assunto nestas linhas – ainda escreverei um longo artigo sobre o tema. Mas, em resumo, a cultura de uma empresa sempre é, em última instância, o espelho das crenças e das práticas dos seus fundadores. Estas são, por sua vez, o resultado da aplicação dos seus valores pessoais no seu dia a dia como gestores.
O corolário disso é que, ao fim e ao cabo, a cultura de uma empresa está direta e inevitavelmente correlacionada ao conjunto de valores pessoais dos seus líderes, e a força e frequência com que esses valores se manifestam é essencial para a formação de uma cultura forte.
Desnecessário dizer, tanto para os usuários do Nubank quanto para os que apenas escutam falar, que o maior fator de diferenciação do banco é a qualidade da experiência do usuário e do atendimento ao cliente. Essa é a maior marca do Nubank e ao mesmo tempo o seu maior diferencial competitivo. Afinal de contas, qual foi a última vez que um banco fez você se sentir especial?
Voltemos então para a conversa no saguão do Fórum da Liberdade. David Vélez elegantemente empregou o mesmo conceito de Ben Disraeli, e o fez de uma forma tão natural que me pareceu razoável supor que não fora algo forçado apenas para agradar ou passar o tempo, mas sim uma prática inerente à sua índole, à sua personalidade e, sobretudo, aos seus valores pessoais.
Não é mera eventualidade o fato de David Velez ter notoriamente demonstrado possuir entre seus valores o cuidado e interesse pelas pessoas e o fato de o Nubank ter no cerne da sua cultura fazer com que os seus clientes se sintam especiais. Pelo contrário: essa confluência é fruto da mais pura relação de causa-efeito. Os valores do seu fundador, revelados durante a nossa curta interação, estão perfeitamente refletidos na cultura organizacional da sua empresa, compondo aquilo que torna a sua empresa única diante das demais; o seu maior diferencial competitivo.
Justamente por saber disso, o colombiano relevou ter entrevistado cada um dos novos colaboradores do Nubank até que a empresa atingisse 130 funcionários, como forma de assegurar que o núcleo-duro inicial tivesse o necessário alinhamento cultural. Até hoje, a cada mês, David faz uma apresentação de cultura para todos os novos colaboradores.
“Enxergo o meu papel como CEO do Nubank da seguinte forma: a nossa cultura é um produto, e eu sou o Product Manager da nossa cultura. O papel do CEO é esse: criar uma cultura melhor a cada dia.”
No fim, supreendentemente, até mesmo a aparentemente fracassada conversa revelou ser, na verdade, um curso completo sobre cultura, empreendedorismo e gestão de negócios. Muito obrigado, David, por aqueles 5 minutos de conversa.