Economia

Gabriel Casonato: Contagem regressiva para a recessão?

04 jun 2019, 19:45 - atualizado em 04 jun 2019, 16:10

Por Gabriel Casonato, editor da Agora Financial

Caro leitor,

Se no Brasil o famoso “Sell In May and Go Away” não vingou, nos Estados Unidos a regra de bolso provou-se novamente acertada em 2019.

Mais do que isso, o mês de maio terminou trazendo um importante – e preocupante – alerta aos investidores americanos.

O rendimento do título do Tesouro de 10 anos caiu abaixo do rendimento da nota de 3 meses, atingindo o ponto mais profundo desde a crise financeira, em 2009.

E por que isso preocupa?

Porque as inversões nas curvas de rendimento dos Treasuries precedem recessões nos EUA quase tão fielmente quanto os dias precedem as noites.

Nos últimos 50 anos, o rendimento do Tesouro de 10 anos caiu abaixo do de 3 meses em seis ocasiões.

Em todas elas, a recessão foi a consequência invariável para a economia americana.

É importante destacar, no entanto, que uma curva de rendimento invertida não é uma ameaça imediata.

Normalmente, ela inverte um ano ou mais antes da atividade econômica começar a cair.

Significaria então que poderíamos esperar uma recessão nos EUA apenas na segunda metade do ano que vem, certo?

Não necessariamente…

Hoje eu quero falar um pouco sobre a curva de juros ajustada, que tem recebido bem menos atenção do que deveria pelos participantes do mercado.

Essa curva indica que a recessão americana pode estar muito mais próxima do que as pessoas imaginam.

Mas antes de tentarmos cravar uma data, devemos primeiro entender o contraste entre o juro nominal e o real.

A principal diferença é que as taxas nominais não levam em conta a inflação, ao contrário das taxas de juros reais.

A taxa nominal de hoje está entre 2,25% e 2,50%, que é a taxa decidida pelo comitê de política monetária do Fed.

Entretanto, a inflação oficial dos preços ano consumidor nos EUA é de cerca de 2%, o que deixa o juro real no país entre 0,25% e 0,50%.

É por isso que a curva de juros padrão pode diferir substancialmente da curva de juros ajustada.

Uma das críticas mais recorrentes à curva de juros padrão é a de que ela não leva em conta os efeitos da flexibilização quantitativa (Quantitative Easing) e do subsequente aperto quantitativo (Quantitative Tightening).

Já a curva de juros ajustada leva, revelando que o QE afrouxou as condições financeiras muito mais do que o indicado pelo modelo padrão.

Ela revela ainda que os efeitos do QT são muito maiores do que aqueles oficialmente reconhecidos.

A curva ajustada, por exemplo, leva em consideração a estimativa do Fed de que cada US$ 200 bilhões de QT equivale a um aumento adicional da taxa de juros.

A curva de rendimento padrão não.

Assim, a curva ajustada revela uma curva de rendimentos nitidamente mais negativa do que a padrão.

No gráfico abaixo, a curva de juros ajustada aparece plotada contra a curva de rendimentos padrão:

Chart

A linha vermelha representa a curva padrão entre os rendimentos dos Treasuries de 10 anos e 3 meses.

Já a linha azul escura representa a curva de juros ajustada pelos efeitos do QE e de QT.

Por fim, as colunas cinzas representam os períodos de recessão na economia dos EUA.

A curva de rendimento ajustada subiu mais acentuadamente em 2013, quando o QE estava a pleno vapor.

Mas no final de 2014 o Fed encerrou a flexibilização quantitativa, dando início ao processo de aperto.

Na ocasião, a então presidente Janet Yellen adotou a política de orientação antecipada (forward guidance), insinuando que juros mais altos estavam a caminho em 2015.

Foi quando as curvas de juros padrão e ajustada começaram a se equilibrar.

Daí em diante, após anos de achatamento, a curva de rendimento padrão finalmente inverteu no último mês de março.

Antes disso, a última inversão havia sido em 2007, quando forneceu um presságio da grande crise financeira.

Mas desde março, a curva padrão entrou e saiu algumas vezes do território negativo.

O alerta de recessão que ele exibia era, portanto, ofuscado e fraco – até se tornar fortemente negativo na semana passada.

Mas a curva de rendimento ajustada não inverteu em março…

Ela inverteu quatro meses antes, em novembro passado. E permaneceu negativa até hoje.

Enquanto isso, o histórico nos mostra que uma recessão costuma chegar, em média, 311 dias depois que a curva de juros entre os Treasuries de 10 anos e 3 meses se inverte.

Mas se a curva ajustada inverteu em novembro passado, nos é apresentada uma ameaça muito mais imediata.

Ao menos é esta a opinião do CFO do Morgan Stanley, Michael Wilson, que afirma que “o risco econômico é maior do que a maioria dos investidores pode pensar”.

Ele lembra que, como a curva ajustada permaneceu em território negativo desde a inversão em novembro passado, ela já ultrapassou o tempo mínimo necessário para um sinal significativo de desaceleração econômica.

Deste modo, dentro da contagem média regressiva de 311 dias para a recessão após a curva se inverter, já se passaram cerca de 180…

Por outro lado, os fundamentos econômicos dos EUA ainda estão bastante sólidos, sendo muito difícil precisar o timing exato de uma eventual virada.

Há de fato uma dificuldade muito grande em se determinar os rumos da economia americana no momento.

De minha parte, como tenho reiterado diversas vezes aqui, permaneço otimista com as ações para o curto prazo de um modo geral.

Sempre com um olho nas oportunidades, mas com o outro nos riscos atrelados a elas.