Brasil

Governo Lula tributa aplicações financeiras no exterior; entenda em 5 pontos

02 maio 2023, 16:42 - atualizado em 02 maio 2023, 16:49
Lula
Presidente Lula assina MP que tributa aplicações no exterior. (Imagem: Ricardo Stuckert/PR)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou uma medida provisória (MP) no domingo (30) que taxa aplicações financeiras no exterior pelo Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF).

Essa MP é a mesma que prevê a ampliação da faixa de isenção do IR para quem ganha até R$ 2.640.

A medida provisória inclui a tributação de rendimentos recebidos no exterior por meio de aplicações financeiras, entidades controladas e bens e direitos objeto de “trust”, que são fundos usados para administrar quantias de terceiros.

Segundo o texto, as pessoas físicas precisarão computar de forma separada os rendimentos do capital aplicado fora do país a partir de 1º de janeiro de 2024.

Além disso, haverá duas faixas de cobranças para os rendimentos.

A alíquota será de 0% sobre a parcela anual dos rendimentos que não ultrapassar R$ 6 mil. Para rendimentos anuais entre R$ 6 mil e R$ 50 mil, a alíquota será de 15%, e para a parcela acima de R$ 50.000, a alíquota será de 22,5%.

O Money Times conversou com o advogado Nereu Domingues, do Domingues Sociedade de Advogados, para esclarecer os principais pontos da medida provisória. Confira abaixo cinco respostas do especialistas para compreender a questão.

1) O que o investidor deve fazer caso tenha investimentos no exterior dentro de uma companhia offshore (PIC)?

Nada. Isso mesmo, aguarde a conversão ou não dessa MP em lei. Lembremos que em 2013 houve a mesma iniciativa por meio da MP 627. Ela não foi convertida em lei e não produziu qualquer efeito.

Em algum momento essa iniciativa deve virar lei. São poucos os países que ainda adotam o regime de caixa (postergação da tributação desses lucros). Inclusive, esse regime tem gerado muita insegurança jurídica no planejamento patrimonial e sucessório das famílias (wealth planning).

2) Se a MP passar, o investidor terá que pagar imediatamente o imposto acumulado sobre os lucros que não foram tributados no passado?

Não. A redação proposta é muito clara no sentido de que o passado fica com a regra do passado – ou seja, os lucros gerados até 31 de dezembro de 2023 permanecerão com o benefício do diferimento (postergação da tributação para o momento da realização financeira – regime de caixa).

3) E os lucros do futuro, a partir de janeiro de 2024, o investidor terá que pagar até 22,5% de imposto mensalmente, como as pessoas físicas?

Não. A tributação daqueles que têm investimento no exterior via pessoa física permanece na apuração mensal (regime de caixa, ou seja, creditou na conta, paga o imposto no mês seguinte).

O que a MP propõe para os rendimentos financeiros auferidos pelas companhias offshore (PIC) é que eles passem a ser tributados anualmente pelo regime de competência (o lucro será tributado independente de distribuição ou não).

4) Se a pessoa física continua com o benefício do regime de caixa (só paga o imposto quando recebe o rendimento financeiro) e as companhias offshore passam a ter que pagar o imposto anualmente, independente da distribuição ou não do rendimento, ainda é vantagem fazer os investimentos via empresa?

Sim, a utilização da companhia offshore continua sendo uma ótima opção, principalmente quando alinhada ao planejamento adotado para organização dos ativos.

O uso da companhia offshore não deve estar fundado exclusivamente na questão tributária. Sempre destacamos nas discussões do wealth planning que o ganho tributário inquestionável é aquele que é auferido como simples consequência do exercício de uma opção justificada no plano da gestão patrimonial ou sucessória.

Exemplificamos, trazendo algumas dessas justificativas, inclusive, de ordem tributária.

  • Governança – O investimento via empresa permite que você estabeleça todo o regramento em relação a forma de gestão dessa empresa, incluindo seus respectivos ativos financeiros no exterior.
  • Planejamento sucessório – A utilização do veículo offshore (PIC) também possibilita que você determine, em vida, todo o regramento a ser observado pelos seus herdeiros e/ou beneficiários, protegendo os mesmos da própria inexperiência, má influência e, especialmente, conservando a harmonia societária e familiar.
  • Maior liberdade na eleição do portfólio de investimentos – O investimento via pessoa física, face a preocupação com o imposto sobre a herança no país de destino dos recursos e/ou por conta do compliance mensal no Brasil, normalmente leva o investidor a se fixar em determinados fundos de investimento abertos no exterior, limitando a alocação do portfólio à determinação do gestor desses fundos de investimento.
  • Imposto sobre a herança – A depender do país onde estiver os seus investimentos financeiros, os seus herdeiros podem se sujeitar ao Imposto sobre a Herança local. Por exemplo, se na sua falta você deixa investimento financeiro em determinado papel, de valor individual superior a US$ 60 mil, o acesso pelos seus herdeiros a esse ativo pode estar condicionado a pagamento de imposto sobre a herança nos EUA, que pode ultrapassar 40% do ativo. O uso da companhia offshore evita essa tributação.
  • Imposto sobre a renda – Difere da pessoa física que paga imposto mensal – ainda que pelo regime de caixa –, o investimento via empresa (companhia offshore) determina o imposto sobre o “lucro” anual. Em outras palavras, tem o benefício da postergação para base anual em vez da mensal e, além disso, tem o benefício de que o ganho em qualquer item do portfólio de investimentos só será tributado depois de compensado com os eventuais prejuízos em outros papéis no mesmo ano. O investimento via pessoa física não permite essa compensação em relação ao todos os itens do portfólio de investimentos.

5) Os investimentos financeiros via trust, são atingidos pela MP?

Sim, são atingidos de forma transparente. Em outras palavras, o seu instituidor (settlor) será considerado o titular dos investimentos no exterior e, se na sua estrutura tiver companhia offshore, será tributado pelas regras de investimento via companhia offshore, se pessoa física, como pessoa física.

Ainda assim, é possível dizer que nesta resposta encontramos um grande benefício na proposta da MP 1171. A utilização das estruturas de trust, notadamente na área do planejamento patrimonial e sucessório, vinham experimentando enorme insegurança jurídica e interpretações muito mais gravosas que a proposição da MP 1171 dentro da própria Receita Federal.

A proposta da MP é muito feliz ao enfrentar, finalmente, os reflexos tributários do trust estrangeiro no Brasil e ainda propor uma incidência tributária aparentemente convergente com o entendimento dos contribuintes. Recomendável alguns poucos ajustes, por exemplo, na responsabilidade pela declaração dos investimentos no exterior e no momento do fato gerador na hipótese de falecimento do instituidor.

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