Galípolo está ‘equipado’ para assumir a presidência do BC, mas independência está em risco, diz Luiz Fernando Figueiredo
Para o presidente do conselho de administração da JiveMauá e ex-diretor do Banco Central (BC), Luiz Fernando Figueiredo, Gabriel Galípolo terá três principais desafios à frente da autarquia: liderar um grupo sênior; separar as decisões da narrativa do governo; e dar continuidade à agenda de modernização.
Galípolo foi indicado por Luiz Inácio Lula da Silva como diretor do BC e, depois, foi escolhido para assumir o cargo de presidente entre os anos de 2025 e 2028.
Segundo Figueiredo, em entrevista ao Money Times, Galípolo está “equipado” para discutir e lidar com a política monetária, apesar de não ter um histórico profissional no tema antes de entrar na autarquia. “Do ponto de vista técnico, ele tem substância para tocar o cargo”, afirma.
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Nas últimas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), ao optar por voltar com o aperto monetário, ele assumiu uma postura mais hawkish (dura) — em linha com o restante do colegiado –, abrandando as desconfianças de um alinhamento excessivo com o governo, que pede juros menores.
O presidente do conselho de administração da JiveMauá, inclusive, acredita que o futuro presidente do Banco Central deve manter a postura mais técnica enquanto estiver em posse do cargo.
Ainda assim, Figueiredo não descarta que a independência da autarquia esteja em jogo. “Precisamos esperar para ver como será na prática. Se, eventualmente, ficar claro que esse não é o caso, o prêmio de risco que há hoje pode desaparecer”, diz.
Veja os destaques da entrevista com Luiz Fernando Figueiredo, da JiveMauá
Money Times: Antes da indicação de Galípolo à presidência do Banco Central, o mercado temia que a nova diretoria fosse mais flexível e menos focada na meta de inflação. O cenário mudou?
Luiz Fernando Figueiredo: O Galípolo deve dar continuidade à postura mais técnica. Ele não pode se pautar em questões políticas [para tomar as decisões do Banco Central] e, por enquanto, realmente não é isso que temos visto dele.
No entanto, também precisamos observar quem serão os próximos três diretores que vão entrar no Banco Central — isso é relevante. Um ingrediente importante desse governo é que há uma narrativa diferente do que ele, de fato, executa — e isso vale para o BC. O Lula foi muito agressivo na narrativa, mas, na prática, os diretores indicados por ele foram ok, incluindo o Galípolo.
Ele conhecia pouco de política monetária quando entrou na autarquia, mas já está lá há um ano e meio e aprendeu muito. Hoje, está bem mais equipado para discutir e lidar com política monetária. Isso faz com que ele esteja pronto para ser o presidente do Banco Central? A resposta é não, mas faz com que, do ponto de vista técnico, tenha mais substância para tocar o cargo.
Money Times: Quais serão os desafios do Galípolo à frente do Banco Central?
Luiz Fernando Figueiredo: O primeiro desafio do Galípolo à frente do BC será liderar um grupo de gente muito sênior. O segundo é, realmente, conseguir separar as decisões da narrativa do governo — o que, na prática, hoje ele está conseguindo fazer.
Tem também outra questão importante, mas as pessoas falam menos: o Banco Central tem feito um trabalho espetacular na agenda de modernização e ampliação de competitividade — com a modernização do sistema, a democratização bancária, o PIX e o Drex. Precisamos ver se o Galípolo vai continuar firme nessa agenda.
Money Times: A independência do Banco Central está em risco?
Luiz Fernando Figueiredo: Não há dúvidas de que a independência do Banco Central está em risco. Hoje, a curva de juros já embute um prêmio de risco justamente porque ninguém sabe se o Galípolo vai, de fato, conseguir ser autônomo.
Precisamos esperar para ver como será na prática. Se, eventualmente, ficar claro que esse não é o caso, o risco pode desaparecer. Mas, hoje, as pessoas têm medo.
Se me perguntar, eu vou dizer que o mais provável é que o BC tenha um comportamento técnico, mas eu não posso jurar.
Money Times: O que Galípolo precisa para ganhar a confiança do mercado?
Luiz Fernando Figueiredo: São duas coisas. Uma é a prática. O Galípolo tomando atitudes com base técnica, as pessoas vão se convencer de que ele está levando a sério [os objetivos do Banco Central].
Ele também precisa manter uma certa distância do governo — nem precisa ser total. Ele não pode ser visto como alguém do governo, porque ele é de Estado. O Branco Central é uma autarquia de Estado. Ele tem autonomia e não é como um ministro que o presidente põe e tira. Então, não dá para ficar grudado no governo como ele tem ficado.
Money Times: O alinhamento ideológico entre um governo com dificuldades de organização fiscal e um Banco Central descompromissado com o controle inflacionário pode catalisar a desancoragem das expectativas?
Luiz Fernando Figueiredo: Sim, isso já está acontecendo. A desancoragem é baseada em duas coisas: na percepção de que o governo não está tão comprometido com a sustentabilidade fiscal e no risco à independência do Banco Central.
Vira e mexe, o Governo coloca [gastos] fora do arcabouço fiscal. Então, para que serve o arcabouço? Existe uma percepção muito negativa, infelizmente, em relação a isso.
Já para a autonomia da autarquia, o Galípolo falou uma frase muito infeliz na sabatina: “O Lula está muito tranquilo de que tenhamos independência”. Mas o Lula não tem nada com isso, porque a formalização da autonomia foi feita pelo Congresso e está na Constituição.
Money Times: Há o risco da expansão das expectativas de inflação entrarem em um ciclo vicioso?
Luiz Fernando Figueiredo: Eu acredito que, na prática, nós já estamos em um ciclo vicioso de expansão das expectativas de inflação. O Brasil está crescendo 3%, o desemprego está nas mínimas e os investimentos estão crescendo — o país parece estar legal.
No entanto, quando olhamos para frente, não está tão legal assim. Por quê? Porque a política fiscal está atrapalhando completamente a política monetária. Os juros já estavam em 10,50% e, mesmo assim, o Banco Central teve que subir, isso com uma inflação de só 4% a 4,50%, não de 8%.
Quando se tem um conjunto de políticas que está na direção errada, você vai para a direção errada — é o que está acontecendo. As pessoas estão menos preocupadas com o que está acontecendo agora e mais preocupadas com o futuro.
A exemplo, a bolsa de valores brasileira em dólar cai 20% este ano, enquanto a média das bolsas norte-americanas, o Stock 600, sobe 9%. O Brasil está literalmente na contramão do mundo.
Money Times: Por que a situação fiscal incomoda?
Luiz Fernando Figueiredo: O que está acontecendo, em termos de política monetária, é que o Banco Central estava reduzindo a taxa de juros, que ainda era muito restritiva, enquanto o Governo estava acelerando os gastos.
Quando ele acelera, cria impulso fiscal, que ajuda a economia a crescer. O impulso fiscal, no ano passado, foi de 2% do PIB e, nesse ano, foi de 1,5% — isso é muito grande. O resultado é que, com o fiscal tão alto, as políticas monetária e fiscal ficam incompatíveis. Isso quer dizer que o PIB, embora tenha uma restrição monetária, está crescendo mais do que pode, de maneira sustentável.
Então, o que o Banco Central tem que fazer? Não resta outra coisa, senão apertar um pouco mais os juros para esfriar a economia e ela voltar a andar no nível sustentável.
Money Times: Quais são as condições para Galípolo começar a reduzir os juros sem comprometer a estabilidade econômica?
Luiz Fernando Figueiredo: Nós temos que reduzir o impulso fiscal e eu acredito que é, inclusive, o que vai acontecer. Não estou dizendo que o Governo vai ser um espetáculo na área fiscal, mas o impulso fiscal deve diminuir nos próximos meses e isso deve ajudar o Banco Central.
Ainda assim, o ajuste estrutural que deve ser anunciado nos próximos dias é, aparentemente, muito pequeno. Eles devem fazer uma contenção de R$ 50 bilhões, mas o Brasil precisa de R$ 250 bilhões para ser sustentável.
Money Times: Quais as projeções da JiveMauá para a Selic?
Luiz Fernando Figueiredo: Eu acredito que a Selic deve encerrar o ano em 11,75%, mas o ciclo de altas deve se estender até uns 12%.
Depois, mais para o meio do ano, deve começar o processo de queda. Eu acredito que a taxa feche o ano que vem perto de 10,50%.