Financiamento em yuan chinês: por que não experimentar?
Experimenta! Experimenta! Experimenta!… Esse era o slogan de uma propaganda famosa e popular do cantor Zeca Pagodinho de 2003. Na época, ele incentivava as pessoas a experimentar uma nova bebida. A propagada trouxe um hit bem sucedido e bem humorado entre jovens, que virou um sinônimo animador de experimentar coisas novas.
Vinte anos depois, será que as empresas e bancos brasileiros estão dispostos em usar o mesmo espírito jovem para experimentar novas alternativas de financiamento? No caso, fazendo empréstimos em renminbi – ou yuan, como é conhecida a moeda chinesa.
Para responder a essa pergunta, é preciso, primeiro, entender um pouco mais o mercado de empréstimos de moeda internacionais no Brasil. Afinal, quais “os sabores” tradicionais de empréstimos bancários em moedas internacionais que as empresas brasileiras já conhecem? Será que essas moedas tradicionais ainda atendem este mercado global diante dos novos desafios geopolíticos?
Muito além do yuan
De fato, fazer empréstimos em moedas internacionais que não seja dólar não é uma novidade. Nos anos mais recentes, por exemplo, uma parte desses empréstimos foram usados para fazer operações de arbitragem financeira. É como são chamadas as operações de carregamento (carry trade).
As tesourarias de banco e empresas brasileiras pegam empréstimos em moedas internacionais, onde a taxa de juro daquela moeda é relativamente mais baixa e com maior tendência de desvalorização. Ao trazer essa moeda internacional para aplicar em real no Brasil, onde taxa de juro é mais elevada e o valor de moeda mais estável, ganha-se com esse diferencial sob a forma de lucro financeiro. Assim, as despesas financeiras dessa operação internacional seriam menores que os seus ganhos financeiros no Brasil, garantindo um lucro extra.
Os financistas brasileiros estimam lucros de 20% a 40% com operações de “carry trade” realizadas 2021 e 2022 com o euro, dependendo do momento de contratação e vencimentos das operações. Nesse período, o euro tinha taxa de juros anuais próximo do zero. Ao mesmo tempo, a moeda única europeia sofreu desvalorização por questões do conflito entre Rússia e Ucrânia.
Usando esse mesmo racional de diferenças entre taxas de juros entre as moedas internacionais e real brasileiro, o destino desses empréstimos de moedas internacionais também pode apoiar o comércio internacional das empresas brasileiras. Diferentemente dos bancos centrais das maiores economias do mundo e do Brasil, o Banco do Japão (BoJ) tem mantido sua política monetária expansionista intacta, com os juros básicos próximo do zero ou ainda no campo negativo desde 2010.
Com isso, várias empresas exportadoras e importadoras brasileiras aproveitaram essa oportunidade de custo baixo de empréstimo no iene japonês, especificamente as linhas de crédito comercial para financiar suas operações de comercio internacional com o próprio Japão ou com outros países do mundo. Vários bancos também têm captados esses empréstimos baratos para oferecer ACCs (adiantamento de contrato de câmbio) e outras modalidade de trade finance no Brasil para seus clientes brasileiros.
Por que não o yuan?
Assim, será que esse não seria um ótimo momento de pensar uma alternativa para fazer empréstimos em uma nova moeda internacional. No caso, o yuan chinês (RMB), na modalidade de trade finance de curto prazo, com redução de exposição cambial, por exemplo?
Afinal, uma vez que a taxa de juros em yuan chinês está em torno de 2% – portanto, mais baixa que dólar, real e euro – a perspectiva de longo prazo da moeda chinesa também é de estabilidade.
Além disso, desde a reforma em agosto de 2015, o yuan chinês tem aumentado sua eficiência de mercado. Ou seja, existe maior orientação pelas forças dos mercados e maior transparência na determinação de taxa de câmbio onshore (CNY) e offshore (CNH).
Por isso, não só vários BCs do mundo, como também o próprio Banco Central do Brasil tem aumentado a participação do renminbi (yuan chinês) na carteira de reservas cambiais.
Comércio internacional experimenta
Já se sabe que muitas empresas estão usando mais yuan chinês nas transações comerciais internacionais. É o caso dos principais países parceiros comerciais da China, por exemplo, os países- membros do ASEAN (Associações das Nações do Sudeste Asiático) e os principais exportadores de petróleo e gás do Oriente Médio e a Rússia.
Além disso, empresas globais de commodities agrícolas e metais da África, também têm aumentado aceleradamente desde o ano passado o uso do yuan chinês nas exportações e importações.
Assim, um dos grandes benefícios de usar a moeda chinesa no comércio internacional é ter mais acesso a financiamento em yuan. E isso ajuda muitas empresas participantes das trocas comerciais globais.
Ou seja, à medida que as atividades comerciais internacionais diretas de produtos e serviços precificados em yuan aumentam, mais empresas e bancos estão pesquisando, cotando, avaliando e contratando as modalidades de financiamentos em moeda chinesa no curto e longo prazo. Dessa forma, é possível apoiar essas transações comerciais.
Mesmo que algumas dessas transações comercias ainda sejam precificadas em dólar ou em euro, devido ao contrato vigente no passado, essas empresas também começam a usar empréstimos em yuan para apoiar essas transações.
Por fim, seguindo essa lógica de menor custo relativo de empréstimos na moeda chinesa, a tendência de maior participação de volume de negócios internacionais globais, maior aceitação entre agentes econômicos internacionais, maior estabilidade cambial, maior comprometimento do governo chinês com desregulamentação e mais transparência no mercado, tende a tornar o yuan uma alternativa interessante de linha de crédito de trade finance para empresa e bancos brasileiros na complementação da atual fontes de financiamento.
Portanto, fica a dica do slogan de outrora. Experimenta! Experimente! Experimenta!
*Hsia Hua Sheng é vice-presidente do Bank of China (Brasil) S.A. e professor associado de finanças na Fundação Getulio Vargas (FGV- EAESP). É economista pela Universidade de São Paulo (FEA – USP), doutor e mestre em administração em finanças pela Fundação Getulio Vargas (FGV – EAESP). Foi pesquisador visitante na NYU Stern School of Business e na Shanghai University of Finance and Economics (SHUFE). É especialista em finanças internacionais com foco em mercados emergentes; possui larga experiência profissionais em multinacionais e várias publicações em revistas acadêmicas e profissionais de excelências internacionais e nacionais.