Política

Governo prepara MP enquanto discute detalhes de empréstimo a elétricas

08 abr 2020, 16:20 - atualizado em 08 abr 2020, 16:20
Energia elétrica
Os empréstimos devem ser tomados por meio de uma instituição setorial, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) (Imagem: REUTERS/Paulo Whitaker)

O governo prepara uma medida provisória que pode ser publicada nos próximos dias com o objetivo de viabilizar um pacote de iniciativas para apoio a distribuidoras de energia elétrica, em meio aos impactos da pandemia de coronavírus sobre o setor, disseram à Reuters duas fontes com conhecimento do assunto.

A MP autorizará o governo a costurar empréstimos emergenciais para empresas de distribuição, ao mesmo tempo em que contemplará consumidores, ao garantir injeção de recursos do Tesouro para isentar clientes de baixa renda do pagamento de contas de luz por 90 dias, segundo as fontes, que falaram sob a condição de anonimato.

Os empréstimos devem ser tomados por meio de uma instituição setorial, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), para não pressionar o endividamento das elétricas, como em operações semelhantes realizadas em 2014 e 2015.

Mas o governo ainda discute como os financiamentos seriam pagos, uma vez que o modelo adotado no passado, com repasse do custo das operações às tarifas no futuro, tem sofrido certa resistência na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) por ser visto como oneroso para o consumidor, disse uma das fontes.

“A proposta do empréstimo estava muito bem desenhada… mas uma ala da agência tem discutido internamente, de forma intensa, outras opções além dessa”, afirmou.

Entre as hipóteses está a possibilidade de quitar as operações com parte do fluxo futuro de verbas que elétricas precisam aplicar em pesquisa e desenvolvimento e eficiência energética, além de parte da arrecadação de uma taxa de fiscalização que banca as atividades da Aneel, disse essa fonte.

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“Cesta de problemas”

O fluxo dessas verbas de P&D e de fiscalização nos próximos cinco anos seria suficiente para responder pelo pagamento no futuro de até cerca de 13 bilhões de reais em eventuais empréstimos, estimou a segunda fonte.

Executivos de distribuidoras estimaram na semana passada que as empresas do setor provavelmente precisariam de entre 15 bilhões e 17 bilhões de reais para enfrentar impactos negativos esperados no caixa com a crise de coronavírus, que reduziu fortemente o consumo de energia e deve aumentar a inadimplência.

Executivos de distribuidoras estimaram na semana passada que as empresas do setor provavelmente precisariam de entre 15 bilhões e 17 bilhões de reais (Imagem: REUTERS/Vincent Kessler)

“É uma proposta alternativa, de tal forma que essa solução não sobrecarregue a tarifa nos próximos anos. Pegar toda a cesta de problemas causada pela Covid-19, colocar no colo do consumidor e alongar isso (com um empréstimo a ser pago em parcelas no futuro) não seria justo”, acrescentou essa fonte.

As distribuidoras de energia têm alegado que uma falta de caixa no setor decorrente da perda de receita com a pandemia poderia gerar problemas na indústria de energia como um todo, já que a arrecadação com tarifas dos consumidores é utilizada para pagar os demais elos da cadeia, como transmissoras e geradores.

Essa preocupação está no radar do governo, que prioriza uma solução que resolva a questão antes que ela passe a impactar transmissores ou geradores, disseram as fontes.

Em meio a esse cenário, algumas distribuidoras já enviaram notificações de força maior a geradores, nas quais alertam que podem não conseguir cumprir contratos de compra de energia devido aos efeitos da epidemia e citam as conversas com o governo como uma possível saída.

Polêmica passada

A negociação pelo governo de empréstimos por meio da CCEE para apoiar distribuidoras de energia foi bastante criticada na gestão da presidente Dilma Rousseff, quando operações semelhantes foram apontadas por alguns especialistas como “contabilidade criativa”.

Na época, três membros do conselho de administração da CCEE renunciaram por discordância com o modelo dos empréstimos.

Na época, três membros do conselho de administração da CCEE renunciaram por discordância com o modelo dos empréstimos (Imagem: REUTERS/Ueslei Marcelino)

Os financiamentos tomados entre 2014 e 2015, em três transações, somaram 21 bilhões de reais repassados às elétricas, enquanto consumidores pagaram um total de cerca de 33,8 bilhões de reais até a quitação da transação em 2019, incluindo juros.

Ainda assim, uma nova operação como essa agora tem recebido apoio de alguns especialistas, como o Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Gesel-UFRJ).

Uma das vantagens é que esses empréstimos seriam uma saída mais simples do que algum tipo de acordo que envolva impactos sobre todas empresas do setor, defendeu o presidente do Fórum de Associações do Setor Elétrico (Fase), Mário Menel, que representa elétricas junto ao governo.

“Tenho impressão de que o mais provável de sair em um curto espaço de tempo é o empréstimo para as distribuidoras, mesmo que signifique aumento de tarifas. A solução tem que ser factível em um curto espaço de tempo, não adianta buscar uma solução complexa, que demoraria meses”, afirmou.

Ele também disse que vê como difícil no momento um grande acordo para dividir os impactos negativos do vírus sobre o setor, como ocorreu após o racionamento de 2001.

“Seria muito complexo, o número de agentes no setor hoje é muito grande. Naquela época era muito mais fácil de ser feito e mesmo assim demorou muito para ser costurado”, defendeu Menel.

O possível empréstimo foi tema de uma reunião do Ministério de Minas e Energia na semana passada com BNDES, Caixa e Banco do Brasil.

Procurados, Ministério de Minas e Energia e Aneel não responderam de imediato a pedidos de comentário. O Ministério da Economia, também envolvido nas discussões, disse em nota que não comenta medidas em análise ou que ainda não são públicas.