Retrospectiva 2022

Guerra da Ucrânia ressuscitou pior inflação em 40 anos e risco nuclear

19 dez 2022, 16:47 - atualizado em 19 dez 2022, 16:47
Ucrãnia
Guerra na Ucrânia se arrasta sem conclusão no horizonte (Imagem: Radio Free Europe/Radio Liberty/Serhii Nuzhnenko via REUTERS)

A guerra da Ucrânia ruma para os dez meses de duração sem clareza sobre o seu fim.

A operação militar russa, tida como um êxito fácil para a superpotência nuclear, se converteu em uma guerra travada ponto a ponto no mapa ucraniano, produzindo um rastro de destruição humana e econômica com poucos precedentes no século atual.

Estimativas de órgãos internacionais falam de 6,5 mil civis ucranianos mortos em decorrência da guerra e quase 7 milhões de refugiados deixaram o país. No campo de batalha, números trazidos por oficiais dos EUA apontam para 200 mil baixas militares entre russos e ucranianos.

No meio do caminho, o conflito mudou o rumo das alianças globais, minando a posição russa na ordem ocidental e posicionando-a ao lado de China e Índia. Formou-se, assim, um novo arranjo geopolítico, mais semelhante aos anos da Guerra Fria, em que blocos fragmentados de países passam a preponderar sobre um senso de cooperação globalizado.

As consequências diretas e indiretas do conflito catalisaram o maior avanço inflacionário global dos últimos quarenta anos, ocasionando uma ‘corrida’ de alta de juros conduzida pelos principais Bancos Centrais mundiais — fatores que, unidos, colocam o mundo na rota de uma possível recessão em escala global para 2023.

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Exército ucraniano teve êxito em recuperar posições estratégicas (Imagem: REUTERS/Gleb Garanich)

Do 24 de fevereiro até aqui

Durante a madrugada do dia 24 de fevereiro, Vladimir Putin autorizou o que chamou de “operação militar especial” em território ucraniano. O anúncio ocorreu em um pronunciamento aberto na rede de TV russa, quando Putin fez a  leitura da “Carta ao Povo Russo”.

O documento evocava questões geopolíticas, históricas e locais para justificar a incursão militar que estava prestes a ocorrer. Comboios de veículos blindados, então, atravessaram a fronteira terrestre do leste da Ucrânia, infiltrando-se na região do Donbass.

A invasão russa se espalhou pela Ucrânia, chegando a sitiar a capital Kiev e ocupar mais de 20% do vasto território ucraniano. Porém, a resistência das Forças Armadas ucranianas, que conta com o suporte logístico e militar do Ocidente, não só frustrou os planos russos de uma campanha rápida, como foi capaz de expulsar os invasores de posições estratégicas.

É o caso de Kherson, retomada pela Ucrânia entre final de outubro e início de novembro. A vitória na cidade estratégica do Sul, única capital regional até então conquistada pelos invasores, consolidou uma nova fase para a guerra, com a Ucrânia assumindo o ímpeto ofensivo.

O avanço da guerra para um segundo ano traz preocupações para países vizinhos e para o Ocidente, que veem no insucesso de Putin o risco de uma ação mais dramática da Rússia tomada por desespero, impaciência e armas nucleares.

O petróleo no centro das atenções

Desde que decidiu incorrer militarmente sobre o país vizinhos, Rússia se tornou o país mais sancionado do mundo. São mais de 9.000 retaliações contra indivíduos, instituições e produtos, impactando severamente os prospectos da economia russa.

Refletindo um encolhimento de 3,7% no terceiro trimestre, que colocou a Rússia em uma recessão técnica, a projeção é que o PIB da nação euroasiática caia até 7% em 2022 e 3% em 2023.

Na guerra das sanções, o petróleo russo se tornou o alvo mais visado pela aliança Ocidental, que considera a produção de petróleo da Rússia uma atividade crucial para o financiamento da guerra.

Na ação mais recente contra o mercado russo da commodity, o G7 aprovou um teto sobre o preço do barril vindo da Rússia, permitindo que a mercadoria seja comercializada por intermediários ocidentais somente se o preço do barril respeitar um mecanismo de teto.

Por outro lado, a barreira de isolamento feita pelos mercados ocidentais não impediu que o país encontrasse outros parceiros, que ganharam enorme importância. Ao lado da China, que é o principal consumidor de petróleo do mundo, foi a Índia que se mostrou um forte fiador da produção russa.

A guerra da Ucrânia e a crise energética na Europa

Enquanto as peças do jogo geopolítico se arrumavam, a inflação de combustíveis se converteu em um problema gigantesco para países de diferentes regiões do mundo, atingindo também indiretamente o preço de outras categorias interligadas como alimentos e passagens aéreas.

A escalada dos preços de combustível  — dado o cenário de escassez — se transformou em um particularmente crítico para a Europa, visto que até 40% de sua matriz energética dependia da importação do gás natural da Rússia através de dutos continentais e do Nord Stream 1, que não funciona desde setembro.

A crise energética que assola a Europa Ocidental deve assumir a sua forma mais crítica neste inverno, haja visto o aumento da demanda de aparelhos aquecedores durante a estação. Desde o início do ano, o gás natural vendido pelos EUA a Europa subiu 56%.

A desvinculação da matriz europeia do petróleo e gás natural russos passou a ser vista pelos dirigentes da União Europeia como uma questão de sobrevivência do bloco, o que tem catalisado o comprometimento dos países-membros com uma transição energética para fontes mais limpas.

Precedentes da guerra da Ucrânia

As tensões entre as duas nações começaram em fevereiro de 2014, quando protestos de grande proporção (chamados de Euromaidan, ou Primavera Ucraniana), liderados por ultranacionalistas ucranianos, deram condições políticas para a derrubada do presidente pró-Rússia Viktor Yanukovych.

À época, o Kremlin reagiu energeticamente acusando o Ocidente de influenciar o curso das manifestações, com o intuito de minar os interesses russos nas negociações que a Ucrânia desenvolvia com a União Europeia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

A expansão ao leste, em direção às fronteiras da Rússia, da aliança militar ocidental (Otan) passou a ser vista como uma ameaça à segurança da Rússia. Com isso,  a incorporação da Ucrânia era vista como inadmissível para Moscou.

Menos de 20 dias depois da saída de Yanukovych, a Rússia iniciou a campanha militar que resultou na anexação da Criméia. A rápida ascensão de um governo pró-Ocidente também acelerou a eclosão, em março de 2015, de um guerra civil no leste da Ucrânia.

O conflito envolveu separatistas, liderados por cidadãos de origem russa e apoiados por Moscou, e forças centrais, que recebem o suporte da Otan. Somente nos dois primeiros anos da guerra, morreram mais de 10 mil pessoas, em meio a várias violações dos tratados de cessar-fogo por ambas as partes conflagradas.

Os eventos ocorridos no leste da Ucrânia entre 2014 e 2022 foram classificados no dia 24 de fevereiro por Vladimir Putin como “genocídio”. Para o presidente russo, esses são um dos fatores-base da expansão da Otan, deflagrando o início da atual guerra.

Estagiário
Jorge Fofano é estudante de jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da USP. No Money Times, cobre os mercados acionários internacionais e de petróleo.
jorge.fofano@moneytimes.com.br
Jorge Fofano é estudante de jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da USP. No Money Times, cobre os mercados acionários internacionais e de petróleo.