Futebol: Em momentos opostos, Botafogo e Vasco escancaram a realidade das SAFs?
O líder da série A do Campeonato Brasileiro é o Botafogo. Enquanto o rival carioca Vasco está na zona de rebaixamento. Além de serem do mesmo estado, esses clubes têm um ponto em comum. Eles viraram Sociedade Anônima do Futebol (SAF), em 2022.
Entretanto, dentro de campo, compartilham cenários bem diferentes. O Botafogo lidera com folga o torneio, após 12 rodadas. Por outro lado, o clube cruzmaltino, após sucessivas derrotas, amarga o chamado Z4. Hoje (2), eles se enfrentam na 13ª rodada do Brasileirão.
Em cenários opostos, esses dois clubes mostram, na prática, a realidade de clubes que viraram empresa. Além deles, outros quatro clubes da séria A são SAFs: Cruzeiro, Bahia, Cuiabá e o lanterna do campeonato, o Coritiba. A adesão do clube paranaense para SAF foi aprovada recentemente.
Os primeiros passos da SAF no Brasil
O Cruzeiro, que voltou à elite do futebol após três anos na segunda divisão, patina na tabela marcando presença mais na página dois da tabela. O time mineiro foi o primeiro a virar Sociedade Anônima no futebol brasileiro, no fim de 2021 e logo deu uma resposta. Foi campeão da série B no ano seguinte.
Logo depois dele, o Botafogo se tornou clube-empresa, desde então, o caminho foi pavimentado para clubes de todas as divisões do Campeonato Brasileiro. Para fechar a ‘primeira onda de SAFs’, veio o Vasco.
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“As primeiras três negociações e vendas efetivas de SAFs ocorreram em um período muito curto após a aprovação da Lei da SAF [de 2021]. Isso porque Cruzeiro, Botafogo e Vasco apresentavam situações financeiras mais frágeis”, diz o Relatório Convocados, desenvolvido pelo economista Cesar Grafietti com a consultoria Convocados, OutField e a Galapagos Capital.
Aos poucos, a lista de times de futebol vendidos ou que negociam a venda para fundos de investimentos, venture capital e grandes investidores vai crescendo. Contudo, ser vendido por milhões (e até bilhão) de reais não garante os três pontos.
Futebol brasileiro endividado
Assim como muitas empresas de capital aberto, boa parte dos times do país acumula dívidas e algumas chegam à casa do bilhão de reais.
Segundo levantamento da Sports Value, divulgado recentemente, o Atlético Mineiro é o clube da série A com a maior dívida do país, de R$ 1,5 bilhão, seguido do arquirrival Cruzeiro que, mesmo sendo SAF, deve R$ 1,1 bilhão.
Encerram as quatro primeiras colocações Corinthians (R$ 910 milhões) e Palmeiras (perto de R$ 876 milhões). O Botafogo aparece em sexto lugar, com uma dívida de R$ 730 milhões. Vasco também está entre os dez mais endividados, com cifras na casa dos R$ 665 milhões.
Segundo cálculos do Relatório Convocados, Galo, Cruzeiro, Botafogo e Vasco são os que levarão mais tempo para quitar as dívidas se usassem 20% das receitas médias obtidas entre 2019 e 2022, de 17,5 a 20,9 anos.
O CEO da empresa de gestão esportiva Win the Game, Cláudio Pracownik, em entrevista ao Money Times, destaca que os clubes que estavam endividados viram na SAF uma solução mais rápida para seus problemas. “Principalmente, porque ela é indispensável para um investimento direto do capital privado, nacional ou estrangeiro”, diz.
Com isso, ele acrescenta que o ‘negócio SAF’ é bom para investidores, principalmente, estrangeiros. Sendo assim, ‘um oportunismo, mas que é muito bem-vindo pelos clubes’.
“É uma oportunidade muito boa porque dada a questão cambial do Brasil e o momento de dificuldade dos clubes. É uma oportunidade de investir pouco, em moeda estrangeira, e ter a possibilidade de ter muito retorno em pouco tempo”, avalia.
Botafogo líder e 5 SAFs na página 2. O que deu errado?
Porém, virar SA dentro do futebol não é fazer milagre. Pracownik reforça que a SAF não garante eficiência desportiva, administrativa e nem financeira. Segundo ele, o que garante isso é uma gestão profissional, defendendo a adoção de instrumentos de governança.
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— Brasileirão Assaí (@Brasileirao) June 27, 2023
“Clubes que estão muito endividados têm na SAF um bom meio para se recuperarem e buscarem um caminho de sua reorganização e voltarem resultados desportivos, administrativos e financeiros. Mas a SAF não garante nada disso. O que garante é uma gestão qualificada e profissional”, reforça.
O que o nosso futebol aprendeu com a SAF?
Afinal, após dois anos, o que foi possível aprender com os clubes que aderiram à SAF? Segundo o executivo da Win the Game, ainda é cedo para buscar lições de sucesso e até de fracasso dos clubes pioneiros no modelo de Sociedade Anônima do Futebol.
Para a equipe que produziu o Relatório Convocados, as SAFs chegaram, mas a esperada transparência não veio totalmente junto. “Se é injusto ter uma visão definitiva após apenas um ano, ou menos, de operação, é justo dizer que financeiramente temos poucas novidades. Os gastos estão elevados, há falta de informações e as dívidas ainda estão elevadas”.
Contudo, segundo Pracownik, como acontece em qualquer mercado líquido e novo, esses investimentos são de risco. “Esses pioneiros merecem um prêmio porque tomaram risco antes dos demais”, diz.
Ele ressalta que clubes passam a ser geridos como empresas uma vez que, no atual modelo, não conseguem planejar seu futuro além do período do mandato de um presidente.
“Uma empresa precisa de uma visão de longo prazo, de estabilidade. O lado bom desse longo prazo é tomar decisões corretas e aguardar o momento certo para obter resultados qualificados”, enfatiza.
Todavia, ele pondera que para o torcedor, cada vez mais imediatista, a visão de longo prazo aos moldes de uma empresa pode ‘ser uma frustração’.