Furo na bolha imobiliária chinesa pode se espalhar pelo mundo, aponta Fed
Há apenas algumas semanas, analistas de Wall Street e bancos centrais foram rápidos em assegurar investidores que um colapso da China Evergrande não seria um “momento Lehman”. Reguladores em Pequim disseram que a crise seria “contida”.
Agora que a onda vendedora de títulos se espalhou por todo o setor imobiliário da China e além, cresce a preocupação com o potencial risco para o sistema financeiro global.
O Federal Reserve deixou essa correlação explícita em relatório na segunda-feira, alertando que o que acontece no setor imobiliário da China pode impactar os mercados financeiros e ameaçar o crescimento econômico mundial.
Destacando os riscos de um potencial contágio, a Autoridade Monetária de Hong Kong pediu aos bancos que divulguem sua exposição ao mercado imobiliário chinês, segundo informações da mídia local.
No centro da derrocada do mercado de títulos está a preocupação de que incorporadoras possam ter muito mais dívida do que o divulgado em seus balanços. Algumas empresas não têm conseguido pagar a dívida pública e oculta, apesar de aparentemente terem capital suficiente.
Para piorar, os crescentes custos de financiamento têm dificultado a rolagem de dívidas por incorporadoras, o que efetivamente exclui o setor do mercado de títulos em dólar. As dez maiores incorporadoras da China em vendas têm dívidas combinadas de US$ 1,65 trilhão.
“A China parece estar realizando testes de estresse no sistema financeiro”, disse Larry Hu, chefe de economia da China no Macquarie Group.
“Somente sob estresse é possível saber quanta dívida existe fora do balanço patrimonial e quanta pressão o sistema é capaz de suportar. Mas o perigo é que a China decida desacelerar tarde demais.”
A crise de caixa piora a cada dia. O rendimento de um índice da Bloomberg de títulos em dólar com grau especulativo chineses – dominado por empresas do setor imobiliário – subiu para 24%.
A nota de crédito da Kaisa Group, que na semana passada não efetuou o pagamento de produtos de gestão de patrimônio, foi rebaixada ainda mais na chamada categoria junk pela Fitch Ratings na terça-feira.
A sangria atingiu emissores com melhor classificação de crédito, como a Country Garden, e nem os títulos de uma estatal chinesa escaparam da queda. Na terça-feira, os spreads de títulos com grau de investimento do país em relação aos Treasuries mostravam a maior diferença desde abril.
O mercado acionário não saiu ileso. O índice de incorporadoras chinesas da Bloomberg está no nível mais baixo em mais de quatro anos, depois de registrar baixa de 33% em 2021.
Acionistas de empresas como Evergrande, China Fortune Land Development, China Aoyuan e Yuzhou Group acumulam perdas superiores a 70%. O indicador é avaliado em apenas 0,3 vezes o valor contábil, mostrando que operadores atribuem um desconto significativo aos ativos divulgados por incorporadoras.
Alguns veem as perdas como oportunidade. A Goldman Sachs Asset Management tem acrescentado uma “quantidade modesta de risco” por meio de títulos em dólar de alto rendimento emitidos por incorporadoras imobiliárias da China, disse Angus Bell, da equipe de gestão de portfólio do Goldman. O mercado está superestimando o risco de contágio, disse Bell em entrevista na semana passada.
Mas autoridades monetárias começam a soar o alarme. Bancos de Hong Kong serão obrigados a divulgar empréstimos e crédito emitidos para incorporadoras da China continental, títulos de unidades de tesouraria, bem como a proporção de ativos expostos, segundo informações do Hong Kong Economic Journal, que citou pessoas não identificadas.
“O estresse financeiro na China pode pressionar os mercados financeiros globais por meio de uma deterioração da percepção de risco, representar riscos para o crescimento econômico global e afetar os Estados Unidos”, disse o Fed no Relatório de Estabilidade Financeira semestral divulgado na segunda-feira.
Os alertas vêm dos dois lados. Autoridades da China culpam a liquidez pós-pandemia liberada por bancos centrais de outros países, o que teria inflado os preços. Em março, o regulador do setor bancário chinês disse que bolhas de ativos nos mercados estrangeiros representam um risco para a economia global e podem explodir em breve.