Ferrovias

Governo é apontado como aliciador de indígenas para tirar Ferrogrão do papel

15 dez 2020, 10:15 - atualizado em 15 dez 2020, 10:17
A Ferrogrão é considerada uma das principais apostas do Brasil para escoamento de commodities pela região Norte (Imagem: Beth Santos/PR)

O Ministério Público Federal (MPF) iniciou uma ação judicial contra o governo com a acusação de tentativa de aliciamento de um líder indígena durante o processo de negociação para o projeto da Ferrogrão, ferrovia considerada uma das principais apostas do Brasil para escoamento de commodities pela região Norte.

Segundo comunicado do MPF, divulgado na última sexta-feira, a ação pede que a Justiça proíba o governo de realizar atos, reuniões ou audiências que não respeitem o protocolo de “consulta do povo”.

Isso porque, de acordo com a acusação, a Secretaria Especial do Programa de Parcerias e Investimentos (SE-PPI), ligada ao Ministério da Economia, teria selecionado sem nenhum procedimento público um único indígena como “interlocutor dotado de representatividade para articular sobre os interesses do seu povo”.

Além da secretaria federal, a ação tem como réus a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a Estação da Luz Participações (EDLP) — que, segundo o MPF, trata-se de um consórcio que integra as tradings Archer Daniels Midland (ADM), Bunge, Cargill, Louis Dreyfus Company (LDC) e Amaggi.

Entretanto, procuradas, a Cargill e a LDC disseram à Reuters que não integram este consórcio e, desta forma, desconhecem a referida ação.

Já a Amaggi afirmou que não deve se pronunciar individualmente, assim como em outras demandas referentes ao projeto da Ferrogrão, e disse que a “EDLP é a estruturadora que está apta a se manifestar a respeito”.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Acusação

Os Munduruku são um povo com cerca de 13,7 mil pessoas que habita territórios ao longo do curso do rio Tapajós (Imagem: Reuters/Ueslei Marcelino)

O Ministério Público disse que a expectativa da secretaria era apresentar o plano de trabalho dos estudos sobre impacto ambiental da ferrovia diretamente ao líder indígena Anderson Painhum ainda no início de dezembro.

No entanto, Painhum enviou uma nota pública ao MPF dizendo que foi pressionado para agendar a reunião e que em nenhum momento a entidade que representa, a Associação Pariri, aceitou participar do encontro.

“A Secretaria chegou a enviar ofício às lideranças indígenas do médio Tapajós solicitando um local para realizar a reunião e que na ocasião seria feita a pactuação do Plano de Consulta aos Munduruku do alto, médio e baixo Tapajós sobre a implantação do empreendimento”, disse o comunicado do MPF.

Os Munduruku são um povo com cerca de 13,7 mil pessoas que habita territórios ao longo do curso do rio Tapajós, com organizações políticas próprias.

Para o MPF, a atitude dos representantes do governo é uma tentativa de aliciamento ilegal da liderança, por ignorar “a pluralidade do povo brasileiro e as especificidades do povo Munduruku, sem lastro em qualquer procedimento ao qual se tenha dado publicidade e sem a prévia participação da Fundação Nacional do Índio (Funai)”.

Ainda de acordo com o ministério, houve tentativa do governo de “obter anuência de toda a etnia Munduruku em relação a medidas administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”, o que infringe a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), onde consta a garantia do direito de consulta prévia, livre e informada para povos indígenas e tradicionais afetados por medidas estatais ou privadas.

Outro lado

Com mais de 900 quilômetros, a Ferrogrão foi projetada para levar produtos agrícolas do Centro-Oeste até os canais de exportação ao Norte do país (Imagem: Reuters/Jorge Adorno)

A Secretaria Especial do Programa de Parcerias e Investimentos esclareceu em nota que todo o contato realizado com indígenas no âmbito do processo de licenciamento da Ferrogrão foi realizado seguindo rigorosamente a legislação vigente, e buscou o agendamento de reunião para debater, com as comunidades potencialmente impactadas, o conteúdo do estudo a ser elaborado para o componente indígena da Ferrogrão.

Segundo a secretaria, os indígenas são ouvidos em três momentos diferentes durante o processo de licenciamento ambiental e, no caso do Ferrogrão, os diálogos foram suspensos em decorrência da pandemia da Covid-19.

“Não há que se falar em pressão para obter anuência para o empreendimento, tendo em vista que os estudos específicos da componente indígena de licenciamento ainda serão iniciados”, afirmou, ressaltando que o órgão aguarda indicação dos índios sobre data e local de um encontro para que os trabalhos sejam retomados.

A Funai e o EDLP não responderam de imediato a um pedido de comentários.

Com mais de 900 quilômetros, a Ferrogrão foi projetada para levar produtos agrícolas do Centro-Oeste até os canais de exportação ao Norte do país, assim como seria importante modal para a importação de fertilizantes e derivados de petróleo.

A construção já foi motivo de impasse com indígenas, visto que em meados de outubro um representante da etnia Kayapó disse à Reuters que todos os índios eram contrários ao projeto por questões como falta de conhecimento sobre estudos ambientais.

Em novembro, a ANTT disse que a expectativa é que o edital da ferrovia seja publicado no primeiro trimestre do ano que vem.