Fiagro: de fundo estruturado a hedge fund do agronegócio brasileiro
Por Tomaz Henrique Lopes, sócio do escritório Souto Correa
A participação do agronegócio no PIB do Brasil pode ultrapassar 30% em 2021, segundo projeção do Cepea-Esalq/USP, em parceria com a CNA.
No ano de 2020, essa participação foi de 26,6%, relativamente a 20,5% em 2019, o que demonstra o forte crescimento do setor e sua relevância para a economia brasileira, mesmo em meio à crise mundial decorrente da pandemia de Covid-19.
Por outro lado, com o encerramento do Plano Safra 2020-2021, produtores rurais e cooperativas de crédito contrataram no crédito rural oficial (aquele com recursos públicos ou subvencionados ou controlados pelo poder público) R$ 271,5 bilhões no período de 01/07/2020 a 30/06/2021, aumento de 27% em relação ao período anterior.
O Plano Safra 2021-2022, lançado pelo governo federal em junho, prevê mais R$ 251,22 bilhões para
financiar a produção agropecuária nacional.
A efeito de comparação, o patrimônio líquido de toda a indústria de FIIs (fundos imobiliários), que se popularizou no país, com mais de 1,3 milhão de investidores pessoa física na bolsa, não chega a R$ 200 bilhões, conforme últimos dados divulgados pela B3 e ANBIMA.
Nesse contexto, surgem os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), que prometem fazer a ponte entre o mercado de capitais e o agronegócio brasileiro, promovendo o financiamento privado do setor.
O total do mercado regulado pela CVM é estimado em R$ 33,72 trilhões no primeiro semestre de 2021, representando um crescimento de 15% em relação ao mesmo semestre do ano anterior e denotando o enorme potencial do mercado de capitais para o financiamento privado do agronegócio (cf. primeira edição do Boletim Econômico da CVM).
Os Fiagro foram criados pela Lei nº 14.130/2021, que alterou a Lei nº 8.668/1993, a qual instituiu os FII.
Isso significa que os Fiagro e os FII compartilham, em grande parte, a mesma base legal e regime
tributário, como a isenção do Imposto de Renda incidente sobre os rendimentos distribuídos por esses fundos para as pessoas físicas, nos termos da Lei nº 11.033/2004, o que acaba sendo um grande atrativo para a capitalização dos Fiagro e o direcionamento de investimento privado para as cadeias produtivas agroindustriais.
Assim, a CVM decidiu dar uma resposta rápida ao mercado e regulamentou os Fiagro, em caráter temporário e experimental, por meio da Resolução CVM 39.
A norma começou a valer a partir de 1º de agosto e vai permitir o registro na CVM para funcionamento de três categorias de Fiagro: Fiagro – Imobiliários, Fiagro – Participações e Fiagro – Direitos Creditórios, às quais serão aplicáveis, respectivamente, as normas específicas que regem os FII, FIP e FIDC, com as modificações trazidas pela Resolução.
Categoria | Tipo | Público-alvo | Norma específica |
---|---|---|---|
Fiagro (Imobiliários) | Fechado | Investidores em geral | Instrução CVM 472 (FII) |
Fiagro (Participações) | Fechado | Investidores qualificados | Instrução CVM 578 (FIP) |
Fiagro (Direitos Creditórios) | Aberto ou Fechado | Investidores qualificados | Instrução CVM 356 (FIDC) |
A opção da Autarquia por utilizar-se de seu arcabouço regulatório vigente, aplicável a fundos estruturados, para estabelecer um regime transitório ao Fiagro, traz celeridade e merece ser aplaudida de uma parte, mas, por outra, impõe limitações à atuação desse fundo em toda a extensão prevista em lei.
Um outro caminho seria aguardar pela realização de estudos e audiência pública para a edição de regulamentação definitiva sobre Fiagro em toda a extensão prevista em lei, o que a CVM não estima ocorrer antes de 2022.
Exemplificativamente, a Resolução não admite o registro de Fiagro – Direitos Creditórios que pretenda aplicar seus recursos nos chamados direitos creditórios não-padronizados (como créditos vencidos e não pagos no momento da aquisição pelo fundo), nem de Fiagro, em qualquer das categorias, que se proponha a atuar de forma diversa daquela autorizada pela Resolução.
Já a Lei que o criou permite que o Fiagro invista seus recursos em uma ampla gama de ativos, isolada ou conjuntamente, tais como imóveis rurais, participações em sociedades, direitos creditórios do agronegócio ou relativos a imóveis rurais e títulos de securitização lastreados nesses direitos creditórios, incluindo não-padronizados e cotas de fundos de investimento, bem como outros valores mobiliários, títulos de crédito ou ativos financeiros, desde que relacionados com a cadeia produtiva agroindustrial e observada a regulamentação da CVM.
Dessa forma, nova norma da CVM que venha a substituir a Resolução, aliada às inovações criadas pela Lei de Liberdade Econômica (como a possibilidade de constituir patrimônio segregado para cada classe de cotas, a exemplo das managed accounts do direito norte-americano), poderá autorizar a constituição de Fiagro híbrido, que opere como um misto de FII, FIP e FIDC, ou verdadeiro hedge fund do agronegócio brasileiro, atributos que o tornam um dos fundos mais versáteis do Brasil.
O Agro Times já realizou uma entrevista, destrinchando o Fiagro de cabo à rabo, mostrando que o investimento pode cair no gosto dos investidores tanto quanto os fundos imobiliários (FIIs) já o são.