Opinião

George Washington, Índias Orientais e Petrobras: uma relação incomum

29 dez 2017, 11:30 - atualizado em 01 jan 2018, 21:28

Por Terraço Econômico

O que há em comum entre George Washington, as Índias orientais britânicas e a gigante estatal brasileira Petrobrás? O que os separam é muito claro. As índias orientais começaram a ser exploradas pelos britânicos por meio da East India Company ainda no século 17, com um misto de comércio interoceânico, pirataria e manipulações políticas dos Marajás indianos. George Washington e seus 1,90 de altura ganhou destaque no final do século 18, quando conseguiu arrancar do não muito equilibrado rei George III a independência dos Estados Unidos da América. Já a Petrobrás nos é muito mais próxima, em tempo e espaço. Fundada nos anos 1950 sob o lema “O petróleo é nosso”, a estatal foi de maior empresa brasileira ao cenário do maior escândalo de corrupção registrado na história do Brasil -e por que não no mundo.

E o que os unem? Duas palavras: Estado e corrupção.

Tanto a East India Company (EIC) quanto a Petrobrás (BR) começaram como um projeto improvável. Quando Elizabeth II assinou a carta de permissão em 31 de dezembro de 1600 para corsários atuarem no comércio oriental em nome da rainha, a Inglaterra ainda era um obscuro reino no empobrecido norte europeu. Entrar no grande jogo do comércio oriental dominado pelos então poderosos portugueses e holandeses, além dos potentados locais, não parecia viável a uma companhia com então seis burocratas e alguns navios.

O mesmo se pode dizer da BR. Fundada nos anos 1950 como a promessa do projeto desenvolvimentista de Vargas, a empresa levaria ainda 30 anos para encontrar e explorar petróleo de maneira ativa. O Brasil dos anos 1950 e 1960 , rodeado de vizinhos produtores de petróleo, como a Venezuela e a Argentina, parecia fadado à importação perene do ouro negro.

Ambos prosperaram, e se tornaram símbolos de seus idealizadores. A EIC se tornou a primeira grande multinacional do mundo moderno, com ações na Bolsa de Valores de Londres e acionistas pertencentes à nobreza britânica e ao parlamento. A empresa chegou a possuir um exército próprio de 220 mil soldados e dominou com mão de ferro o subcontinente indiano por 200 anos. Jogou a China no vicio do ópio, e pela primeira vez reverteu a milenar balança comercial positiva chinesa em favor do ocidente. A BR tornou-se a gigante da exploração petroleira submarina. A empresa chegou a valer USD 195 bilhões no mercado internacional em 2007 (13,9% do PIB brasileiro na época) e projetou internacionalmente o potencial econômico brasileiro em um momento crescimento econômico expressivo para o país.

Ambas empresas nasceram e usaram do Estado para sua ascensão meteórica. As conquistas da EIC na Índia constantemente contavam com bloqueios navais da Marinha Real, além de diversos resgates polêmicos realizados pelo tesouro real em momentos de delicadeza orçamentária da companhia. A BR, após as injeções volumosas de capital durante a ditadura militar (1964–1985), seguiu sob a batuta estatal, que controla 51% das ações da grande empresa. Daí vem o segundo ponto em comum:

A corrupção

Ambas empresas foram grandes propagandistas da gloria de seus Estados. Utilizaram de recursos públicos (súditos e cidadãos taxpayers) para enriquecerem, de fato, um pequeno grupo. A corrupção escandalosa da EIC era debatida constantemente no parlamento britânico. Edmund Burke, o grande político y filósofo conservador, criticava o aporte milionário da EIC à membros do parlamento meses antes de solicitar resgates financeiros e empréstimos. Os chamados “Nabobs”, oficiais corruptos que enriqueciam na Índia e voltavam como membros do parlamento, eram figuras habitué da nova política inglesa de início do século 19. “Os delinquentes da Índia perseguidos pela Câmara dos Comuns[…]” disse Burke “[…] terminarão perseguindo a própria Câmara”[2]

No Brasil, a BR enriqueceu indivíduos, partidos políticos e empreiteiras. A compra de apoio político para a manutenção dos desígnios da empresa (no caso da EIC) e de um projeto político (no caso da BR) encontra paralelo neste exemplo, separado por oceanos e por 2 séculos e aproximado por princípios e fundamentos.

E George Washington?

George Washington foi o culminar do insustentável processo de expansão da EIC com base na corrupção e o arbítrio. Enfrentando dificuldades financeiras na década de 1770, a EIC movimentou sua influência política na Câmara dos Comuns para conseguir um expressivo empréstimo de £700,000 (hoje equivalente a £ 108,500.000). Uma soma proibitiva, contra a qual o próprio Burke lutou intensamente. Com a polêmica aprovação do empréstimo, a Coroa aprovou o Tea Act de 1772, imposto sobre o chá exportado para as então 13 colônias britânicas nas Américas. Os sucessivos impostos aprovados e a reação das 13 colônias são bem conhecidos. “Dont Tread on me!”

O que fica de lição?

O descalabro na BR foi um elemento importante no deslanchar, ou se não no prolongamento, da maior crise económica na história do Brasil. Assim como a guerra de independência norte-americana lançou sombras sobre o futuro do Império Britânico, o futuro do Brasil também paira sob as consequências negativas do pessimismo e da falta de perspectiva.

O gene da corrupção que provocou a perda das produtivas colônias americanas das mãos britânicas é o mesmo presente no seio da crise brasileira. Mas há lições a se tirar. Após a independência dos Estados Unidos, a coroa britânica voltou-se para suas possessões na Ásia e África. A construção do império britânico na Ásia e África após o desaparecimento da EIC em 1856 levou o antigo obscuro reino de Elizabeth II à controlar 25% da superfície terrestre, e colorir os mapas escolares e de gabinetes em vermelho e azul. Tornou o inglês o idioma hegemônico e proporcionou ao Império Britânico a confortável posição de protagonista e moderador da geopolítica global durante o século 19. A perda das 13 colônias levou a Coroa a intensificar a construção de seu império no resto do mundo e, do ponto de vista material, firmar-se como maior potência industrial e financeira até meados do século 20.

O que resta para o Brasil? O fim da EIC apresentou um horizonte de possibilidades na agenda britânica pelo mundo. A obsessão do desenvolvimentismo brasileiro em controlar e possuir, com o peso da palavra, recursos economicamente inexploráveis (como o petróleo em tempos de USD 40,00 o barril) pode ser um farol enganoso para os rumos da economia do país. Existem muitos outros caminhos, que passam por meio de uma gestão mais enxuta, menos no operacional e mais no administrativo. A privatização completa pode ser uma delas. A racionalização do potencial e das ambições da empresa (como realizadas hoje pelo presidente Pedro Parente) pode ser outra.

O que fica claro é que, tanto na Índia do século 19 como no Brasil do século 21, os gigantes criados pelo Estado (e nunca para o Estado, mas para os beneficiários deste Estado) tendem a apertar o gatilho genético da corrupção. Deixo então uma pergunta: o que nos falta para o surgimento de um George Washington à brasileira?

José Augusto R. Miranda
M.A and PhD in Economic History, PUCRS-Brazil

Referências

[1] Disponível aqui

[2]  DALRYMPE, William. The East India Company: The original corporate raiders. Disponível aqui

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