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Fuja das análises erradas e não considere apenas múltiplos ou demonstrações contábeis

28 set 2022, 15:03 - atualizado em 28 set 2022, 15:03
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Análises que consideram exclusivamente aspectos contábeis ou múltiplos não trazem informação útil e podem resultar em surpresas negativas (Imagem: Agência Brasil/ Marcello Casal jr)

Por Estevão Seccatto*

“A empresa XPTO apresenta P/E de X e EV/EBITDA de Y” então podemos assumir… nada. Isso mesmo.

Não podemos assumir coisa alguma, com base em múltiplos, ou análises que levem em consideração exclusivamente aspectos contábeis. Resultado contábil é resultado econômico, refletido na contabilidade, pelo princípio da competência. Já o resultado caixa diz respeito às entradas e saídas de recursos da empresa.

Diversos gestores de recursos, utilizam-se apenas de demonstrativos contábeis (demonstrativo de resultado do exercício, balanço patrimonial e fluxo de caixa indireto) para realizar as suas tomadas de decisão.

Com isso, fazem análises, comparando empresas do mesmo setor, ou verificando a evolução de uma empresa específica ao longo do tempo, a fim de decidir para corroborar a alocação de capital, deduzindo que tais empresas estão “baratas” ou “indo bem ou mal”. Este é um erro grave.

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Análise holística

Se duas empresas, do mesmo setor, possuem o mesmo EV/EBITDA, mas uma tem capex anual superior à outra, a análise estará distorcida, pois a que consome mais capex estará, em teoria, mais cara. Se o capital de giro empregado for ineficiente, também teremos um índice que pouco agrega.

Esse raciocínio vale para todos os indicadores que, se não analisados holisticamente, considerando também a geração de caixa operacional e financeira, não trarão informação útil.

Imagine uma empresa que remunera seus executivos com base nos resultados gerados, como por exemplo meta de EBITDA, mas precisa realizar investimentos altos ou consumir bastante capital de giro para que esse EBITDA seja atingido. Não seria correto premiar um executivo que consome mais caixa do que outro que pensa em otimização do retorno sobre capital investido, mesmo que o EBITDA alcançado pelos dois seja o mesmo.

E isso acontece com frequência.

Agora, imagine um produto cujo um ciclo de conversão de caixa seja 12 meses. Se a empresa não levar em consideração o custo de capital da operação, e fizer somente análise contábil, o produto apresentará margem de contribuição positiva, acobertando um resultado de caixa que poderá ser negativo.

É certo pagar a mesma comissão para um vendedor que vende com prazo de recebimento de 90 dias que para um outro que vende com prazo de 30 dias?  Faça esse raciocínio e, em seguida, potencialize isso em uma situação de estresse.

Uma empresa em crise severa chega a pagar 4% ao mês de juros, e, se um vendedor está vendendo com prazo de 30 dias, e outro está vendendo com prazo de 90 dias, existe uma diferença de 60 dias de custo financeiro, uma diferença no caixa de 8% sobre o valor da venda. O impacto de juros na conta da rentabilidade dos produtos precisa ser avaliado.

Exemplos não faltam…

Assessorei uma trading que faturava R$ 4,0 bilhões, com margem líquida de 2,0%, e financiava a importação dos seus clientes. O resultado contábil era positivo, mas a alavancagem só aumentava e ninguém sabia o porquê.

Quando comecei a analisar a situação de forma detalhada, vi que a empresa tinha um ciclo de conversão de caixa muito longo e, portanto, não apresentava o resultado positivo para os seus acionistas, se financiando com cada vez mais dívidas. O aumento exacerbado da dívida, aliado ao inadimplemento de alguns clientes, levou a empresa a pedir recuperação judicial.

Outro cliente, fabricante de notebooks, tinha prazo de importação de aproximadamente 4 meses (com pagamento a vista da matéria prima), mais um mês de fabricação, mais quatro meses para receber dos grandes varejistas. O ciclo total era de nove meses.

Ao assumirmos a empresa, praticamente cessamos as vendas aos grandes varejistas (120 dias de prazo de pagamento com margem de contribuição de 10%), pois o custo de capital inviabilizava a operação. Mudamos o foco para pequenos varejos, que pagavam mais rápido e com melhor margem.

Como a empresa estava com falta de capital de giro, foi preciso priorizar as vendas com retorno mais rápido de caixa. Implementar essa mudança foi um grande desafio junto aos executivos da área comercial, que perderam comissões de vendas. A área comercial que era remunerada com percentual de vendas sobre grandes volumes passou a ser comissionada pela margem.

Bottom line

Desta forma, ao analisar empresas, entenda o DRE, faça as análises horizontal e vertical, verifique a composição do endividamento e sua evolução no tempo, veja como está o ciclo de conversão de caixa, e quais são os investimentos realizados.

Mas, prioritariamente, saiba se a empresa gera dinheiro. Ou seja, se o fluxo de caixa operacional supera o fluxo financeiro.

Caso contrário, você poderá ter uma surpresa negativa em algum momento, independente dos “múltiplos relativamente favoráveis”.

*Estevão Seccatto é conselheiro e gestor de empresas, tendo assessorado mais de uma centena de empresas em diversos setores. Professor de Turnaround na FIA Business School e Empiricus Research. Colunista do Money Times e outros veículos de imprensa. Engenheiro naval (Poli/USP), extensão em economia (Harvard), finanças e marketing (USP), tecnologia (Singularity), finanças (Duke), mestrando (Liverpool) e MBA em Banking (FIA). Foi head global de M&A da Atento (NYSE), restruturador de empresas pela KPMG e IVIX, diretor da G4S (LSE) e associado no private equity Artesia (IPO de 3 empresas). 

DISCLAIMER

O presente texto foi realizado com informações disponíveis publicamente e com base na experiência prática de seu autor, não sendo recomendação de conduta, investimento de qualquer espécie.

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