Coluna da Tatiana Sendin

Gente desmotivada e baixos resultados: a cultura corporativa é a causa e a solução

12 abr 2023, 10:05 - atualizado em 12 abr 2023, 10:05
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“A pressão incansável por resultados, a cobrança por estar sempre disponível e o constante risco de demissão causam nas pessoas ansiedade, depressão e exaustão”, explica Tatiana Sendin (Imagem: Pixabay/ Mohamed_Hassan)

No topo da lista de prioridades do RH para 2023 está o desafio de fortalecer a cultura organizacional. É o segundo ano consecutivo que a área de recursos humanos elege esse tema como primordial, de acordo com pesquisas da Think Work.

Cultura corporativa é aquilo que percebemos ao colocar os pés em uma empresa. Logo na recepção, temos a ideia se ela é formal ou informal, burocrática ou prática, hierárquica ou não. O jeito de ser da companhia está claramente expresso nos elementos físicos, como nas paredes de mármore de um banco, ou nas mesas maiores dos chefes.

A cultura também se manifesta de modo intangível. Está na maneira como as pessoas se cumprimentam, na forma como trabalham e até na percepção de quem é um bom funcionário. Fica claro que uma organização valoriza a hierarquia quando, por exemplo, um executivo se recusa a interagir diretamente com profissionais de outros níveis.

Aos poucos, os integrantes daquele grupo vão aprendendo os comportamentos desejados e, mesmo inconscientemente, moldando suas atitudes para agirem como tal. Com isso, esperam serem recompensados, seja com uma promoção ou um aumento, seja com a simples manutenção do emprego. Além de pautar as relações internas, a personalidade corporativa também dita a forma como a organização trata fornecedores, parceiros e clientes.

Durante a pandemia, os artefatos físicos da cultura corporativa desapareceram. Os móveis que diferenciavam líderes e liderados, e que contavam a história daquele lugar, deram espaço para a mobília que cada um tinha em casa. No isolamento, todo mundo se tornou igual pela tela do computador.

Os líderes passaram a temer que, à distância, os funcionários pudessem esquecer os comportamentos apreciados, os valores importantes e o jeito de ser de cada organização (talvez tenham ficado com medo de perder os próprios artefatos que os caracterizavam como líderes).

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A cultura organizacional está ameaçada (mas não pelo que você acha)

O discurso oficial, adotado pelo mercado corporativo como um todo, foi o de que a cultura organizacional estava ameaçada. Recentemente, a preocupação em preservar a cultura passou a ser usada como justificativa para mandar os empregados de volta aos escritórios.

É provável que os executivos acreditem que, com todos debaixo do mesmo teto, os atuais problemas do mundo do trabalho estariam resolvidos. Aqui, estamos tratando de questões como: o nível mais baixo de engajamento dos funcionários da última década; o aumento do número de demissões voluntárias; um recorde de casos de burnout e doenças emocionais; e a queda global de produtividade. Isso sem falar na falta de profissionais para preencher vagas e no crescente desinteresse das pessoas por cargos de gestão.

“Fortalecer a cultura organizacional” não me parece ser uma boa solução, principalmente, quando a maior parte desses problemas vem justamente desse jeito de ser valorizado no ambiente corporativo. A pressão incansável por resultados, a cobrança por estar sempre disponível e o constante risco de demissão causam nas pessoas ansiedade, depressão e exaustão – as bases das doenças mentais.

Além disso, a dificuldade de crescer na carreira, a falta de regras claras para promoções e o desequilíbrio entre o esforço e a recompensa resultam em desmotivação, desengajamento e insatisfação. A desconfiança dos chefes (que ficou evidente com o aumento de softwares que “espionam” a produtividade da equipe) e a insistência por controle completam a lista de características desse universo corporativo.

Depois da pandemia, cada vez mais profissionais passaram a se questionar se tal rotina vale a pena. Talvez um salário menor, um cargo mais simples, ou uma carreira sem tanta pretensão compense o fato de se ter mais tempo livre para atividades pessoais, para atividade físicas ou de lazer.

Não à toa, pesquisas indicam que a maioria dos funcionários prefere seguir no modelo híbrido ou remoto de trabalho (justamente por terem encontrado nesse acordo uma melhor qualidade de vida), enquanto os empregadores têm forçado para retornar ao esquema tradicional – o presencial.

Ao fortalecer a cultura corporativa, os executivos (inclusive os de RH) vão estar apenas reforçando o que já fazem e, com isso, tendem a se deparar com o mesmo resultado: baixo engajamento, queda na produtividade e falta de mão de obra.

Para reverter esses indicadores, as empresas terão de ouvir as pessoas e entender as mudanças que estão ocorrendo no mundo. Vão ter de transformar a rotina de trabalho em algo mais sustentável. E isso passa por incorporar à personalidade corporativa traços como flexibilidade, colaboração e, sobretudo, confiança.

Mais do que reforçar, a liderança terá de fazer um profundo esforço para transformar a cultura organizacional.

Tatiana Sendin é fundadora e CEO da Think Work. Jornalista especializada em negócios e recursos humanos, nos últimos 20 anos, tem escrito sobre carreira, mercado de trabalho, gestão de pessoas, empreendedorismo e tecnologia.