Guerra dos criptoativos: por que combates fortalecem o ecossistema?
Se investidores institucionais estão enrolando para entrar no mercado de cripto até a indústria “se acalmar”, terão que esperar sentados: combate e controvérsia fazem parte do DNA das cripto.
E assim como qualquer luta darwiniana, dramas de cripto são bem fundamentais para a saúde e prosperidade do setor como um geral.
Em qualquer outra indústria, embates seriam considerados “ruins para os negócios” e deviam ser evitados como se fosse a peste. Mas cripto não é como qualquer outra indústria.
O ethos que sustenta cripto é uma mistura diferente. Por um lado, o bitcoin nasceu de princípios “criptopunks” que enaltecem tecnologia, código de livre acesso, descentralização e desconfiança no governo e em autoridades centralizadas.
Ao mesmo tempo, o setor é caracterizado pela mentalidade por altos riscos e pela “febre do ouro”, comum aos novos mercados em ascensão que evoluíram dentro das atuais plataformas de redes sociais.
Os diretores da maioria das empresas de criptoativos são “millennials” e pessoas mais novas para aqueles que batalham on-line (seja em jogos, guerras de memes no Twitter ou negociação de criptomoedas) é a “segunda natureza”.
Eles veem as cripto como o mais recente jogo de soma zero, e jogam para ganhar.
Com tantas altcoins competindo por espaço, o comportamento tribalístico se dá pelos fortes incentivos econômicos, já que os criadores de tokens tendem a considerar ideologias de competição como uma ameaça séria para seu próprio bem-estar financeiro.
Uma oportunidade assimétrica de investimento
Cripto é uma indústria imatura que representa uma oportunidade assimétrica de investimento.
Para investidores que queiram ter uma posição nos novos protocolos de blockchain ou numa moeda digital descentralizada de um criador anônimo, os possíveis rendimentos são significantemente maiores do que os de qualquer indústria, mas também existem riscos.
Para investidores que estiverem prontos para entrar nesse sistema, é possível que a vantagem do pioneiro seja adquirida por aqueles que estiverem dispostos a aceitar um nível de caos e anarquia incomum nos outros setores.
As grandes combates sobre os criptoativos
Em indústrias mais maduras, grandes players tentam abafar seus conflitos, lutando as batalhas vibrantes do capitalismo por meio de campanhas, mercado aberto e competição saudável.
O capitalismo ocidental é característico por suas práticas de negócio implacáveis e pela sobrevivência da abordagem mais adequada, mas é difícil imaginar os CEOs dos maiores bancos de investimento discutindo abertamente no Twitter.
Até Steve Jobs, conhecido por sua volatilidade infame, deu o seu melhor para direcionar seus chiliques de temperamento a suas equipes de produto em vez de atacar Bill Gates em um fórum público.
Em cripto, o jogo é diferente. Pense em qualquer líder de pensamento em cripto, diretor de empresa ou chefe de protocolo. É possível que você encontre um exemplo de tweets ou declarações públicas deles que seriam barrados por uma equipe de assessoria por serem considerados extremamente inadequados.
Em 2016, Jihan Wu, antigo chefe da Bitmain, empresa de mineração, xingou um usuário no Twitter durante uma discussão sobre o tamanho pequeno da bifurcação do bloco. Hoje em dia, é um meme muito amado na comunidade de cripto.
Roger Ver, defensor do Bitcoin Cash (BCH), é conhecido por seu estilo ácido de debates.
Durante uma entrevista em vídeo com seu amigo John Carvalho, este alfinetou Ver ao usar um termo informal e negativo para Bitcoin Cash (“Bcash”) e depois o acusou de ter usado “sock puppets” (identidades falsas e fraudulentas) para dar apoio ao Bitcoin Cash.
Ver mostrou o dedo do meio e saiu furioso no meio da entrevista. É claro que a foto de Ver, com cara de bravo, mostrando o dedo do meio, também virou um meme muito adorado.
Há inúmeros outros exemplos de líderes de pensamento em cripto fazendo críticas abertamente a seus rivais ou indo muito além para defender posições filosóficas abstratas. Uma vez, Vitalik Buterin, um dos criadores da Ethereum, tuitou:
“Muitos ‘bitcoiners’ são defensores da legalização de todas as drogas. Eu não vejo a legalização de pornografia infantil como algo mais radical do que heroína.”
Buterin estava tentando falar sobre os valores liberais, mas, como você conseguiria imaginar o surto da equipe de assessoria e a queda das ações caso Tim Cook da Apple dissesse algo assim? Buterin deletou o tweet.
Não espere que os debates potentes ou que as brigas descaradas terminem. Por enquanto, em vez de unirem forças contra as instituições centralizadas, a diversa comunidade dos criptoativos continua dividida.
Por trás das inclinações demográficas sobre a cultura de memes e uma vida 100% on-line, estão os desacordos ideológicos sobre a futura direção da tecnologia.
As linhas de divisão
De um lado estão os puristas, que acusam os outros de enfraquecerem os princípios essenciais do blockchain. Do outro, estão as empresas, como Ripple, EOS e outras, que criticam os puristas por serem idealistas ingênuos.
Existem maximalistas do Bitcoin, que apontam para a dominância do criptoativo como evidência de que é “um blockchain para reinar todos os outros”, apesar dos inúmeros projetos que vão além do escopo. Existem aqueles que apoiam o Bitcoin Cash e ainda mais os que apoiam a visão de Satoshi Nakamoto.
Homens adultos, que têm prazer em passar dias discutindo com estranhos na internet sobre qual solução de escalabilidade do Bitcoin está mais alinhada com a visão original de Satoshi Nakamoto, de um sistema de dinheiro eletrônico “peer-to-peer”.
Toda altcoin, de ether (ETH) a litecoin (LTC), tem sua própria comunidade de apoiadores, em que todos têm interesse financeiro investido para ver sua moeda se tornar bem-sucedida.
O auge do darwinismo
Quem vê de fora, acha que o ecossistema cripto é combativo, argumentativo e repleto de divisões internas. O que deve estar bem claro, principalmente para possíveis investidores, são os benefícios que esses conflitos fornecem. Em um ambiente caótico, só os mais fortes sobrevivem.
O próprio bitcoin foi criado sobre os princípios de antifragilidade. Cada vez que a comunidade bitcoin se depara com um conflito aparentemente sem solução ou um ataque externo, o protocolo sobreviveu, ainda mais forte por ter derrotado a adversidade.
O conflito faz com que desenvolvedores melhorem seus códigos, além de os rivais testarem e defenderem suas opiniões e descartar as ideias derrotadas.
Quando surgem discussões muito pesadas, diferentes facções estão livres para bifurcar uma moeda e seguirem seu próprio caminho, o que é uma abordagem válida que muitos, como Craig Wright (que diz ser o criador do Bitcoin), Buterin e Ver (mencionados anteriormente), já usaram.
O ambiente de Velho Oeste também tem outra vantagem: em vez de as questões serem deixadas de lado até explodirem de vez em um futuro muito distante, elas são debatidas sem piedade alguma pela própria comunidade.
Fraudes descaradas, como a da BitConnect e da OneCoin, são bem criticadas.
Quando a Coinbase comprou a Neutrino, empresa de análise de blockchain, enfrentou uma grande revolta da comunidade quando se tornou aparente que algumas das equipes da Neutrino estavam associadas à Hacking Team, que trabalhou em projetos de spyware maliciosos.
A indignação foi suficiente para que a Coinbase anunciasse o desligamento dos indivíduos envolvidos.
Nesse sentido, a comunidade cripto pode ser vista como um sistema imune. Sempre que existe uma ameaça existencial à indústria, a comunidade se une para protegê-la quando qualquer jogador passar dos limites.
Apesar do caos, softwares continuam sendo desenvolvidos, projetos e plataformas continuam crescendo e a evolução continua acelerando. O conflito não é uma distração, mas é um mecanismo fundamental para chegar ao “consenso humano” enquanto construímos o futuro das finanças descentralizadas.