Política

Governo dá condecoração científica a alguns dos maiores críticos de Bolsonaro

05 nov 2021, 12:01 - atualizado em 05 nov 2021, 12:01
O decreto que outorga a Ordem, virou notícia porque Bolsonaro concedeu a si mesmo o grau de grão-mestre, uma ironia dado os ataques constantes do presidente à ciência (Imagem: REUTERS/Adriano Machado)

A Ordem Nacional do Mérito Científico, concedida pelo governo federal e assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, incluiu em seus condecorados opositores das políticas ambientais e de saúde do governo, pesquisadores que desacreditaram teorias defendidas pelo presidente e cientistas que atacaram o descaso do governo com a ciência.

O decreto que outorga a Ordem, publicado no Diário Oficial de quarta-feira, virou notícia porque Bolsonaro concedeu a si mesmo o grau de grão-mestre –uma ironia dado os ataques constantes do presidente à ciência em todas as áreas e, especialmente, durante a pandemia de Covid-19.

A auto-condecoração, no entanto, não foi uma indulgência do presidente consigo mesmo, já que está prevista no decreto que criou a ordem, em 2002.

“O presidente da República é o Grão-Mestre da Ordem e o ministro de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações é o chanceler”, diz um dos parágrafos do artigo terceiro do texto que criou a comenda.

Já entre os agraciados, destacam-se nomes com contribuições relevantes para a ciência brasileira em várias áreas –este ano em especial, pesquisas sobre a Covid-19– e, em muitos casos, críticos severos do governo Bolsonaro.

Um dos casos que chamam a atenção é do médico e pesquisador Marcus Vinícius Lacerda, da Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado, de Manaus.

Lacerda foi um dos primeiros brasileiros a pesquisar o uso de cloroquina contra Covid-19 e suspendeu o estudo depois que verificou que, na verdade, o medicamento aumentava o risco cardíaco dos pacientes.

Ameaçado de morte e atacado nas redes por bolsonaristas, Lacerda virou um dos inimigos do clã Bolsonaro e chegou a ser acusado de usar doses acima do normal de cloroquina para “matar pacientes” e desacreditar o medicamento defendido constantemente pelo presidente.

Outra agraciada é Adele Schwartz Benzaken, hoje diretora da Fundação Oswaldo Cruz Amazônia, e ex-diretora de DSTs e Aids do Ministério da Saúde.

Quando no cargo, a médica sanitarista –que tem atuação internacional na área de doenças transmissíveis– autorizou a produção de uma cartilha dirigida a homens trans.

Foi demitida em janeiro de 2019, logo depois de Bolsonaro tomar posse, e em seguida ocorreu a retirada de circulação da cartilha. Ministro da Saúde à época, Luiz Henrique Mandetta justificou o recolhimento dizendo que “o governo precisava voltar a estimular a prevenção do HIV, mas sem ofender as famílias”.

Estão na lista, ainda, nomes como o antropólogo Alfredo Wagner Berno Almeida, da Universidade Estadual do Maranhão, um crítico contumaz da intenção do governo de liberar a exploração de minérios nas terras indígenas, e diversos pesquisadores que criticam abertamente as políticas da gestão Bolsonaro para a ciência e a acusam de patrocinar uma “fuga de cérebros” do país com os constantes cortes de recursos na área.

Questionado pela Reuters se o presidente sabia da posição dos condecorados ao assinar o decreto, o Palácio do Planalto não respondeu.

A lista de condecorados assinada pelo presidente é escolhida por um comitê científico em que o governo tem minoria: são três da Academia Brasileira de Ciências (ABC), três da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) –ambas bastante críticas ao governo– e três de livre escolha do ministro da Ciência e Tecnologia, o que deixa os eventuais indicados pelo governo sem força para barrar nomes.

Os selecionados deste ano entre os cientistas estão entre os mais reconhecidos em suas áreas. Entre eles, por exemplo, o epidemiologista Cesar Victora, professor emérito da Universidade Federal de Pelotas, que já recebeu o prêmio Gairdner, considerado o Nobel da Epidemiologia.

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