Opinião

Femme Economicus: Mais um mi mi mi feminista

28 nov 2018, 11:40 - atualizado em 28 nov 2018, 16:48
“A agressividade e a linguagem não muito amigável do meio financeiro afastam as mulheres”

Por Elaine Fantini, jornalista – Siga no Instagram

“Os homens sempre tiveram permissão para agir em nome do interesse pessoal – tanto na economia, quanto no sexo. Para as mulheres, essa liberdade é um tabu.”

Katrine Marçal

Para alguns falar de diferenças e particulares entre os sexos já está fora de moda. Não precisa mais disso em pelo século XXI. Hoje, as mulheres fazem o que querem e têm os mesmos direitos.

De fato, a Constituição de 1988 (ainda no século passado) garantiu direitos iguais para homens e mulheres. Antes disso, as brasileiras tinham conquistado o direito de votar em 1932, e com o Estatuto da Mulher Casada de 1962, elas puderam entrar livremente no mercado de trabalho, tornando-se economicamente produtivas. Até então, trabalhavam apenas aquelas que não tinham em suas famílias um homem provedor, que poderia ser pai, irmão ou marido, ou que tivessem expressa autorização do patriarca da família.

Todavia, a igualdade garantida na Lei, nem sempre é encontrada na vida como ela é. Vira e mexe aparece algum estudo sobre a disparidade entre os salários de homens e mulheres exercendo a mesma função, ou pesquisas que retratam como elas são menosprezadas no mercado de trabalho ou assediadas, e muitos outros perrengues mais.

“Tudo ‘mi mi mi'”, já escutei por aí. “Minha chefe é mulher” ou “fulana ganha mais do que eu”, e assim mergulhamos o olhar ao redor do nosso próprio umbigo e, por não acontecer próximo a nós, tomamos como verdade que o fato não existe. Mas o Brasil é bem maior que o nosso umbigo, não é mesmo? Por isso, não confunda ausência de evidência com evidência de ausência, já dizia Nassim Taleb..

A realidade que estampa na nossa cara é a de que o Brasil ocupa a 90ª posição no ranking geral e a 83ª no quesito igualdade econômica e de oportunidade, num total de 144 países estudados no  The Global Gender Report 2017, do Fórum Econômico Mundial. O estudo de Estatísticas de Gênero, divulgado pelo IBGE em março desse ano, apurou que em média as mulheres ganham 76,5% do rendimento dos homens. Uma pesquisa do Instituto Locomotiva, publicada no Estadão, revelou que um homem branco, de 39 anos, nascido em São Paulo, com curso superior, ganha 68% a mais que uma mulher branca, na mesma situação e que uma mulher negra recebe ainda menos que uma profissional branca com as mesmas qualificações. Evidências.

E já que discussão pouca é bobagem, vamos adicionar mais um “mi mi mi” feminista à polêmica. Onde estão as mulheres no mercado financeiro? Cadê as investidoras? Na bolsa de valores brasileira, elas representam apenas 21,85% dos CPFs. No Tesouro Direto, o percentual de participação feminina é de 29,5%.

Vários fatores explicam o distanciamento das mulheres do mercado financeiro. Alguns deles expostos acima. Outro, a que não é dado tanta luz, é o fato de a mulher ter sido excluída desde o princípio da formulação das teorias econômicas. Adam Smith, pai da mão invisível e advogado do homo economicus, desconsiderou o papel dela no ciclo econômico. Isso porque à sua época, as mulheres não geravam bens tangíveis que pudessem ser precificados (passar e lavar era um ato de amor, ok).

No livro O lado invisível da Economia, a jornalista sueca Katrine Marçal faz uma revisão histórica da concepção das teorias econômicas e mostra como as mulheres foram deixadas de lado.

“Adam Smith nunca se casou. O pai da economia viveu com a mãe durante a vida toda. Ela cuidava da casa, e uma prima cuidava de suas finanças. (…) Para que o açougueiro, o padeiro e o cervejeiro pudessem ir trabalhar, na época em que Adam Smith estava escrevendo, suas esposas, mães ou irmãs tinham que passar horas e horas, dia após dia cuidando das crianças, limpando a casa, cozinhando, lavando roupa, enxugando lágrimas e brigando com os vizinhos.” – Katrine Marçal

Não faziam mais que a obrigação, não é mesmo? Alguns séculos e revoluções depois, não houve muita mudança. Continuamos sendo excluídas. Há uma lacuna entre o mercado financeiro e grande parte do público feminino. A agressividade e a linguagem não muito amigável do meio afastam as mulheres, dentre as quais muitas querem e têm dinheiro para investir.

Mesmo com a explosão dos canais de finanças pessoais e com a ascensão de mulheres como protagonistas na orientação financeira, o mercado tradicional falha ao falar com elas. Basta reparar em um anúncio de investimento. Homens falando para homens. Recentemente, o Banco Brasil rompeu esse ciclo ao utilizar a atriz Giovanna Antonelli como garota propaganda em seu comercial. Ela tira sarro dos clichês do mercado. É engraçado. Mas nem por isso, foi uma campanha pensada para a investidora.

Um produto financeiro não tem sexo, cor, raça, religião… rende exatamente o mesmo para qualquer um. Mas a comunicação tem. Para conquistar os clientes, não é de hoje que os profissionais de marketing sabem da importância da adaptação do discurso às características do público.

A ideia desta coluna não é fazer um cabo guerra entre mercado e mulheres, mas dar luz a questões relevantes que podem contribuir para aproximar mais o público feminino dos investimentos, e também servir para que elas se inspirem a dar o primeiro passo. Há um universo de mulheres que desejam investir e outros milhares que ainda nem sabem que precisam disso.

Sugestões são bem-vindas. Vamos conversar.

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