China

Fundo Gávea ajusta estratégia e aposta em diversificação no exterior para fugir do risco local

23 jan 2018, 11:59 - atualizado em 23 jan 2018, 12:00

Por Angelo Pavini, da Arena do Pavini

No mercado financeiro, uma ótima estratégia pode se tornar um desastre de uma hora para outra. Foi o que aconteceu com a aposta contra a moeda chinesa, que deu grandes ganhos para o fundo multimercado Gávea Macro em 2015 e 2016, mas que em 2017 provocou perdas que fizeram a carteira fechar o ano com ganho de apenas 6,22%. Agora, o fundo já ajustou sua rota e deve continuar investido pesado no exterior, mas em outras estratégias, explica Bernardo Carvalho, sócio da Gávea Investimentos. “Mas em três anos ainda estamos no lucro”, afirma o gestor.

Gestor do Soros

Carvalho explica que o Gávea Macro é um multimercado diferente da maioria porque tem um portfolio bastante global, com 70% a 80% de seu risco alocado fora do Brasil, que responde por 30% em média do desempenho da carteira. A ideia é usar a expertise do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, fundador da Gávea. Um dos mais respeitados economistas do mundo, Fraga trabalhou durante alguns anos com o megainvestidor George Soros especulando com moedas e títulos de países, especialmente os emergentes. E continua fazendo isso em sua gestora.

Especulação global

A Gávea tinha seu portfolio global desde 2003, mas, pela legislação brasileira, não poderia oferecer a carteira aqui, somente para estrangeiros. A partir de 2007, foi permitido aos fundos locais investirem no exterior e as carteiras da Gávea passaram a replicar a estratégia global. “É uma estratégia só, como o Armínio fazia no Soros”, explica Carvalho. Essa estratégia começa com uma seleção de países, como os gestores fazem com ações, o chamado “stock picking”. Depois, é feita uma avaliação dos papéis ou moedas que vão cair, que serão “vendidos” nos mercados internacionais, enquanto os que devem subir são comprados. “É uma espécie de fundo de arbitragem, um longo short macro”, afirma Carvalho.

Muita gente contra a China

O problema foi que a Gávea estava apostando na queda da moeda chinesa, assim como muitos outros gestores globais e mesmo aqui do Brasil (Luís Stuhlberger, do fundo Verde, que rendeu 5,25% em 2017, entre eles). Mas eles foram pegos de surpresa por uma reversão do cenário na Ásia no começo do ano passado. “A China em 2015 e 2016 vinha mostrando enormes fragilidades, com forte saída de capitais”, lembra Carvalho. “Havia ainda riscos enormes pela grande alavancagem das empresas e das pessoas no mercado imobiliário e isso criou muitas dúvidas se o modelo de crescimento chinês continuaria vigorando”, explica. Assim, a moeda chinesa caiu nesses dois anos, mas a situação mudou em 2017.

Chineses deram a volta por cima

No ano passado, o crescimento foi mais forte que o esperado na China nos países asiáticos. Parte por causa dos estímulos do governo chinês dados durante o ano de 2016 e que deram resultados no ano seguinte. E parte pela melhora da economia global, em especial dos Estados Unidos, o que também ajudou o governo chinês a adotar controles de capitais em um cenário mais estável.

Houve também uma mudança na produção do setor de tecnologia, explica Carvalho. Nos últimos anos, ocorreram avanços importantes em semicondutores e memórias de equipamentos digitais, como celulares e servidores, o que fez o setor ter um crescimento muito expressivo em 2017. “E a China participou disso junto com Coreia, Singapura. “As inovações são criadas no Vale do Silício, mas a produção é feita na Ásia e houve um enorme aumento de produção de bens de tecnologia.”

Assim, o incentivo do governo chinês ajudou na economia antiga, recuperando o mercado imobiliário e as empresas, o mundo crescendo ajudou no controle de capitais e o aumento na produção da tecnologia reforçou o crescimento.

Com isso, a moeda chinesa não se desvalorizou e os fundos da Gávea sofreram no primeiro trimestre do ano passado. “Fomos então mudando o posicionamento ao longo do ano, zeramos a posição, apenas de ainda detectarmos vários riscos na economia chinesa, mas não estamos mais tão negativos como no começo do ano passado”, afirma Carvalho.

Com a mudança, o fundo Gávea Macro melhorou seus resultados no terceiro e no quarto trimestres, mas não o suficiente para compensar as perdas do começo do ano. “Adotamos outras teses globais, aproveitando o crescimento mundial no último trimestre e a calmaria na Europa, onde o risco de deflação acabou”, diz.

Juros de volta ao normal

O fim do pior da crise abre espaço para a normalização dos juros nos países desenvolvidos, que devem subir para perto dos níveis históricos, explica Carvalho. “O Fed (Federal Reserve, banco central americano) já entregou três subidas de juros no ano passado e deve dar mais três este ano, o Banco Central Europeu (BCE) está reduzindo o QE (Quantitative Easing, programa de recompra de títulos dos bancos) e pode voltar a subir juros”, afirma. “Passamos a apostar na retomada dos juros dos grandes centros globais e deu bastante resultado.”

Bancos na Rússia e Leste Europeu

Outras apostas, que Carvalho chama de “idiossincráticas”, foram feitas em bolsa na Rússia, no setor de bancos, e em moedas e juros de países do Leste Europeu, e que segundo ele, andaram bem.

No Brasil, o fundo prefere ficar neutro. “Tivemos ganhos expressivos com a queda dos juros aqui, mas mantivemos proteções, como aplicações em dólar contra o real”, diz. Para Carvalho, foi a aposta mais pesada no exterior que fez o fundo ganhar menos que outros locais. “Os concorrentes não operam a parte global e ganharam muito com juros aqui”, afirma.

Mesmos riscos locais

Carvalho destaca que o que valeu ano passado para o Brasil ainda vale, com muita preocupação com parte fiscal. “A dinâmica da divida pública é muito preocupante, as reformas foram atrapalhadas pela confusão politica e o tema da reforma da Previdência, por exemplo, não pode ser tratado com a seriedade necessária por conta da disputa pela Presidência”, afirma. Assim, a parte fiscal é um problema que preocupa bastante e depende da eleição para saber como vai ser tratado no próximo governo.

Cenário político incerto e mais populismo

Para ajudar a complicar as coisas, há uma incerteza muito grande com eleição, se Luiz Inácio Lula da Silva vai ser candidato ou não e quais seriam os outros nomes favoritos. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin aparece como o candidato de centro, mas começam a surgir outros nomes dividindo as forças, como o do presidente da Câmara, Rodrigo Maia e o ministro Henrique Meirelles, além de nomes que vão e vêm, como o do apresentador Luciano Huck ou o prefeito de São Paulo, João Dória. “Há discursos muito mais populistas também, especialmente no cenário pós-crise, ao mesmo tempo em que o próximo presidente vai precisar de um discurso muito bem encadeado para entregar as reformas que o país vai precisar para ele governar”, avalia.

País não aguenta uma nova “Dilma”

O cenário para a eleição, hoje, é muito binário, afirma Carvalho, com candidatos pregando contra a reforma e outros a favor. “Mas o Brasil não tem fôlego para mais um governo Dilma (Rousseff, presidente deposta, que aumentou os gastos e o endividamento público), não temos mais gordura nenhuma”, alerta o gestor. “Se o próximo presidente não tiver o compromisso com o ajuste fiscal, o impacto pode ser muito grande nos mercados”, diz. “Vemos riscos muito grandes, por isso preferimos continuar com nossas proteções para um ambiente em que a situação no Brasil é delicada e em que os EUA sobem os juros para 2,5%”, afirma. “Enquanto isso, temos aplicações que não são influenciadas pelo cenário local, como as na alta dos juros globais, não só em países como Estados Unidos e Alemanha, mas também em países do Leste Europeu, como República Tcheca, Polônia e bancos na Rússia”, explica.

A expectativa de Carvalho é que, com a carteira mais voltada para o exterior, o Gávea Macro siga mais descorrelacionado do mercado local e dos fundos brasileiros. “Nossa ideia é ser uma alternativa de diversificação para o investidor, que já tem muitos fundos multimercados aqui correndo o risco local”, explica.