Governo pode mesmo “meter o dedo” no setor elétrico?
Mais uma vez, o risco de ingerência política volta a contaminar os mercados. No último sábado (20), o presidente Jair Bolsonaro afirmou que iria “meter o dedo na energia elétrica, que é outro problema também”.
Sem explicar detalhes, Bolsonaro ativou o sinal de alerta de investidores, que viram na fala uma possível intervenção desastrada do Governo Federal.
Apesar de toda a preocupação, analistas avaliam que o setor possui margem de manobra para possíveis intromissões do Executivo.
“Em nossa opinião, o risco de interferência regulatória contundente é baixo. O regulador obviamente tem atualmente um incentivo para mitigar os aumentos das tarifas de eletricidade em 2021 porque a economia e a população ainda estão enfrentando os impactos negativos da Covid-19. No entanto, não esperamos nenhuma ação que possa desfazer o ambiente regulatório positivo do Brasil para as distribuidoras”, afirmam os analistas Francisco Navarrete e Ricardo França, da Ágora Investimentos.
A percepção é confirmada pela XP Investimentos, que argumenta que apesar da maior percepção de risco, ainda é improvável que a declaração do Presidente da República consista em interferência direta em contratos existentes de geração, transmissão ou distribuição.
O que o governo pode fazer?
Hoje o cálculo das tarifas é composto por custos não gerenciáveis, que compreendem custos de geração e transmissão e totalizam cerca de 40% do valor das tarifas, componente de cobertura dos custos e impostos, tanto federais (PIS/COFINS, 9,20%), como estaduais (ICMS, 22% e encargos setoriais). Ou seja, o governo só poderia intervir na queda do PIS e Cofins.
“Eventualmente, o que poderia ser discutido seria um diferimento de pressões tarifárias tal como o que ocorreu na Conta-COVID de 2020, ou a Conta ACR do período de 2014-15”, lembram os analistas Gabriel Francisco e Maira Maldonado, que assim o relatório da XP.
Outra possibilidade é a entrada da Aneel, a agência regulatória do setor elétrico, na história. De acordo com a Ágora, a agência poderia realizar um adiamento do reajuste do IGP-M (Índice Geral de Preços) de 2021 ao longo dos próximos dois a quatro anos, com compensação pelo valor do dinheiro no tempo.
“Esta é a solução mais provável e eficaz, em nossa opinião. No entanto, as distribuidoras não têm a obrigação de aceitar isso”, destaca.
Além disso, a corretora lembra que as distribuidoras poderiam utilizar a maioria dos créditos de PIS/COFINS que já conquistaram na Justiça para reduzir as tarifas do consumidor final.
E como ficam as empresas?
Para a Ágora, dado o fluxo de notícias que acarreta risco regulatório crescente, as distribuidoras brasileiras provavelmente terão um desempenho inferior no curto prazo.
“Isso até que pelo menos a proposta da Aneel sobre como conseguir tarifas mais baixas em 2021 fique clara”, completa.
Empresas que utilizam o IGP-M como base de cálculo, como Energisa (ENGI11), Equatorial (EQTL3), CPFL (CPFE3) e Neoenergia (NEOE3), devem ser mais afetadas.
Outras companhias com exposição ao segmento de distribuição, como Light (LIGT3), Cemig (CMIG3) e Copel (CPLE6) usam IPCA como índice de inflação das tarifas, o que significa menor risco.
Além disso, os analistas não veem nenhum impacto direto nas empresas de transmissão ou geração privada.
“Em relação à concessionária federal Eletrobras (ELET3;ELET6;ELET11), embora seu negócio principal de geração e transmissão tenha exposição direta a essas discussões, admitimos que o mercado pode assumir que poderia haver riscos relacionados à rolagem de contratos no futuro a preços abaixo do mercado”, concluem.