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Guerra na Ucrânia completa seis meses e reconfigura uma nova ordem global

24 ago 2022, 16:59 - atualizado em 24 ago 2022, 17:08
Guerra da Ucrânia completa 6 meses sem fim à vista. (Imagem: Serviço de Imprensa das Forças Armadas da Ucrânia/Divulgação via REUTERS)

A guerra da Ucrânia completa seis meses hoje, sem qualquer pista de que acabará num futuro próximo. A operação militar, a qual todos acreditavam ser uma vitória fácil para a Rússia, se tornou uma guerra travada ponto a ponto no mapa ucraniano, com devastadoras perdas humanas e impactos econômicos e geopolíticos duradouros.

A guerra da Ucrânia mudou o rumo das alianças globais, expelindo a Rússia da ordem ocidental e posicionando-a ao lado de China e Índia, em um novo polo de influência que fortalece os BRICs. Afinal, o Brasil também mostrou uma postura semelhante aos pares emergentes em relação ao conflito no Leste Europeu. 

O conflito na região também impactou decisivamente o cenário macroeconômico atual, que já vinha combalido pela pandemia. Porém, a invasão russa na Ucrânia disparou uma ‘corrida’ de apertos monetários por parte dos bancos centrais globais, com vistas a combater a maior crise inflacionária em nível mundial desde o início da década de 1980.

Mas como chegamos até aqui? Confira nossa recapitulação dos seis meses de guerra.

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A invasão do 24 de fevereiro

Durante a madrugada do dia 24 de fevereiro, Vladimir Putin autorizou o que chamou de “operação militar especial” em território ucraniano. O anúncio ocorreu em um pronunciamento aberto na rede de TV russa, quando  Putin fez a  leitura da “Carta ao Povo Russo”.

O documento evocava questões geopolíticas, históricas e locais para justificar a incursão militar que estava prestes a ocorrer. Comboios de veículos blindados, então, atravessaram a fronteira terrestre do leste da Ucrânia, infiltrando-se na região do Donbass. 

A invasão russa se espalhou pela Ucrânia, chegando a sitiar a capital Kiev semanas depois. Porém, a resistência das forças armadas ucranianas, que conta com o suporte logístico e militar do Ocidente,  não só frustrou os planos russos de uma campanha rápida, como também foi capaz de gerar severas casualidades aos exércitos invasores.

À despeito de múltiplas falhas militares, acusações de crimes de guerra e das sanções que pesaram contra a economia, hoje a Rússia controle mais de 20% do território ucraniano, em uma faixa que abrange o leste – o Donbass – e cidades portuárias estratégicas do sul como Mariupol e Kherson.

Segundo relatório da ONU datado do fim de junho, mais de 6 mil civis ucranianos morreram em decorrência da guerra. Ao todo, 6,6 milhões de refugiados deixaram o país.

Já do lado militar, é estimado que mais de 10 mil soldados ucranianos morreram em combate. Por outro lado, as casualidades russas variam de 14 mil a 80 mil, mas não há informações oficiais vindas do Kremlin.

A guerra econômica: economia russa enfraquecida…

Em menos de 72 horas após o início da invasão da Ucrânia, países do bloco ocidental correram para aprovar as primeiras sanções econômicas contra Moscou, a fim de dissuadir o esforço bélico de Putin.

Naquele momento, os alvos eram ativos de oligarcas próximos do presidente da Rússia, localizados fora do país. Além disso, a pressão dos governos ocidentais rapidamente fez com que bancos e empresas multinacionais interrompessem suas operações na Rússia, culminando com a exclusão do país de dimensões continentais do sistema de pagamentos internacionais (Swift). 

De lá para cá, a Rússia se tornou o país mais sancionado do mundo. São mais de 9.000 retaliações contra indivíduos e instituições, impactando severamente os prospectos da economia russa: é projetado que seu PIB caia entre 7 e 4% em 2022 e 3% em 2023.

Entretanto, não é apenas a Rússia que sente o efeito das sanções aprovadas: o mundo ficou mais caro. 

…E o mundo com pior a inflação em 40 anos

Como consequência, a inflação dos combustíveis se transformou em uma realidade presente em muitos países, à medida que o setor energético da Rússia, o terceiro maior produtor de petróleo do mundo, passou a sofrer os efeitos do isolamento nos mercados ocidentais gerado pelas sanções.

A redução da oferta de petróleo fez o preço da commodity disparar no primeiro semestre, com o Brent (a referência internacional) chegando a navegar acima dos US$120/barril em vários períodos durante os meses de março e maio.  O movimento de alta do barril acabou beneficiando os papéis de empresas petrolíferas, que reportaram nos dois últimos trimestres, lucros e dividendos recordes.

Do ponto de vista da comercialização do petróleo, as sanções indiretas (que recaem sobre pagamentos, manutenção de equipamentos, etc.) não acarretaram exatamente uma supressão da receita – um efeito desejado pelo Ocidente. Isso porque, com a obstrução do mercado ocidental, a Rússia se voltou para parceiros no Oriente com grande apetite, como China e Índia.

Os novos parceiros exclusivos da Rússia fizeram o país ter um superávit de US$ 166,6 bilhões nos primeiros sete meses de 2022, valor três vezes maior que o registrado em 2021. A balança comercial fartamente superavitária ajudou o rublo russo a recuperar terreno, após quedas de mais de 60% no início da guerra.

Da mesma forma, o Banco Central russo devolveu toda a alta promovida na taxa de juros, cortando-a para um nível pré-guerra, a 8%. No fim de fevereiro, o BC russo chegou a elevar o juro básico para 20%, de modo a apoiar o rublo.

Outra questão também considerada um ‘tiro pela culatra’ das sanções é o gás natural, desde a deflagração do conflito e a imposição de penalidades à capacidade produtiva russa, houve um aumento de 212% no preço do derivado fóssil.

A escalada de custos com o combustível têm sido um problema particularmente crítico para a Europa, visto que 40% de sua matriz energética depende da importação do gás natural da Rússia através de dutos continentais e do Nord Stream 1. Este último, opera atualmente com menos de 20% de sua capacidade.

A crise energética que assola a Europa Ocidental tende a piorar no inverno, haja visto o aumento da demanda de aparelhos aquecedores durante a estação. Segundo endereçou o presidente francês Emmanuel Macron à população francesa, “o próximo inverno requerirá sacrifícios”. 

A desvinculação da matriz europeia do petróleo e gás natural russos passou a ser vista pelos dirigentes da União Europeia como uma questão de sobrevivência do bloco, o que tem catalisado o comprometimento dos países-membros com uma transição energética para fontes mais limpas.

Precedentes da guerra

A guerra da Ucrânia remonta ao início da década de 1990, quando a dissolução da União Soviética levou à formação de 15 países independentes. Ucrânia e Rússia passaram a ser dois países distintos, mas com diversos aspectos culturais e étnicos em comum – cerca de 30% da população ucraniana tem a língua russa como nativa, boa parte situada no leste ucraniano.

As tensões entre as duas nações começaram em fevereiro de 2014, quando protestos de grande proporção (chamados de Primavera Ucraniana), liderados por ultranacionalistas ucranianos, deram condições políticas para a derrubada do presidente pró-Rússia Viktor Yanukovych. 

À época, o Kremlin reagiu energeticamente acusando o Ocidente de influenciar o curso das manifestações, com o intuito de minar os interesses russos nas negociações que a Ucrânia desenvolvia com a União Europeia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

A expansão ao leste, em direção às fronteiras da Rússia, da aliança militar ocidental (Otan) passou a ser vista como uma ameaça à segurança da Rússia. Com isso,  a incorporação da Ucrânia era vista como inadmissível para Moscou.

Menos de 20 dias depois da saída de Yanukovych, a Rússia iniciou a campanha militar que resultou na anexação da Criméia. A rápida ascensão de um governo pró-Ocidente também acelerou a eclosão, em março de 2015, de um guerra civil no leste da Ucrânia. 

O conflito envolveu separatistas, liderados por cidadãos de origem russa e apoiados por Moscou, e forças centrais, que recebem o suporte da Otan. Somente nos dois primeiros anos da guerra, morreram mais de 10 mil pessoas, em meio a várias violações dos tratados de cessar-fogo por ambas as partes conflagradas. 

Os eventos ocorridos no leste da Ucrânia entre 2014 e 2022 foram classificados no dia 24 de fevereiro por Vladimir Putin como “genocídio”. Para o presidente russo, esses são um dos fatores-base da expansão da Otan, deflagrando o início da atual guerra.

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