Friedrich Hayek: A falta que ele nos faz
Pedro Lula Mota é editor do Terraço Econômico
Radical, intuitivo, genial, controverso, lúcido, esses são só alguns adjetivos que podemos atribuir a Friedrich Hayek, economista e filósofo nascido em Viena em 1899, que mais tarde viria compor o panteão de notáveis da “Escola Austríaca”, com uma importante participação no pensamento econômico moderno e em especial na consolidação do liberalismo. É curioso como ele, bem como outros grandes economistas, recorrentemente são resgatados para debates de grandes questões, seja de cunho econômico ou político, sobretudo em momentos de crise e mudanças.
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Trazendo rapidamente para nosso cenário doméstico. Já de comum acordo que a atual crise brasileira nasceu e foi patrocinada pelas mãos do Estado, pela sua atuação atabalhoada em diversos setores e pelo total descompromisso fiscal. E um dos efeitos mais diretos deste cenário é o ganho de força dos movimentos alinhados com o pensamento liberal, de redução do tamanho do Estado, do livre mercado e da promoção da concorrência, etc… Hayek entra em cena de novo, e estaria orgulhoso – ou não!
Portanto, este artigo tem como principal objetivo resgatar as principais ideias e pensamentos promulgados por ele, mesmo que de caráter introdutório, enaltecendo sua contribuição originária e oferecendo os devidos créditos, que como veremos mais a frente, por muitas vezes foi injustiçado e considerado insano.
Hayek, o sóbrio
Como comentamos, Hayek nasceu na Europa Ocidental, rodeado de grandes cientistas e iluminado no ambiente eufórico das descobertas de Charles Darwin. Acreditava – como muitos outros – que sua grande missão na terra era solucionar os grandes segredos do universo, e logo descobriu sua paixão e interesse por economia. Sentia-se instigado pelos movimentos da economia e toda sua complexidade, acreditando que a ciência econômica não deveria ser algo exato e rígido, mas social e líquido, não se atrevendo a fazer previsões exatas e repudiando qualquer tipo de controle sob a conjuntura econômica. Era muito comum na época economistas postularem que poderiam ajustar a economia como se fossem engenheiros, como se a economia fosse uma máquina quebrada necessitada de reparos.
Seguindo a lógica darwinista, Hayek acreditava que o mercado é fruto da evolução da humanidade, passando do escambo prosaico, mercantilismo, capitalismo originário, até se tornar uma espécie de maravilha da natureza, que impulsionaria a civilização a progredir.
Hayek analisava o mercado como um sistema de telecomunicações, no qual bilhões e bilhões de informações são processadas, ao sabor da oferta (sempre volátil de recursos) para suprir a demanda, e sua livre flutuação traria a situação de máximo de bem-estar. E qual seria o canal transmissor? Os preços, que guiam as ações dos agentes à medida que aumentam ou diminuem. Nesse aspecto, qualquer tipo de intervenção discricionária, por parte do Estado ou instituições, apenas geraria distorções ao sistema, não solucionando de fato a recessão e com a possibilidade de criar outro problema ainda maior.
Não nos esqueçamos, meus caros, que o autor vivenciou o a hiperinflação alemã, observou de perto como o abuso do governo com o dinheiro público é perverso – a 1ª guerra mundial deixou o Estado com altas dívidas e com a arrecadação solapada, que por sua vez incumbiu o Banco Central de imprimir “a rodo!”. O Banco Central acatou a missão emitindo o que fosse necessário para cumprir suas obrigações e títulos, chegando ao escárnio de 500 mil Reichsmark – a moeda podre da época- ser equivalente a um mísero pão. Então, o autor desenvolveu um pavor que remota sua infância pela inflação, pelo descontrole inflacionário patrocinando pelo aparelho estatal, que no limite socializa suas perdas com a sociedade.
Trocando em miúdos, e indo ao centro da teoria e da principal crítica de Hayek: seu núcleo duro é a questão do monopólio do dinheiro pelo Governo. Este sempre foi o maior dos problemas, sim a velha e boa impressora estatal! Em um mundo ideal, o preço de cada moeda seria determinado no mercado, de acordo com a concepção dos agentes e da conjuntura. O papel moeda fiduciária e de curso forçado é uma anomalia criada pelo aparelho estatal e o austríaco chegou a propor então que empresas individuais emitam pedações de papel que não sejam lastrados por qualquer bem de capital ou consumo. No limite, seria uma privatização do banco central.
Pode parecer algo excessivamente radical e desprovido de lógica, mas a proposta hayekiana ataca diretamente os interesses escusos do Estado, pois argumenta que, se ao menos os obstáculos governamentais fossem removidos, o livre mercado iria fornecer a quantidade (e a variedade) ótima de produtos monetários. Assim como as forças da concorrência levam a preços baixos e a qualidades superiores em toda e qualquer área, a concorrência na “indústria do papel-moeda” também levaria a moedas que seriam infinitamente melhores do que aquelas fabricadas pelo Estado. Por exemplo, as moedas privadas seriam bem mais estáveis em garantir seu poder de compra – ou seja menos inflacionária, com melhores condições de segurança e credibilidade.
Quando uma sociedade confere mais poder ao Estado, existe uma erosão da liberdade econômica e, por conseguinte, redução da liberdade política, levando a uma situação da valorização do personalismo, de sebastianismo [1], de eleger um homem poderoso, algo muito próximo do que temos em nosso presidencialismo tupiniquim, não? No limite, se tornaria um ditador, para solucionar todos os problemas da sociedade. O socialismo e nazismo são os exemplos mais patentes.
Para Hayek, não existe liberdade política sem liberdade econômica e o contrário é verdadeiro. Afirmava que é impossível substituir o mercado por um planejador central e a liberdade individual é um valor em si e intrasferível. Não por acaso, em um de seus melhores artigos “The Use of Knowledge in Society” [2] de 1945, demonstrava que um planejamento concentrado em um comitê ou qualquer coisa parecida nunca terá a capacidade de substituir o mercado e sua complexidade, pois cada indivíduo detém apenas uma pequena fração do conhecimento disponível, a informação encontra-se sempre de forma difusa e líquida.
Teoria dos Ciclos Econômicos e Crises
O autor, vivenciou o atribulado século XIX, século de crises, guerras e grandes descobertas. Hayek estava no auge de sua juventude no período conhecido como “era de ouro” do capitalismo, período subsequente às duas guerras mundiais e recessões econômica profundas. Confrontando suas ideias diretamente como outro famoso economista, John M. Keynes da escola de Cambridge, arauto da intervenção estatal e do gasto público como motor do crescimento.
Como demonstra a história, os programas adotados pelas nações, como o New Deal, o Plano Marshall e até mesmo os planos de expansão das potências beligerantes são práticas de um Estado forte e interventor. Portanto, Hayek “perdeu” o debate categoricamente e, dizem as más línguas, que entrou em profunda depressão. Porém, algumas décadas depois, passado o período de bonança, seu nome foi relembrando por muitos, chegando ao ponto de ser laureado com o Nobel de Economia em 1974. A vida havia começado de novo.
Para Hayek, a recessão é nada menos que um retorno à normalidade, ou seja, é nos períodos de expansão da economia que se criam todas as distorções que vão explicar a derrocada da economia. O New Deal, por exemplo, nada mais seria que um programa artificial que não deixaria a economia se maturar e retornar novamente ao seu ponto ideal e ajustar-se naturalmente. Portanto, leva até às últimas consequências a teoria do capital e a análise dos ciclos de Mises –um de seus mentores-, ao explicar de que forma o intervencionismo monetário produz uma generalizada descoordenação temporal, os déficits fiscais gerados e a bonança de crédito ofertado abaixo de seu valor de mercado, influenciaria negativamente e produziria ainda mais distorções nas decisões dos agentes econômicos investidores, consumidores e empresários.
As recessões, portanto, seriam nada menos que a etapa de saudável e necessário reajustamento econômico. Segundo Hayek, não se deve tentar evitar as recessões, pois elas encerram toda expansão creditícia anterior ou fomento artificial do consumo, promovendo o gradual retorno das forças do mercado para estabelecer uma estrutura produtiva compatível com os verdadeiros fundamentos econômicos.
Com a sua redenção no início dos anos 80, Hayek volta à cena política e econômica como um verdadeiro “pop star”, mesmo que negando e tentando manter-se humilde, mesmo no momento de receber seu Nobel declarou: “Nobel confere a um indivíduo autoridade que, em economia, nenhum homem deveria possuir… Isso não é um problema para as ciências da natureza”.
No âmbito da moral, alegava também que os economistas deveriam evitar a arrogância, evitando a comum soberba e o que ele chamava de pretensão da sabedoria: fingir que sabemos de algo sem de fato saber, e ainda agir como se soubéssemos, pois somos incapazes de prever a economia com total certeza.
Não à toa, era recorrente encontrar na bolsa de Margareth Thatcher, a dama de ferro britânica, devaneios e trechos escritos pelo próprio Hayek, símbolo da ideologia predominante e das políticas que vinham sendo implementadas no Reino Unido, como o fim do consenso pós-keynesiano, da total liberalização dos mercados financeiros e do ataque aos sindicatos patronais.
Mas os seguidores de Hayek ainda dizem que a desregulamentação foi pequena, e estas explicam todas as crises posteriores no sistema capitalista, seja nos países desenvolvidos (bolha.com, crise de 2008, etc) e também nos emergentes como Rússia, México, Brasil– todas influenciadas pelo fenômeno de moral hazard, na promessa para todos os agentes de que a crise se aprofundar, o governo iriá intervir – as empresas eram autorizadas a fazer tudo, menos falir.
O Caminho da Servidão, uma doutrina não estacionária [3]
Em seu período de ostracismo intelectual, Hayek começou a escrever a sua obra mais famosa, de conteúdo totalmente político e filosófico, na qual demonstra por meio de argumentos da moral e do indivíduo as tentativas do governo de controlar a economia e assim escravizar seu povo.
O livro foi muito bem recebido nos EUA, já que é bem compatível com o tipo de individualismo americano, daquela velha fábula weberiana na qual qualquer um poderia tornar-se milionário se trabalhasse arduamente. Alega também que um Estado patronal e benévolo na verdade corrói a saúde da democracia (uma constatação no mínimo malograda de sua parte) e cria o ambiente perfeito para a tirania.
A tese central de Hayek é que todas as formas de coletivismo, sejam mais à esquerda ou à direita, levam invariavelmente à tirania e à restrição das liberdades, fato comprovado nos casos da Alemanha Nazista, da União Soviética e dos demais países do blocos da internacional comunista. Em um sistema de planejamento central da economia a alocação de recursos é de responsabilidade de um pequeno grupo, que segundo Hayek é este incapaz de processar a enorme quantidade de informações pertinentes à adequada distribuição dos bens à sua disposição. Face à gigantesca concentração de poder nas mãos de um restrito número de burocratas, divergências acerca da implementação das políticas econômicas levaria invariavelmente para o uso da força estatal para que suas medidas fossem toleradas.
Em última instância, a implementação de um órgão de controle central da economia nunca de fato atingiria seus objetivos, e levaria ao declínio da maioria das liberdades individuais. Somente, e apenas somente uma sociedade livre, em que o mercado estivesse sob a égide da ordem espontânea dos fatos e das infinitas relações entre as pessoas, seria o caminho ideal e seguro para o progresso econômico e de bem-estar.
Pelo exposto, fica nítido que estudar o austríaco pode não ser uma boa ideia para marinheiros de primeira viagem ou apaixonados pela ideologia do “Deus Mercado”, mesmo porque apesar de todas as suas contradições e genialidades, Hayek era dotado de uma lucidez incrível, humildade e visão de mundo única, não somente no funcionamento da economia, mas da assunção da nossa insignificância frente a esse exuberante sistema de preços chamado mercado.
Pedro Lula Mota
[1] Crença mística, propagada em Portugal logo após o desaparecimento de D. Sebastião 1554-1578, segundo a qual este rei, como um novo messias, retornaria para levar o país a outros apogeus de glórias e conquistas
[2] http://www.econlib.org/library/Essays/hykKnw1.html
[3] Link para o livro on-line: http://www.monergismo.com/textos/livros/hayek-ocaminhodaservidao.pdf